Poema à continuidade viva

 

Reunião da Confraria dos Poetas Vermelhos. Foto: Filipe Peres

(Ao camarada Alipio Freire)

1

camarada

te escrevo ao além

e te digo:

na maior parte do tempo

estou firme, desperto e inteiro

 

a barbárie se impõe

e as pessoas rezam com o cálculo eleitoral sobre a planilha

 

mas existem contradições:

o valor do afeto não cabe na planilha

e eu continuo a insistir pelo amor

 

2 

 

tua permanência

em cada um de nós

evidencia que seguimos

na vontade insistente de amar

e em cada gesto de amor te dizemos

 

hoje, o trabalho

sua alienação

não nos paralisa

 

vivemos em pior cenário

mas lembramos que

nunca tiveste o hábito de desistir

 

para desespero dos cínicos, seguiremos escrevendo tua lápide

tua biografia:

“Gostei, quero mais!”

 

3

 

hoje a celebração é maior

mas te celebramos todos os dias

a alegria em meio à adversidade é doce herança tua

 

obrigado, aceitamos o presente

e por isso recebemos.

e por isso replicamos

e por isso nos espalhamos

 

4

 

sigo carregando tuas prendas diversas:

o poema, terra maleável

a fotografia, 

ainda lembro da lição de Ennio

da tua:

para quem fotografas?

chegas atrás ou de frente à tropa de choque?

para quem escreves?

para que lutas?

 

detidos em nossas esperanças 

seguimos em resistência

eu sei

ainda legendando os fatos

entretanto,

diante da enorme realidade

esperançamos mais

 

e a linguagem

como armas na luta do povo

 

segui teu conselho

me esforcei em fazer novos amigos

não consegui

sigo preservando os antigos

(que não se venderam)

continuo não te santificando 

não te colocando em vitral

 

5

 

sempre defendestes a vida

por ela nunca temestes a morte

hoje estou inteiro

e contigo

em diálogo