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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

A batalha do discurso: a mídia e o neoliberalismo



Em 1990 um dos "ideólogos" de Ronald Reagan, chamado Francis Fukuyama, pregava o que ele chamava de "fim da história". Com a queda do comunismo na URSS e no leste da Europa entre 1989 e 1992, apenas o capitalismo de mercado sobrevivia e não mais haveria disputa ideológica na história. Era a vitória inconteste do capitalismo, particularmente, de sua vertente neoliberal.

Não foi bem isso que ocorreu de fato a partir de 1990, e o próprio Fukuyama foi obrigado a admitir, mas o neoliberalismo venceu uma batalha fundamental desde que se arrogou em hegemônico: ele venceu e vence até hoje todas as batalhas midiáticas. O neoliberalismo domina o discurso. Mesmo os mais tradicionais partidos de esquerda no mundo e os mais diferenciados intelectuais de esquerda têm dificuldade em se contrapor a esse discurso vencedor.

Nas décadas de 40, 50 e 60, o nacionalismo estava em alta no mundo. Na América do Sul destacavam-se Brasil e Argentina com suas políticas de substituição de importações e implantação de uma indústria local, liderados por Vargas e Perón. A Liga Árabe, e seu pan-arabismo, um nacionalismo árabe, liderado por Nasser no Egito, a esfera de influência da URSS no leste europeu e em Cuba e a construção do Estado de Bem-Estar Social na Escandinávia, e mais alguns países europeus, colocaram pela primeira vez no século a liderança dos EUA em xeque e apontou para um sistema de crescimento autônomo, em benefício das amplas massas trabalhadoras.

O neoliberalismo foi uma reação a tudo isso a partir da crise do petróleo da década de 70 e da derrubada de governos de esquerda na América Latina. O mundo deu uma reviravolta a partir dos anos 70 e acabou caindo no colo dos EUA. A chamada "crise da dívida" varreu os países latino americanos e varreu junto os projetos nacionalistas. No Oriente Médio surgiu o fundamentalismo islâmico sobre os escombros do pan-arabismo e sob financiamento saudita (em aliança com os EUA). Na Europa, a aliança entre Ronald Reagan e Margareth Thatcher iniciou o confronto contra o Estado do Bem Estar Social, o classificando de perdulário e ineficiente. O "Consenso de Washington" sacramentou a tendência: privatizações, desnacionalizações industriais, substituição dos investimentos reais para o investimento financeiro, adoção de "ajustes fiscais" nos países para garantir a "liquidez" do sistema financeiro montado, investida contra os direitos trabalhistas históricos e uma brutal depreciação a qualquer discurso que se opusesse a essa tendência hegemônica de pensamento.

Acontece que o neoliberalismo venceu no discurso mas jamais venceu na prática (não com o sucesso apregoado pelos seus defensores, ao contrário, foi sempre um desastre). Veja os casos de Brasil, Argentina e México. Entre 1990 até hoje, ninguém privatizou mais, abriu mais a economia e até "flexibilizou" direitos trabalhistas do que esse trio, e qual o resultado? Brasil e Argentina ainda tiveram arremedos de uma reação nacionalista com Lula e Kirchner e conseguiram uma relativa recuperação do desenvolvimento, do emprego e da renda do trabalhador, mas o México, que ingressou na aventura do NAFTA, é um país absolutamente destruído, dominado pelo narcotráfico e com um índice de miséria maior que 40%, com seus trabalhdores sofrendo nas mãos das "maquiladoras". A situação no México é tão grave que se espera que em breve ele se torne apenas mais um agregado dos EUA, como é Porto Rico. Mesmo no Chile, onde o neoliberalismo foi implantado na brutal ditadura de Pinochet (através de uma delegação chamada de "Chicago Boys", em referência à Universidade de onde partiram as ideias do "Consenso" e onde se localiza a fonte onde até hoje bebem os próceres econômicos do tucanato) o resultado para o trabalhador foi desastroso, pois com um crescimento de 5% em média do PIB em 10 anos (comemoradíssimo pela Globo) foi capaz de criar a sociedade mais desigual da América do Sul, empatando com o Brasil que lhe é 8 vezes maior (aliás, Globo e Veja já demonstram claramente uma posição anti-Bachelet figadal).

Na Europa esse processo foi lento pois o Estado do Bem Estar Social foi sendo solapado aos poucos na Espanha, em Portugal, na Itália, na Grécia, nos Países Baixos e até na Escandinávia, onde a Suécia perdeu o primeiro lugar no ranking de qualidade de vida justamente quando implementou algumas políticas de "austeridade" pregadas pelo tal de "mercado". Na Inglaterra, o partido Trabalhista foi intelectualmente destruído e criou a vergonha Tony Blair. Por lá, na época da morte da "Dama de Ferro", houve festa por todo o país, pois Thatcher é odiada por suas medidas de "austeridade" que além de cortar o leite da merenda nas escolas, produziu desemprego e empobrecimento da classe trabalhadora. Aliás, desemprego e empobrecimento são as únicas coisas em que o neoliberalismo é muito competente em criar.

No texto Soy Latino Americano discuti o contexto da América Latina após 1998. Mas é na Europa que o debate parece aquecer a ponto de assustar o tal de "mercado", com avanço da esquerda na Grécia, Espanha e até na Alemanha. O Estado do Bem Estar Social ainda não foi destruído, pelo contrário, os países escandinavos, onde ele ainda é bem forte, se destacam no mundo em todos os quesitos de qualidade de vida do povo (veja aqui, aqui e aqui) e isso é muito importante como base para se contrapor ao discurso neoliberal. A situação do trabalhador, das massas populares ainda é gravíssima pois o inimigo é muito poderoso, mas a guerra ainda não terminou.

Outra característica do neoliberalismo é enfraquecer o Estado. É conhecida a expressão "Estado mínimo" defendida por eles. Acontece que nenhum, repito, nenhum país no mundo se desenvolveu a partir de um Estado mínimo. Pelo contrário, sem a atuação do Estado nenhum deles se viabilizaria na história. Pegue os EUA e o New Deal de Roosevelt e Keynes, ou a implantação da ferrovias nos próprios EUA e na Europa. Veja o papel do Estado na proteção da indústria do petróleo nos EUA ou na revolução industrial na Inglaterra e na Alemanha. Enfim, o Estado é uma ferramenta fundamental do desenvolvimento, por isso a sua brutal disputa tanto pelas forças do capital quanto pelas forças populares. Cair no discurso do "Estado mínimo' é a mesma coisa que acreditar nas boas intenções da Globo.

O combate ao neoliberalismo não pode se dar dentro de gabinetes ou através apenas de lideranças carismáticas. O combate ao neoliberalismo tem que ser prático e teórico. Prático na união dos movimentos populares no mundo todo e teórico no combate do discurso. E, para vencer o discurso, é preciso democratizar os instrumentos de mídia no mundo todo. Essa é uma prioridade. As lutas e bandeiras dos movimentos populares devem obrigatoriamente conter a democratização da mídia como premissa. Sem isso a batalha pelo discurso continuará sendo perdida.

Aqui no Brasil tivemos recentemente as visitas de Nouriel Roubini e de Thomas Piketty, e a imprensa local não deu nenhum destaque. Vivemos num mundo onde de 1990 para cá a renda se concentrou de maneira brutal, sendo que na atualidade os 1% mais ricos detém mais dinheiro do que todos os outros 99% somados (aqui). Só isso já seria motivo suficiente para se ter uma porção de teorias e discursos anti-neoliberais espalhados pela mídia, se ela não fosse concentrada nas mãos de grandes capitalistas pertencentes ao 1%.

A luta é árdua e muitas vezes ingrata. Por algumas vezes o Brasil teve a oportunidade de aprofundar um projeto de desenvolvimento autônomo, como em 54, 64 e agora após 2003, mas sempre foi impedido de fazê-lo pelas mesmas forças que agora se movimentam para derrubar Dilma Roussef. Não há outra ferramenta de luta que não a unidade popular! Sem desistência!

obs: deixo aqui algumas coisas sobre o economista Gunnar Myrdal, sueco, Nobel de 1974 e criador do Estado de Bem Estar Social escandinavo. Vale a pena: aqui e aqui.

Ricardo Jimenez

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