Ele é engenheiro agrônomo e iniciou sua militância ambiental já na faculdade, na década de 1970. Em 1988 ajudou a fundar a Associação Cultural e Ecológica Pau Brasil. Esse é Manoel Tavares, um lutador pela causa do meio ambiente, sempre presente nos debates municipais e, assim como o blog O Calçadão, se preocupa com o futuro de Ribeirão Preto.
Manoel destaca o enfraquecimento da Sociedade Civil na atuação ambiental diante do avanço do poder econômico, o poder das empreiteiras. O resultado é a inexistência de uma política ambiental, que causa danos graves para os cursos d'água e para a cobertura vegetal da cidade.
A conversa com Manoel Tavares se insere no esforço deste blog em abrir o debate com os setores progressistas da cidade pensando em um projeto para Ribeirão Preto.
Curta a entrevista que fizemos com ele.
O Calçadão- Você tem um histórico na
atuação em defesa do meio ambiente em Ribeirão Preto e tem seu nome sempre
ligado ao trabalho da Associação Pau Brasil. Quando começou sua militância?
Conte-nos um pouco sobre a sua participação e sobre a atuação da Associação
Cultural e Ecológica Pau Brasil.
Manoel- A nossa militância ambiental
começou ainda na Faculdade de Agronomia da UNESP de Jaboticabal, ainda na década
de 1970, com o primeiro movimento nacional contra o uso de agrotóxicos e por uma
produção de alimentos mais saudáveis. Depois, ajudamos a fundar a primeira
entidade ambientalista e pacifista de cidade, a LUTAMOVIDAPAZ, sendo que
remanescentes dessa entidade, junto com outros movimentos sociais e culturais, fundaram em 1988 a Associação Cultural e Ecológica Pau Brasil.
A Associação Pau Brasil, desde sua
fundação em 1988, desempenhou um importante papel na defesa do patrimônio
histórico, cultural e ambiental da região, atuando firmemente no resgate do
Teatro Pedro II, que havia sofrido um incêndio e estava prestes a ser demolido para
construção de um empreendimento comercial. Atuamos, também, na criação de todos os
parques da cidade e muitas áreas verdes.
Na área institucional, participamos
desde o Plano Diretor da Cidade, onde fomos responsáveis por quase todo o
Capitulo de Meio Ambiente, até a criação do CONDEMA, do Código de Meio Ambiente do Município
e do Plano Diretor da cidade.
A nossa entidade participou de
importantes lutas como no estabelecimento do tratamento de esgoto da cidade, contra as queimadas de
cana, pela defesa do Aquífero Guarani, pela reciclagem e o destino adequado dos
resíduos sólidos. Fizemos várias campanhas de arborização de áreas verdes, sendo a
ultima a “Tá com calor plantes Árvores”, que conseguimos, através do plantio
direto e também pelo estimulo das pessoas e de outras entidades, um resultado em
torno de 20 000 árvores.
Estamos lançando uma nova
campanha “Não quero veneno no meu prato”, que visa conscientizar as pessoas dos
seus direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor e demais legislações vigentes, onde todos os alimentos devem informar corretamente se o produto apresenta
resíduos de agrotóxicos e/ou transgênicos, já que esses resíduos são
extremamente prejudiciais à saúde.
O Calçadão- O tema do meio ambiente é algo
que interessa bastante às pessoas, mas ao mesmo tempo os instrumentos públicos
de implementação de políticas ambientais são pouco valorizados e divulgados.
Nesse sentido, em sua opinião, a Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura
Municipal de Ribeirão Preto é um órgão valorizado pela Administração? Em outras
palavras, Ribeirão Preto tem política ambiental?
Manoel- Infelizmente os órgãos ambientais
tanto municipais como estaduais vem sofrendo um desmanche cada vez maior. Não apresentam
a mínima infraestrutura para exercer as suas atividades, tanto de implementação
de politicas públicas, como de fiscalização.
A nossa política municipal
acompanha esse processo. Aqui tentaram transformar o CONDEMA num conselho chapa
branca, perdendo a autonomia, onde o presidência do Conselho, que era eleita pela sociedade civil, passou a ser exercida pelo Secretário Municipal do Meio Ambiente. Um retrocesso.
Diversas leis municipais que foram
exemplo para outras cidades brasileiras foram alteradas para atender os interesses
do poder econômico local, principalmente das empreiteiras.
É o caso da Zona Leste da cidade, que
apresenta a maior área de recarga do Aquífero Guarani e onde foram realizados inúmeros estudos
e discussões técnicas entre o Poder Púbico, a Sociedade Civil e o Ministério
Público, o que resultou numa legislação de uso do solo para proteção dessa área
importantíssima e responsável pela manutenção do abastecimento de água da cidade. Mas até agora nada foi feito e a ocupação e impermeabilização da área continua.
O Calçadão- A Constituição Federal e a LDB
de 1996 introduziram a Educação Ambiental no currículo escolar. O senhor ou a
Associação Pau Brasil tem dados sobre como esse tema tem sido tratado no
currículo escolar das escolas municipais da cidade? A Associação Pau Brasil tem
atividades junto aos jovens estudantes?
Manoel- Nada tem sido feito efetivamente
para implementação da Educação Ambiental nas escolas do município, a não ser
por algumas inciativas partindo de professores e diretores, mais nada de forma
sistemática. A Associação Pau Brasil tem feito e participado de inúmeros
eventos nas escolas, dentro das suas campanhas, como no caso das queimadas, reciclagem,
arborização, defesa do aquífero e uso sustentável dos recursos naturais.
O Calçadão- Uma das lutas históricas da
Associação Pau Brasil se dá em relação ao Rio Pardo. Como você enxerga a
situação atual do Pardo na região de Ribeirão Preto? Houve avanço na
recomposição da mata ciliar? As instalações das centrais de tratamento de
esgoto melhoraram a condição da água, ou, Ribeirão trata 100% do esgoto antes
de atingir o Pardo?
Manoel- Sim, uma das principais lutas foi
pela preservação e melhoria das águas e condições do Rio Pardo, o principal rio
da nossa região. Foram muitas expedições no rio acompanhados pelo Ministério
Público e Policia Ambiental, denunciando os diversos focos de poluição,
extração irregular de areia e desmatamento das matas ciliares.
Embora as estações de tratamento
de esgoto tenham capacidade para tratar 100% do esgoto da cidade, isso não
acontece de fato, pois ainda faltam as ligações de algumas regiões aos
emissários e estações elevatórias, dessa forma, ainda temos 30% do esgoto da cidade que atinge o Rio Pardo sem tratamento.
A grande preocupação de
preservarmos o Rio Pardo é que, no futuro, ele deverá ser a única alternativa de abastecimento
de água para Ribeirão Preto, já que o Aquífero Guarani vem se exaurindo rapidamente. Hoje
retiramos 13 vezes mais água do Aquífero do que a natureza consegue recarregar, e o
rebaixamento dos poços vem ocorrendo rapidamente, mais de um metro por ano. Os
estudos revelam que se o nível de retirada atual de água for mantido, dentro de
20 anos não teremos mais água disponível nessa reserva.
O Rio Pardo, como todos os cursos
de água da região, vem sofrendo com o desmatamento ocorrido desde a
década de 1970. A nossa cobertura florestal nativa, naquela época, era de 22% e hoje essa
vegetação não chega a 5%. Com isso, o rio vem secando a cada ano. O nível do rio
é hoje cerca de 40% do seu nível normal de 30 anos atrás.
O Calçadão- A legislação obriga a
constituição dos Comitês de Bacia para tratar dos temas referentes aos
principais cursos d'água de uma região. A Pau Brasil participa das reuniões e
decisões do Comitê de Bacia do Pardo? Em sua opinião, como fazer para dar maior
publicidade e aumentar a participação popular nessa questão?
Manoel- A Pau Brasil participa do Comitê
de Bacia Hidrográfica do Rio Pardo, mas a participação da Sociedade Civil
nesses conselhos é muito relativa já que a direção e a representação das
cidades são feita através dos Prefeitos, e nem sempre as prioridades são as de
maior interesse das comunidades e da preservação do próprio rio.
O Calçadão- Em termos gerais, a região de
Ribeirão Preto é pobre em áreas de preservação ambiental. Há como
compatibilizar a cultura da cana com a recuperação e preservação ambiental? O
novo código florestal ajudou ou piorou nessa relação?
Manoel- Na verdade, para que a cidade e a
região tivessem uma boa qualidade de vida e sustentabilidade de recursos hídricos, precisariam de no mínimo 20% de cobertura florestal nativa a mais, além das áreas de
preservação permanente, as APP. Assim, voltaríamos a ter uma cobertura vegetal que tínhamos em 1975, antes da criação do
PROÁLCOOL, que desmatou o restante das matas da região para implantação das
lavouras de cana.
Quando o antigo Código Florestal
estava em vigor, graças ao trabalho do Ministério Publico, muitos produtores
começaram a cumprir a lei, reflorestando principalmente as APP. O novo Código reduziu essas exigências e tudo
parou, agravando a situação principalmente do ciclo das chuvas e águas na
região.
A seca no Estado de São Paulo, entre outros fatores, tem muito a ver com a drástica diminuição das coberturas vegetais nativas.
O Calçadão- Trazendo o debate para o nosso
perímetro urbano. A política de parques municipais e de praças públicas acabou?
Parques como o da Pedreira, do Morro do Cipó, das nascentes do Córrego
Antártica e a construção de praças públicas arborizadas nos bairros da
periferia, são, em sua opinião, prioridades dos nossos agentes públicos?
Manoel- Acho que as questões das áreas
verdes urbanas nunca foram prioridade dos nossos governantes, e a situação está cada vez
pior. Temos apenas 5m² por habitante de área verde, quando o mínimo recomendado
pelo OMS é de 12m² para ter uma boa qualidade de vida. Nos bairros da
periferia essa situação é muito pior, temos bairros que tem apenas 1 ou 2m² por
morador.
O Calçadão- Temos na nossa cidade mais de
duas dezenas de rios e córregos que atravessam o perímetro urbano. São corpos
d'água com importância histórica no processo de povoação da cidade, como o
córrego do Tanquinho dentre outros. Há como sonhar em um dia retomarmos esses rios
para o uso das pessoas (consumo, lazer, irrigação de hortaliças etc.)?
Manoel- As nossas nascentes, córregos e rios que
cortam a cidade serão vitais para o abastecimento da cidade no futuro pois, como está acontecendo em São Paulo, muitas nascentes e cursos de água que
tinham sido soterrados começam a ser recuperados e usados para o abastecimento, além de irrigação de hortas e áreas verdes. É preciso a urgente despoluição
desses cursos de água, bem como o reflorestamento das APPs urbanas.
O Calçadão- Como está, em sua opinião, a
preservação das áreas de recarga do Aquífero Guarani, localizadas
majoritariamente na zona leste da cidade? O Parque da Lagoa do Saibro é algo
factível?
Manoel- Pouco tem sido feito e as áreas de recarga continuam a ser alvo da especulação imobiliária.
Sem essas áreas de recarga
preservadas a situação do abastecimento da cidade vai ser tornar crítico dentro
de poucos anos, pois dependemos dessa região para a manutenção dos poços que
abastecem a cidade.
O Calçadão- As duas próximas perguntas se
referem a sonhos. Nós de O Calçadão gostamos de sonhar. É possível sonhar com
um projeto amplo de arborização de nossa cidade? Enterrar a fiação e colocar
árvores no lugar dos postes é algo inimaginável para a Ribeirão Preto do
futuro?
Manoel- Sim, como aconteceu em outras
cidades, é possível sonhar com uma Ribeirão Preto mais agradável para se viver, onde a
paisagem seja mais verde e sem a poluição visual que degrada o ambiente.
Precisamos de uma cidade mais humana, com prioridade para os pedestres,
ciclistas e o transporte público de qualidade, e por que não um metrô de
superfície não poluente, como os nossos ônibus elétricos que foram desativados.
O Calçadão- Nós sabemos que a Associação
Pau Brasil também debate e se interessa pela revitalização do Centro da Cidade.
O nome deste blog "O Calçadão" tem a ver com a nossa convicção da
importância do Centro da Cidade na vida do cidadão. Algum dia poderemos sonhar em ter o
centro da cidade revitalizado, sendo o aglutinador da vida cultural e do
potencial turístico histórico, com recuperação e valorização de seu patrimônio arquitetônico?
O que fazer para chegarmos lá?
Manoel- Sim, esse é o nosso sonho coletivo, de ver a nossa cidade e o nosso centro revitalizado, bem arborizado e bonito do
ponto de vista paisagístico, preservando o nosso patrimônio histórico e
cultural.
Para alcançarmos esse objetivo, precisamos nos organizar, participar
ativamente de entidades da sociedade civil, e também saber votar com
consciência em candidatos engajados com as causas sociais, ambientais e
culturais, tanto para o Executivo como para a nossa Câmara de Vereadores. Sem
essa participação efetiva de todos os cidadãos a cidade vai continuar a mercê
dos interesses econômicos e especulativos.
O Calçadão- Por fim. A média da
Prefeitura é autorizar cerca de 10 projetos anuais de "condomínios
fechados" , principalmente na área sul, que liga Ribeirão a Bonfim Paulista.
A continuar assim, como você enxerga o futuro de Ribeirão? Nossa referência de
cidade como um amplo espaço de convivência interligado está sob-risco?
Manoel- Acredito que esses condomínios
transformam a cidade em guetos de pseudo segurança. Fazem de Ribeirão Preto uma cidade fragmentada, o que
afeta a convivência saudável dos cidadãos e estimula cada vez mais a
intolerância e o individualismo egoísta dos dias atuais. Precisamos romper com
os preconceitos e construir uma convivência harmoniosa com todos os habitantes
da nossa cidade, somente assim vai ter a almejada qualidade de vida e segurança.
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