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segunda-feira, 22 de junho de 2015

Feira do Livro e a Cultura de Ribeirão Preto

Escrevi o artigo abaixo em um outro blog que utilizava em junho de 2012. De lá para cá a análise é praticamente a mesma, exceto pela questão dos shows, que foram limados porque "atraíam muita gente...". Pois é, eu digo que a feira havia se transformado num "evento popular" e parece que isso incomodava a intelligentsia local.

Ao texto:

Todos os anos, dezenas de Feiras do Livro são organizadas no país. É possível encontrar eventos de todos os tipos de norte a sul, nas mais diversas cidades. A Fundação Biblioteca Nacional estima que aproximadamente 10 milhões de pessoas visitem as feiras, a cada ano. Ainda assim, os brasileiros mantêm baixos índices de leitura, se comparados a outros países.

A feira do livro de Ribeirão Preto, surgida em 2001, com o trabalho de Galeno Amorin no governo de Palocci, tem uma característica especial: é realizada numa praça, a céu aberto, com shows cada vez mais populares e na região central e bela da cidade. Difere muito da característica de outras feiras, como as de Poços de Caldas, Porto Alegre e Brasília, para ficar nas mais conceituadas. E também não tem comparação com a FLIP-Paraty, a mais prestigiada do Brasil, pois esta é única e, apesar de ser também um evento a céu aberto, tem como principal chamariz a belíssima cidade histórica e sua estrutura voltada para a intelectualidade. A FLIP não é um evento de massas e se realiza numa cidade acostumada com um ambiente cultural, bem diferente de Ribeirão Preto.

A nossa Feira cresceu, se transformou num evento popular e entrou definitivamente, e como um ótimo exemplo de política cultural, para o paupérrimo e elitista calendário cultural de Ribeirão Preto. Infelizmente, a política de implantação de bibliotecas públicas nos bairros, surgida juntamente com a feira, morreu.

O caráter da Feira atrai a população e isso, às vezes, faz com que alguns torçam o nariz para este evento. Não julgo aqueles que assim procedem, mas é preciso analisar com cuidado esse importante acontecimento da cidade e o porquê, em minha opinião, de suas particularidades.

Ribeirão é carente de vida cultural de massa, sua elite pequeno-burguesa é fechada, chata, arrogante e metida a besta. A Secretaria da Cultura e a Fundação Pedro II são, há décadas, comandadas por esse mesmo grupo, independente do partido do Prefeito. Assim como ocorre no poder Executivo, na Câmara de Vereadores, enfim, Ribeirão é uma aldeia dirigida por um seleto grupo de "notáveis" e novos ricos e nada, repito, nada acontece sem o crivo desses mesmos, que só fazem manter seus postos de poder e o status quo. Só se fura esse bloqueio com grana ou fazendo o jogo de quem tem grana, como todos sabem. Dentro do seu grupo eles se conhecem, se divertem, vão às corridas de carro, aos jogos de golfe, hipismo, frequentam teatros com preços elevados, restaurantes da zona sul etc. Para eles não falta vida cultural. A vida cultural deles, é claro. E também não falta para eles o apoio público. Quem você acha que mais frequenta os gabinetes de poder do Palácio Rio Branco, o povo ou essa elite? Em seus carrões, eles reclamam do trânsito e só vão ao centro da cidade nas noites de "espetáculo", enquanto o povão sacoleja nos ônibus e passa rapidamente à frente do Pedro II a caminho do trabalho.

O povo de Ribeirão exige e anseia por ter opções culturais, mas é ignorado. Quando o governo, juntamente com a sociedade civil, é incapaz de satisfazer esta exigência, os vazios culturais são ocupados de qualquer maneira. Às vezes surgem boas ideias, e Ribeirão tem vários exemplos disso (movimentos culturais autônomos e de qualidade), mas geralmente essa ocupação de espaço é tumultuosa e caótica.

Frequento a Feira desde seu início e percebo que com o passar do tempo ela está mais caótica, essa é a palavra. É difícil andar pelos seus estandes e poder ver os livros ali expostos. Além disso, há também os shows noturnos cada vez com maior apelo popular. Essa “confusão” e esse ambiente pouco comum incomoda, principalmente certos intelectuais e habitués “zona sul”.

Não há como não concordar com Ariano Suassuna quando este critica a massificação de uma cultura de baixa qualidade sustentada pela mídia comercial. Defender um maior acesso ao conhecimento sobre as expressões culturais nacionais, que muitas vezes são ignoradas pelo nosso eurocentrismo subconsciente, é fundamental. Mas, é preciso muito cuidado quando vamos criticar a tal “cultura de massa”, para não corrermos o risco de classificar tudo que é popular como lixo. Nem sempre a nossa régua de medida estética serve para os outros, e ela própria pode ter sido moldada de acordo com uma visão eurocêntrica da qual nem nos damos conta. Sempre cabe, dialeticamente, a reflexão. 

Não podemos desfazer de um evento dessa natureza só porque, ao caminharmos pela feira ou ao assistirmos a um show,  não gostamos eventualmente do caos humano encontrado e nem do comportamento de alguns que não sabem se portar num lugar assim. O que se tem que fazer é analisar o que pode estar errado e corrigir, principalmente a questão dos adolescentes, que deixam de ir à aula e ficam, nos dias de feira, passando o tempo naquele lugar. Essa situação, desagradável muitas vezes para quem deseja ir à feira ver livros e palestras, precisa ser olhada como um potencial positivo e planejamento. É muito bom que jovens frequentem a feira do livro, mas da maneira correta. Talvez um melhor entendimento entre os organizadores e as escolas possa contribuir para melhorar esta questão. Mas o evento é bom, as palestras são interessantes, os shows em frente ao teatro são lindos. O que Ribeirão precisa é de mais eventos culturais, ou melhor, precisa de uma revolução cultural que traga o povo junto, que agregue, que transforme. Enquanto for oferecida miséria cultural ao povo, enquanto os governantes de ocasião acharem que cultura popular é coisa de pobre mal educado (enquanto bebe-se espumante nas “altas” rodas financiadoras de campanhas), os vândalos vão continuar atrapalhando a leitura dos intelectuais. 

Também é possível e bom que a feira possa se expandir e se integrar aos parques da cidade, inclusive o Tom Jobim, na periferia, e aos teatros do município!

Quando falta acesso à cultura por inexistência de políticas culturais, as massas ocupam o espaço a seu modo, consomem o que está disponível, e não podem ser criticadas por isto. Acho que este exemplo cabe muito bem à Feira do Livro e ao ambiente cultural ribeirão-pretano.

Ricardo Jimenez

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