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domingo, 28 de fevereiro de 2021

Notas sobre um colóquio sabático

Por: Luciana Porfirio 

A comunicação pelas redes sociais é legítima quando o gestor público se dispõe a identificar seus atos – desde que verdadeiros, em observância aos princípios da administração pública: legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade, proporcionalidade, eficiência, razoabilidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, motivação e supremacia do interesse público. Bem, os primeiros são previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988 e os demais, acrescidos pelo regime político previsto no art. 2.º da Lei Federal 9.784, de 29 de janeiro de 1999.

Se um gestor vai à público informar sobre seus atos administrativos, isso não fere a impessoalidade e a moralidade, e ainda confere, obrigatoriedade em relação a legalidade e a publicidade de tais atos. O excesso de liberdade na informação promovido pelos usos das redes sociais se combate com mais liberdade de informação. Contudo, o que esperamos de um gestor na esfera pública é que a sua comunicação se faça com ampla liberdade, detalhamento e responsabilidade por ela, para ser cobrado pelo que fez ou falou. A impessoalidade de tais atos é uma exigência tanto nas publicações oficiais quanto na comunicação com os cidadãos e profissionais de uma determinada categoria profissional, decorrente do fato destes gestores serem nomeados para servir ao que é público, mesmo que tenham alinhamentos ideológicos voltados para o setor privado.

Dito isto, ninguém pode impedir um gestor público de falar, por outro lado, se a recíproca é verdadeira para esses representantes, ela é, igualmente verdadeira para os representados. Uma coisa são as nomeações políticas, outra, cargos comissionados e muito diferente, candidatos Co parlamentares à câmara que foram democraticamente eleitos. Estas questões não se confundem na esfera administrativa de uma rede educacional ou município.

A carreira docente tem sido cada vez mais, menos atrativa, porque, além de exigir um enorme investimento pessoal e familiar (diplomas e aprovação em concursos) esse futuro profissional tem se mostrado inócuo, baixos salários, impossibilidade de ascensão pessoal, condições precárias de trabalho, muito malabarismo; conciliar o ato de ensinar com tantas outras coisas em razão da própria natureza desse trabalho e que envolvendo uma teia de pessoas, sejamos sinceros, não é tarefa para amadores.

O grupo “Educação em Ribeirão Preto” surgiu da necessidade de lutarmos para a melhoria das escolas, das condições infra estruturais, materiais e pedagógicas para elevarmos a aprendizagem das crianças que necessitam da escola pública, é um direito constitucional inalienável dos indivíduos. Mas também, para lutar contra essa tendência à desvalorização profissional em todas as suas dimensões e pelo hábito histórico de tentar transformar professores em parentes postiços.

A profissão docente exige seriedade, preparo científico, físico, emocional, afetivo, investindo profissional e pessoalmente em um tipo de atividade que se caracteriza pela empatia - querer bem não só aos outros, mas a todos. É impossível ensinar sem essa bravura indômita, essa valentia de amar, de insistir, persistir e lutar, antes de jogar a toalha ante o autoritarismo e o “todo poderosismo”, que não admite o desvelamento das falácias usadas para tornar opaca a realidade de fatos.

Assim, a coragem para permanecer ensinando nas condições que conhecemos, mal pagos, desrespeitados e resistindo aos cinismos, aos “pacotes pedagógicos” forjados pelos sabichões e sabichonas de gabinete que, adotando a vassalagem mental e os corpos dóceis, abandonam a sala de aula para obter privilégios, vantagens materiais e pessoais e, cujas propostas sem base dialética são produzidas com o pretexto de “formar cidadania crítica”, de garantir o direito à aprendizagem das crianças, acabam caindo por terra quando fatos são expostos, como fatos que são e não “fofocas” de bastidores da administração pública.

Aliás, as fofocas são um fenômeno existente em muitos ambientes de trabalho. As redes de WhatsApp potencializaram muito isso. Esses fenômenos se assemelham as fakes News que tem ajudado governos elitistas, autoritários e enganadores a se elegerem, graças a incorporação das fofocas e mentiras propagadas pelos grupos destes aplicativos. Fofoca é também o que ocorre quando um (a) gestor (a), infiltra-se no grupo de profissionais de uma escola e, ao invés de se ocupar de suas funções, se prestam ao servicinho medíocre de printar os comentários feitos pelos profissionais do grupo e encaminhá-los aos representantes da educação na secretaria.

Inclusive, aos gestores que estiverem, porventura, fazendo isso, fiquem informados de que quem compartilha registros de conversas entre duas ou mais pessoas por meio de mensagens trocadas em um grupo de aplicativos, incorre em crimes. Isto porque, entende-se que essa troca de mensagens é “privada”. O artigo 151 do Código Penal informa que quem, de forma indevida, divulga ou transmite a terceiros, em especial, se estes terceiros estão fora do referido grupo, à revelia da pessoa que teve a conversa “retransmitida”, incorre em vários crimes:

a) de invasão de privacidade, por questões óbvias;

b) abuso de poder, quando o compartilhamento é por hierarquia ascendente,

c) assédio moral, que pode ser ascendente, descendente ou misto.

A pena prevista são multa e de um a seis meses de detenção. Isto serve também serve também para àquelas pessoas que no grupo batem palminha para as falas insultivas dos gestores, que além de não estarem se ocupando de informar atos decisórios públicos pautados pela impessoalidade, moralidade e veracidade, estão tentando desqualificar lutas que são legítimas. As pessoas que assim agem, estão apenas querendo se projetar, invisíveis que são, à gestão que os desprezam. Quando isso ocorre é porque estão a guardar dentro de si a mente dominadora, a ideologia autoritária de uma administração perversa que diz que faz algo que não faz, e nem vai fazer: o bem público. O que elas querem com estas palminhas, likes e coraçõezinhos de emojis em comentários dos gestores desqualificando uma categoria profissional ou pessoas, é mostrar para estes gestores que ‘pensam que pensam’, mas isso não é verdade, sucumbidas e fascinadas que estão pela luz dos falsos brilhantes.

De sua sala, de um grupo, de um gabinete, uma diretora pode controlar o que dizem e fazem as professoras na intimidade de seu mundo, seja pessoal ou profissional, o que ela não pode fazer e nem tem coragem para fazê-lo, motivo pelo qual muitas não estão aqui, é controlar cinquenta, duzentos, trezentos. professores ao mesmo tempo.

Então, elas se iludem, pensando que estão a serviço da nação, do Estado, da cidade, afirmando, a exemplo de um certo parasita, disfarçado de ser humano de que “O Brasil não pode parar”, fazendo mais como dúvida do que como assertiva, simplesmente, porque estão na contramão daquilo que está a se defender agora: vidas humanas.

Estes e muitos outros discursos técnico-burocráticos, são facilmente fragilizados quando, cientes e conscientes da deontologia da profissão, nossos colegas vêm a público defender o direito basilar a vida, pontuando situações reais que ocorreram e serem hodiernamente mais desqualificados, estendendo a desvalorização a toda a categoria. O fato é que somos agentes e não “pacientes”.

Bem, seu sou Professora, é isso que eu sou. O colega chamado de hipócrita também é. Muitos que opinam, falam nesse grupo também são, ainda que, já tenha sido dito em uma reunião pública do Conselho Municipal da Educação (CME) que aqui se diz “bobagens”.

Aprendi, humildemente, que quando luto pelo bom, pelo justo, pelo lado certo das coisas, eu estou sendo professora em tempo integral. A gente ensina também lutando e por tantos esclarecimentos que tentamos fazer. Por isso, aprendi que, enquanto categoria, precisamos estar ao lado de nossos companheiros, não cegamente, mas fazendo o bom combate, que é a disposição pela briga lúcida, justa em defesa dos nossos direitos, dos nossos alunos e seus familiares, pelo bem público, servidores deste mesmo público que somos. O que quero dizer é que não sendo a escola neutra, a sua administração também não é, por mais técnica que queira parecer ser, mas o que não se pode aceitar, de jeito nenhum, é essa tendência de transformar a coisa pública em uma espécie de “gueto” partidário para fazer valer projetos sucateadores dos bens públicos para o quais foram eleitos para administrarem e não tomarem para si.

Inegável também é o fato de que entre o partido, governo há muita coerência pedagógica em torno das opções políticas que defendem, suas linhas ideológicas e seus atos administrativos. Não é à toa que, por diferentes falas mansas e ameaças veladas, se busca meter medo à liberdade. Como consta no livro “Professora sim, tia não” de Paulo Freire, p.13.

Preferências políticas reconhecíveis ou ficando desnudas através das opções de governo, explicitadas desde a fase da campanha eleitoral, reveladas nos planos de governo, na proposta orçamentária, que é uma peça política e não só técnica, nas linhas fundamentais de educação, de saúde, de cultura, de bem-estar social; na política de tributação, no desejo ou não de reorientar a política dos gastos públicos, no gozo com que a administração prioriza a boniteza das áreas já bem tratadas da cidade em detrimento das áreas “enfeiadas” da periferia...

 

Ou ainda, na reintegração de posse de áreas onde vivem os “descamisados” durante a pandemia com variante agravada, ou quando se compra máscaras ruins rejeitadas pela OMS e Anvisa para docentes, ou ainda, quando se faz chamada às empresas privadas para pagar quase um milhão para fazer reforma administrativa buscando retirar ainda mais direitos dos servidores públicos em uma associação vil de que crises orçamentárias passam pelo pagamento da folha destes trabalhadores legítimos na esfera pública. E, mais ainda, a necessidade se ver falando entre nós só existe porque a administração da coisa pública, de ontem e de hoje, está comprometida com o projeto de um governo sob o qual fizeram escola.

Se a administração da cidade, do estado ou do país fosse uma coisa “neutra” tudo bem, porém, essa neutralidade não existe. Por isso mesmo, vamos entender a situação de ontem e porque a professora não é tia, mas poderia ser.

O autoritário, sai a defesa sectária da verdade forjada, a qual, não admite desconfianças, em torno dela, quanto mais, a exposição de suas incoerências. Quando se desocultam as falácias populistas é que vimos vir à tona os pensamentos disfarçados de vontade de dialogar, de liberalidade e bondade, habilmente utilizadas para escamotear os valores enraizados do autoritarismo, elitismo e machismo porque a “tia” na história da profissão docente tem relação com a “feminização do magistério”.

Qualquer pessoa que entende, um pouco de educação, sabe que o deboche “tia do zap” é um clichê. Aliás, também uma apropriação de um bordão que usamos na política para identificar como governos de extrema direita angariaram o poder com as correntes das fakes News espalhadas pelos “tios do zap”. Mas quando veio para o magistério, predominantemente feminino, há essa inversão de gênero. Mulheres não tem esse tempo não.

Mas, enfim, qualquer um que entenda de educação e com ela se preocupa, não “marqueteia” suas práticas e, sendo um pouco mais sabido, defenderia sim a professora como tia, porque quanto mais “tia”, mais bem comportada, dócil para seus sobrinhos, inclusive, considerando a escola e sua administração, um espaço preocupado unicamente com o “ensinar e aprender”, o que não se faz sem as condições específicas.

Mas professores não são bois mansos ou “tias” boas (ou boas tias?) que não se rebelam para serem “referências” para seus sobrinhos, tias também não fazem greve. Somos professoras, Professores e enquanto tais, não nos comportamos como gado a caminho do matadouro. Ensinar é profissão, militância, luta, investimento em formação, é cientificidade, é conhecimento, disposição, compromisso, ética, justiça, zelo e desvelo.

Tia é parentesco. Posso ser tia sem querer, não gostar dos sobrinhos, nem tenho escolhas se quero ou não o ser. Mas não posso ser docente sem compromisso com os alunos e suas famílias. Não se menospreza a figura da tia em nossa profissão, quando, apesar de inúmeras explicações sobre isso, as crianças insistem em assim nos chamar. Mas quando um gestor público considera “normal” reduzir uma categoria a essa condição, o faz como distorção fictícia. Aceitamos das crianças menores de 6 (seis) anos que nos chamem de “tia” (nem todos nós), explicamos a ela e muitas entendem, mas advindo do mundo adulto, é pura vontade de desqualificar as lutas e posicionamentos legítimos, e isso porque, em realidades desiguais, temos o dever moral, ético e justo de desocultar a opacidade das pseudoverdades favorecedoras dos cambados em defesa dos fracos, pobres e oprimidos (sem ser querer ser piegas).

Gestão pautada em discurso técnico e de natureza puramente administrativa é o meio eficaz de comunicar os objetivos de um governo de forma escamoteada e se faz isso como autoconvencimento de que os instrumentos técnicos-administrativos não se travestem dos vieses ideológicos e políticos com os quais a direita vem acusando servidores. O que não pode, contudo, é desconhecer as implicações escondidas nas manhas e artimanhas ideológicas que envolvem a redução da condição de professora à de tia e o quanto vilipendioso isso é.

Que uma pessoa ontem progressista compactue com isso tudo, como muitos e muitas que vejo por aqui, me parece possível, ainda que lamentável. Porém, por mais simpatia ou antipatia que tenhamos com as pessoas, isso não nos obriga a trabalhar contra a vida, o justo e o ético. Se, compromissado estou com o bem coletivo da população enquanto gestor preciso ter a astúcia de entender que a forma como tocamos e usamos os poderes no mundo, nele interfere. Portanto, não é possível, estar à frente de uma pasta fingindo não saber que ser professor é também lutar por seus direitos para que seu trabalho seja cumprido, seu dever exercitado em condições e, há anos, temos trabalhados sem elas. Porém, quando estas condições envolvem a vida de seres humanos, não podemos e nem devemos deixar de debater, isso não é um jogo de forças para vermos quem vence. O número de mortos já diz quem é que está ganhando.

Não queremos vacinas só para nós, queremos vacinas para todos, para as alunas e os alunos (as sobrinhas e os sobrinhos), mas também às famílias deles, as tias e tios, inclusive. Insisto, um, contamina duzentos. Não tem protocolo seguro presencial em nossas realidades escolares, ponto. Não há discursos e atos técnicos que não estejam enviesados pela ideologia do governo ao qual se está submetido. O remoto foi o formato adotado quando conveniente. Pois, que se faça justiça, cumpra o prometido e permaneça, minimamente, com essa atividade por essa via.

Agora, quando disserem que querem “nos ouvir”, escutem-nos. Compreendam que ouvir e escutar são coisas distintas. A escuta não é uma função passiva; ela põe em movimento o sujeito, fazendo-o falar, deparar-se com seu não saber, com suas dúvidas acerca de um monte de coisas, isso é saudável, ajuda a nos posicionar perante uma realidade da qual queremos participar e na qual queremos o direito de ter voz ativa, o que implica que possamos também se expressar de forma respeitosa uns com os outros. Esse é o único diálogo possível.

Com todo o respeito e reconhecimento que vejo em alguns esforços da pasta tentando ser realizado, foi feito um post legítimo explicando alguns fatos. A resposta dada, desviou o foco do debate para um “bate boca” com o intuito de desqualificar o profissional que o fez, a entidade que o representa, inclusive distorcendo muitas das situações a fim de confundir e dividir.

Não penso que os comissionados sejam incompetentes (minha visão), mas na história da rede, esse adjetivo inclusive parecia ser o critério, além do famoso puxa-saquismo pedante. Também não se confunde, nomeados, comissionados e eleitos, democraticamente, em um coletivo que tem trabalhado intensamente para representar a educação, aliás, o qual a SME deveria agregar para pensarmos coletivamente em resoluções. Isso seria parceiro, independente de posicionamentos políticos, porque a educação está acima disso, ou deveria estar.

Nesse sentido, entendo o cansaço do Secretário da Educação com toda a situação, mas o fato é que desprezar o que os professores fizeram em 2020, desconsiderar a realidade vivida, o número de professores contaminados e mortos, as condições efetivas em que trabalharam cada um, dizer que se for pra ser remoto o "teletrabalho" resolve, é leviandade e distorção.

Assinado: uma “Tia” do Zap.

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