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sábado, 30 de agosto de 2025

O Teatro Carlos Gomes e o drama de Ribeirão Preto - Gusmão de Almeida


Olá, prezados.

Aos que aqui se reúnem, já me apresentaram há algum tempo, escrevi alguns textos e decidi parar. Passei os últimos 10 anos em silêncio. O silêncio muitas vezes acompanha os velhos. Porém, decidi voltar.  Me pareceu oportuno colocar em palavras, novamente, o que me assola e o que me toca a alma. 

Estou de volta ao Blog O Calçadão.

Decidi dar nova vida à minha pena.

E resolvi reescrever meu primeiro texto, revisitando memórias da nossa Ribeirão Preto querida.

Minhas palavras dançam em sintonia com as memórias que emergem durante minhas caminhadas pela venerável Ribeirão Preto. Aposentei-me há tempos e, com uma paixão renovada, dedico-me a explorar os recantos da cidade, a conhecer almas variadas e a caçar, como um verdadeiro predador, as melhores promoções. A busca por barganhas é minha eterna cachaça.

Recentemente, enquanto cruzava a Praça Carlos Gomes, vinda de uma nova descoberta em um mercadinho da Mariana Junqueira, parei para refletir. Hoje, essa praça é apenas uma passagem, um espaço que não ressoa com a alma. Mas os ouvidos de um velho, como os meus, têm memória potente e conseguem reverberar ecos do passado.

Não falarei, porém, sobre os dias recentes, nem sobre um certo terminal (não hoje). O que me vem à mente é uma era clássica, quando ali se erguia o magnífico Teatro Carlos Gomes.

Detive-me no centro da praça, imerso na contemplação. Transportei-me para outra época. Eu o conheci, caros amigos, eu adentrei seu interior. Reflexivamente, olhei na direção da Praça XV e, do outro lado, avistei a esplêndida fachada do Pedro II. Ah, que contrariedade! Alimento ainda uma birra com Pedro II...

E não por sua beleza arquitetônica, mas pela pose que ostenta e pela história que carrega.

Sinto que devemos retroceder a Ribeirão Preto de 1895, quando o Teatro Carlos Gomes começou a tomar forma a partir do tilintar das moedas do café e das fervilhantes ideias de Ramos de Azevedo.

Naquela época, a cidade abrigava apenas 12 mil almas, a maioria habitantes das fazendas circunvizinhas. O centro era um modesto aglomerado, onde a Igreja Matriz, a primeira a ocupar a Praça XV de Novembro, ergia-se solitária, ao lado de cortiços e das primeiras lojas de ferragens, carnes e armarinhos que, timidamente, começavam a brotar na General Osório, Amador Bueno e Saldanha Marinho.

Entre o final do século XIX e o início do XX, Ribeirão Preto falava a língua da Itália! Sim, a próspera colônia italiana dominava. O principal líder político, um "coronel", era um imigrante alemão, o "rei do café", chamado Francisco Schmidt, que residia na Fazenda Monte Alegre.

Foi dele a audaciosa ideia de “passar o chapéu” entre os outros coronéis para erigir um teatro no centro da cidade. Quatrocentos lugares! O terreno escolhido ficava ao lado da praça da matriz.

Em 7 de dezembro de 1897, uma multidão de quinhentas almas da elite local se aglomerou para a estreia da ópera O Guarani. Assim se inaugurava o magnífico teatro, expressão máxima do estilo neoclássico.

O Carlos Gomes, com sua grandiosidade, exibia um esplendor que portanto valorizava o entorno. Os trabalhadores enfrentaram uma mudança, migrando em massa para a Vila Seixas ou Vila Tibério, enquanto os cortiços foram substituídos por palacetes da elitizada sociedade ribeirão-pretana. A Praça XV, antes simplesmente o "jardim do doutor Loyola", transformou-se em um vibrante espaço comercial, e a rua Barão do Amazonas logo se tornou a "rua das boutiques" — a nossa versão da icônica rua do Ouvidor.

Ninguém mais rezava! A Diocese decidiu realocar a Igreja Matriz, por que? Porque o Carlos Gomes e a nova tendência do entorno eclipsavam a fé. Em 1901, começou a construção da Catedral, erguida a 300 metros de distância, longe do burburinho, ostentando sua imponente arquitetura gótica tardia.

Ah, senhores! Eu escutava tudo isso ali, parado, na ainda viva Carlos Gomes, ouvindo os ecos de um tempo longínquo.

Recordei-me de François Cassoulet e seu moulin rouge. Foi o apogeu do Teatro. Danças, músicas, fumaça de cigarros, champanhe, damas francesas… Pasmem, senhores! Ribeirão Preto, até os anos 20, não era uma cidade sisuda! Não! Era um pequeno centro cosmopolita, pulsante e vibrante.

Entretanto, seu esplendor começou a murchar, assim como o prestígio de seu idealizador. A Primeira Guerra desencadeou uma mudança no clima, e o anti-estrangeirismo ganhou força; Schmidt tornou-se vítima das circunstâncias, e o sinal dos tempos carregou o Carlos Gomes em sua correnteza. O moulin rouge silenciou.

A crise do café das décadas de 20 e 30 deu origem a uma Ribeirão Preto que preferia a aparência à essência. No auge do desespero, ergueram-se as fundações do que hoje chamamos de "quarteirão paulista" (um nome sugestivo da época). Assim, o Theatro Pedro II, com capacidade para 1.500 espectadores, inaugurado em 1930 sob a liderança da Cervejaria Paulista (vejam, um nome que não engana!), de João Alves Meira Júnior, fez sua entrada triunfal.

O Carlos Gomes tornou-se, por um tempo, a sede do Partido Integralista de Plínio Salgado. Ribeirão Preto nutria uma estranha afeição por Salgado, ao ponto de otorgar-lhe o título de cidadão, mas essa história fica para outra ocasião.

Veio a era do automóvel, que acabou com a estação de trem. Antes de aniquilar o Teatro Carlos Gomes, sua modernidade, bradada pelos políticos, fez carne a uma das maiores demolições já vistas.

Quantos palacetes e casarões, relíquias de um passado glorioso, caíram por terra…

O Carlos Gomes foi demolido em 1944, e, anos depois, ali se instalou um terminal de ônibus.

Quem transita hoje pelo centro de Ribeirão e se lamenta ignora o que aquele espaço já foi. Não sabe quão bela era a Praça XV. Ignora a beleza de seus arredores, que ressoavam com as vozes de um tempo antigo.

Atualmente, resta uma Carlos Gomes vazia, desprovida de sentido, assim como se torna uma cidade que não cuida de sua própria história.

Mas aqui estou eu, para narrá-la.

Chego ao fim deste desabafo, pois recordei que preciso buscar meu paletó no alfaiate da General Osório e, em seguida, conferir algumas ofertas em um mercadinho excepcional na rua Jorge Lobato.

Meus respeitos e até breve.

Gusmão de Almeida

2 comentários:

Novo Aeroporto Regional Internacional e Metropolitano disse...

Caro Gusmão. Seja bem no seu retorno. Gostosa comunicação utilizada no trânsito dos idos passados .

Anônimo disse...

Gostei do relato, adoro história. Sempre ouvi falar sobre o Teatro Carlos Gomes, mas não cheguei a conhecê-lo, suas palavras promoveram essa viagem
No tempo, obrigado!

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