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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O Pobre e a 'Coisa Boa'! Marcelo Botosso




Conforto não é o mesmo que luxo. Por mais que se tente forçar essa associação, essas palavras não são sinônimas, podendo ter conceitos diametralmente opostos. O luxo excede à condição de conforto não trazendo necessariamente melhoria e bem-estar.

Acostumada com que os trabalhadores sejam privados de tudo, nossa elite tacanha com resquícios escravagistas e semi feudal, incutiu na cabeça da população que o pobre/trabalhador não pode gostar e não merece 'coisa boa' ( boa qualidade ).

Se um trabalhador que está com seu telemóvel na sala de espera de um hospital público pergunta se há disponibilidade de sinal da internet no local, ele poderá ser imediatamente alvo de ironia e chacotas, inclusive de seus iguais. Agem assim como se uma banal conexão sem fio fosse um privilégio apenas dos iluminados -por vezes bem clarinhos- herdeiros da 'Casa Grande'.


Desejar uma cadeira mais confortável, diante do tempo de espera, é também querer muito. Na lógica elitista, o trabalhador deveria, humildemente, se dar por satisfeito por ali ainda existir cadeira. Lembrando que na senzala havia apenas o chão.

Exemplo simbólico desse exclusivismo elitista é o termo 'esquerda caviar', cunhado por um dos próceres do conservadorismo brasileiro que, lá do estrangeiro, fica apontando os dedos para cá, dando palpites na vida nacional. O sujeito tenta determinar até a opção gastronômica de quem não compactua com a sua lente de enxergar o mundo. Independente do valor da iguaria, gostar ou não dela é uma escolha peculiar de cada um. Eu adoro jiló empanada, o que não significa que eu sempre consiga comê-lo. E daí? Por um acaso é só o seu jiló que eu como?

Com o imprescindível suporte dos meios de comunicação de massa, a elite promove uma lavagem cerebral de forma em que o pobre/trabalhador acredite realmente que ele não seja merecedor daquilo que é bom, diluindo no mesmo caldo conforto e luxúria, atribuindo o bom gosto ao poder de consumo.

Segundo esse raciocínio exclusivista, o pobre não pode ter um gosto musical apurado, ele não pode ter um paladar refinado e tampouco embarcar num avião rumo a um destino turístico nacional ou internacional, por mais que os valores estejam acessíveis ao seu bolso. O boteco da esquina, com o 'curingão' na tela global, faça chuva ou faça Sol, é o seu melhor destino.

E o mais curioso é que essa ideologia faz o pobre/trabalhador acreditar que ele tem mesmo o seu lugar estabelecido, como se houvesse uma predestinação infalível e imutável para isso. O conformismo e a inanição se tornam regra e zona de conforto. A letra de um funk confirma:

"Eu só quero ser feliz/andar tranquilamente na favela onde eu nasci/e poder me orgulhar/e ter a consciência que o pobre tem o seu lugar".

Na favela?

Marcelo Botosso é historiador e membro do proletariado.


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