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sábado, 9 de setembro de 2017

O neoliberalismo não convive com a democracia. O Brasil sofreu um golpe! Dany-Robert Dufour

Há algumas semanas, em companhia de uma conceituada economista 
(que prefere permanecer anônima), tive o privilégio de entrevistar o filósofo e escritor 
francês Dany-Robert Dufour, autor de vários clássicos que denunciam a decadência 
política e moral do neoliberalismo e do ultraliberalismo.


O áudio da entrevista permanece inédito, à espera de transcrição e tradução. 
Concordamos, porém, em fazer uma entrevista escrita que abordasse 
alguns temas “quentes” da conjuntura política brasileira, que Dany conhece 
bem por causa de ligações familiares com nosso país: ele é casado com uma 
brasileira e acompanha de perto, via blogosfera, os acontecimentos por aqui.
Dany entende bem o português, falado e escrito, mas suas entrevistas são 
respondidas em sua primeira língua, o francês. O texto abaixo foi traduzido 
por uma pessoa próxima a ele.
Abaixo, a entrevista com Dany-Robert Dufour, a quem agradecemos 
profundamente não apenas a cordialidade com a qual nos recebeu em sua casa, 
na zona sul do Rio de Janeiro, não apenas a tolerância e generosidade com 
que perdoou nossas limitações técnicas, mas sobretudo pelo compromisso com 
valores humanistas e democráticos que estão fazendo desesperada falta em nosso país.

Entrevista para o blog O Cafezinho, respondida em 06/09/2017:
1) Quais são as principais características do neoliberalismo?
Se é difícil apreender o neoliberalismo é porque ele coloca em jogo duas noções 
diferentes que, infelizmente, na maior parte das análises, são confundidas. 
Quero dizer com isso que é absolutamente necessário distinguir o ultraliberalismo 
do neoliberalismo. O primeiro é de natureza econômica e ele funciona baseado em 
um princípio simples: “ É preciso deixar agir (laisser-faire) os egoísmos privados.” 
Esse princípio visa a criar um espaço social niilista, impregnado de um novo e potente 
darwinismo social onde todos os valores são reduzidos ao valor mercantil. 
Os “mais aptos” podem a partir daí extrair “legitimamente” proveito e lucro de 
todas as situações ao passo que os “menos aptos” são pura e simplesmente abandonados.
Quanto ao neoliberalismo, ele é de ordem política. Para criar essa selva social ultraliberal 
submetida à lei do mais forte, é preciso destruir todas as formas de solidariedade, 
seja ela familiar, amical, sindical, comunitária, estatal, etc. O que implica uma política 
dura, podendo chegar até a criação de um Estado de exceção a fim de impor o laisser-faire 
econômico.
Nunca se deve esquecer que o laboratório do neoliberalismo foi o Chile de Pinochet a 
partir de 1973. Os Chicago boys formados por Milton Friedman estiveram no coração 
dessa ditadura política. Um paradoxo difícil de entender é que é preciso uma ditadura 
para impor o laisser-faire.
2) Por que o neoliberalismo conquistou a hegemonia ideológica no mundo de hoje?
O “deixar agir” (laisser-faire) os interesses privados destina-se a criar um vasto mercado 
ultraliberal que funciona como uma religião. Ele contém uma promessa, não de vida 
eterna, mas de satisfação de todos os desejos imediatos. De fato, o Mercado é essa 
instância que interpela cada um de nós dizendo: “Peça tudo que quiser e você o terá 
sob forma de objeto de consumo, de serviços comerciais, de fantasias sob 
medida tal como as oferecidas pela indústria cultural”. Dito de outra maneira: o 
ultraliberalismo tem êxito porque ele lisonjeia as tendências mais vis da alma humana.
2) Em sua opinião, qual o papel dos meios de comunicação de massa no 
exercício desta hegemonia ideológica do neoliberalismo?
Na antiga religião, o sino batia as horas e convocava os fiéis para a missa. O divino 
Mercado dispõe dos meios de comunicação de massa que fazem “plim-plim” para 
ocupar o espaço-tempo social e entregar regularmente a “boa palavra” sob três 
formas: publicidade incessante promovendo o egoísmo dos interesses privados, 
desqualificação sistemática de qualquer forma de interesse geral e espetáculo permanente 
para divertir e adormecer as massas.
4) Quais foram, na sua opinião, os principais obstáculos e dilemas enfrentados 
pelo socialismo, democrático ou não, no pós-guerra, e que o fizeram fracassar em 
tantos países ?
O modelo soviético gerou uma aversão. Ele deu ao comunismo uma caricatura grotesca e 
aterrorizante. Quanto ao anarquismo, ele nunca almejou o poder. A social-democracia
teve seus momentos de triunfo no “Primeiro Mundo” (os anos chamados Trinta gloriosos,
 de 1945 a 1975) e na América Latina (a primeira década dos anos 2000), mas ele 
deixou-se comprometer pela ideologia do Mercado.
5) O que houve no Brasil, na sua opinião, foi um golpe? Em que sentido? 
Como você o analisa?
Sim, é um golpe de Estado de um novo tipo, não militar como em 1964, mas 
jurídico-midiático. Ele decorre diretamente da análise errônea feita pela esquerda 
brasileira governante quanto às relações de poder. Precisa-se aqui recorrer em parte à 
filosofia política para compreender esse erro. A esquerda acreditou que, dispondo do 
poder executivo e de uma boa parte do poder legislativo, ela dispunha das principais 
alavancas de comando. Ora, sabe-se desde Montesquieu que existe um terceiro 
poder, o poder judiciário, e que, há mais de cinqüenta anos, existe um quarto poder, o 
poder midiático. São esses dois últimos poderes negligenciados pela esquerda brasileira 
que causaram sua ruína. Para que o poder da esquerda caísse, bastou que a 
imprensa dominante montasse um grande espetáculo dirigido às populações 
desinformadas pela ação 
dessa mesma imprensa, mostrando como juízes “corajosos” combatiam a corrupção – 
enquanto que a definição que davam à corrupção era ultra seletiva para que ela não 
pudesse de modo algum tocar nos amigos deles.
6) O que a luta de classes na Europa, com seus fracassos e vitórias, tem a 
ensinar à América Latina?
O ensinamento é que é preciso reconstruir tudo na esquerda. Resumindo, é 
preciso corrigir o comunismo pelo liberalismo, não o econômico, mas o liberalismo 
político (que garante o pluralismo de pontos de vista) e pelo anarquismo 
(que se preocupa não somente com o coletivo, mas também com a realização 
de todas as potencialidades do indivíduo). E será preciso corrigir o liberalismo político 
pelo socialismo que exige uma sociedade comum entre os indivíduos, o que não 
acontece hoje posto que, as oito pessoas mais ricas do mundo possuem tanto quanto a 
metade mais pobre o mundo, ou seja, três bilhões e meio de pessoas (segundo dados da 
ONG Oxfam).
Em suma, é preciso criar uma nova teoria e novas práticas que produzam uma mistura 
do comunismo, do anarquismo, do socialismo e do liberalismo político – ou seja, das 
quatro grandes ideologias progressistas modernas. Mas isso não é tudo. Porque é 
necessário ainda que as novas práticas de produção e de consumo sejam 
compatíveis com a manutenção e até mesmo com a restauração dos ecossistemas 
indispensáveis à sobrevivência da humanidade. De fato, eles estão atualmente 
muito degradados conforme indicam as graves mudanças climáticas, as propagações 
súbitas de vírus e de epidemias, a diminuição drástica da diversidade das espécies, 
as poluições múltiplas e irreversíveis, entre as quais as da água e do ar que respiramos.
7) Que contradições do capitalismo contemporâneo podem nos dar alguma 
esperança de redenção social?
O capitalismo está condenado a se despedaçar no choque com o real: para atingir a 
riqueza infinita, ele destrói os indivíduos, as solidariedades sociais e o meio ambiente. 
Em suma, ele consome tudo e a gente junto. Estamos nos afogando, mas esperemos que 
ao chegar ao fundo, saberemos dar a braçada do salva-vidas para construir outro 
destino. O que é perfeitamente possível, como acabo de indicar acima.
***
Dany-Robert Dufour é filósofo francês e tem dezoito livros publicados em editoras 
importantes como Gallimard, Denöel, etc. Elaborou uma antropologia crítica do 
ultraliberalismo em vários volumes, alguns deles publicados no Brasil: A arte de reduzir as 
cabeças nas sociedades liberais (2005, Ed. Companhia de Freud, RJ), O Divino 
Mercado (2009, Ed. Companhia de Freud, RJ), A Cidade Perversa (2013, Ed. Civilização 
Brasileira, RJ), A existência de Deus comprovada por um filósofo ateu (2016, Ed. 
Civilização Brasileira, RJ).

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