Este foi o slogan estampado em
cartazes levantados por parte da comunidade religiosa de Catanduva no último
dia 12/12 na Câmara Municipal onde foi votado em caráter de urgência o Projeto
de Lei 86/2017 de autoria do Exmo. Prefeito Municipal.
Com a prerrogativa de dispor,
entre outras coisas, sobre “o respeito dos serviços públicos municipais à
dignidade especial de crianças e adolescente” o referido projeto foi aprovado
sem a garantia de uma ampla discussão. Embora grande parte da população
estivesse lá representada por instituições, órgãos públicos e movimentos
sociais, dispostos a debater os efeitos da sua aprovação, mais uma vez vimos o
que é comum de se ver no que deveria ser a “casa do povo”: vereadores despreocupados com os impactos de
suas decisões a despeito do que possa ocorrer com nossas crianças e
adolescentes, desde que isso lhes renda alguns votos nas próximas eleições.
Pois
bem, como na “casa do povo” o povo não tem voz, decidi escrever o presente
texto onde falo como profissional que, há 13 anos, trabalha no sistema de
garantia de direitos da criança e do adolescente.
A
princípio poderíamos levantar inúmeros questionamentos sobre o embasamento
legal que fundamenta os motivos da proposição do PL 86/2017, uma vez que ele
faz recortes bastante oportunistas das legislações federais ocultando, por
exemplo, o estabelecido no ECA sobre o dever compartilhado da família, da
comunidade, da sociedade e do Estado na efetivação da garantia de direitos das
crianças e adolescentes.
Tal oportunismo justifica-se quando se pretende enfraquecer os demais
atores sociais imbuídos na tarefa de cuidado e proteção integral daqueles que,
estatisticamente, são vítimas de violência sexual por parte da instituição que
naturalmente deveria protegê-los.
Sim. É da instituição Família que estou falando: o esmagador índice de
violência sexual contra crianças e adolescentes, notificados nos Conselhos
Tutelares espalhados por todo o país, ocorre no seio da família. Essa mesma instituição
que reivindica o poder de deliberação sobre os conteúdos e forma de orientação
sexual que deverão ser ofertados pelo Poder Público é a que mais violenta seus
filhos.
Por
outro lado, instituições como a Escola são importantes espaços de relação entre
estudantes e educadores que, por vezes, em razão da formação de vínculos
afetivos, sevem como ambiente propício para a revelação de situações de
violências intrafamiliares por eles sofridas. Isso mesmo: são os educadores que
têm cumprido o difícil e importante papel de notificar situações de risco frente
à identificação de violências, inclusive as sexuais. É a escola a instituição que tem exercido a
tarefa responsável de provocar o sistema de garantia de direitos através dos seus
órgãos de proteção.
Por
esses motivos, é de se causar estranheza que a escola seja tratada pela
comunidade religiosa, pelos vereadores e, principalmente, pelo próprio prefeito
municipal como um espaço onde se dissemina qualquer tipo de atividade
libidinosa que justifique o slogan “Escola Sem Pornografia”.
Ainda mais estranho é que, caso os defensores do PL 86/2017 tenham o
conhecimento de que atividades de cunho libidinoso estejam sendo praticadas
dentro das escolas municipais, conforme o autor do projeto relata na exposição
de seus motivos, não se tenha feito qualquer tipo de representação aos órgãos
de proteção para que os mesmos apurem e coíbam tais práticas, conforme já
descrito como obrigação nas leis vigentes como o ECA; LDB e CF 1988. Estaria a
comunidade religiosa, os vereadores e até mesmo o prefeito municipal sendo
negligentes em relação à proteção integral de nossas crianças e adolescentes? E
o sistema de garantia de direitos composto por tantos órgãos importantes como
Poder Judiciário, Ministério Público, Conselho Tutelar, entre outros, estariam
eles todos sendo coniventes com tal negligência?
Enfim.
Diante de tamanha estupidez moral ainda prefiro crer que se trata apenas de
ignorância religiosa, inclusive de nossas autoridades que, definitivamente,
parece estarem mesmo muito distante da realidade de nossas escolas e da
necessidade de nossas crianças.
Kleber Chaves Pereira
Psicólogo com especialização em Violência Doméstica
Contra Crianças e Adolescentes pela USP -SP
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