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terça-feira, 19 de dezembro de 2017

“Escola Sem Pornografia” - estupidez moral ou oportunismo político? Por Kleber Chaves



Este foi o slogan estampado em cartazes levantados por parte da comunidade religiosa de Catanduva no último dia 12/12 na Câmara Municipal onde foi votado em caráter de urgência o Projeto de Lei 86/2017 de autoria do Exmo. Prefeito Municipal. 


Com a prerrogativa de dispor, entre outras coisas, sobre “o respeito dos serviços públicos municipais à dignidade especial de crianças e adolescente” o referido projeto foi aprovado sem a garantia de uma ampla discussão. Embora grande parte da população estivesse lá representada por instituições, órgãos públicos e movimentos sociais, dispostos a debater os efeitos da sua aprovação, mais uma vez vimos o que é comum de se ver no que deveria ser a “casa do povo”:  vereadores despreocupados com os impactos de suas decisões a despeito do que possa ocorrer com nossas crianças e adolescentes, desde que isso lhes renda alguns votos nas próximas eleições.

             Pois bem, como na “casa do povo” o povo não tem voz, decidi escrever o presente texto onde falo como profissional que, há 13 anos, trabalha no sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente.   

           A princípio poderíamos levantar inúmeros questionamentos sobre o embasamento legal que fundamenta os motivos da proposição do PL 86/2017, uma vez que ele faz recortes bastante oportunistas das legislações federais ocultando, por exemplo, o estabelecido no ECA sobre o dever compartilhado da família, da comunidade, da sociedade e do Estado na efetivação da garantia de direitos das crianças e adolescentes.

           Tal oportunismo justifica-se quando se pretende enfraquecer os demais atores sociais imbuídos na tarefa de cuidado e proteção integral daqueles que, estatisticamente, são vítimas de violência sexual por parte da instituição que naturalmente deveria protegê-los.

           Sim. É da instituição Família que estou falando: o esmagador índice de violência sexual contra crianças e adolescentes, notificados nos Conselhos Tutelares espalhados por todo o país, ocorre no seio da família. Essa mesma instituição que reivindica o poder de deliberação sobre os conteúdos e forma de orientação sexual que deverão ser ofertados pelo Poder Público é a que mais violenta seus filhos.

           Por outro lado, instituições como a Escola são importantes espaços de relação entre estudantes e educadores que, por vezes, em razão da formação de vínculos afetivos, sevem como ambiente propício para a revelação de situações de violências intrafamiliares por eles sofridas. Isso mesmo: são os educadores que têm cumprido o difícil e importante papel de notificar situações de risco frente à identificação de violências, inclusive as sexuais.  É a escola a instituição que tem exercido a tarefa responsável de provocar o sistema de garantia de direitos através dos seus órgãos de proteção.

        Por esses motivos, é de se causar estranheza que a escola seja tratada pela comunidade religiosa, pelos vereadores e, principalmente, pelo próprio prefeito municipal como um espaço onde se dissemina qualquer tipo de atividade libidinosa que justifique o slogan “Escola Sem Pornografia”.

      Ainda mais estranho é que, caso os defensores do PL 86/2017 tenham o conhecimento de que atividades de cunho libidinoso estejam sendo praticadas dentro das escolas municipais, conforme o autor do projeto relata na exposição de seus motivos, não se tenha feito qualquer tipo de representação aos órgãos de proteção para que os mesmos apurem e coíbam tais práticas, conforme já descrito como obrigação nas leis vigentes como o ECA; LDB e CF 1988. Estaria a comunidade religiosa, os vereadores e até mesmo o prefeito municipal sendo negligentes em relação à proteção integral de nossas crianças e adolescentes? E o sistema de garantia de direitos composto por tantos órgãos importantes como Poder Judiciário, Ministério Público, Conselho Tutelar, entre outros, estariam eles todos sendo coniventes com tal negligência?

         Enfim. Diante de tamanha estupidez moral ainda prefiro crer que se trata apenas de ignorância religiosa, inclusive de nossas autoridades que, definitivamente, parece estarem mesmo muito distante da realidade de nossas escolas e da necessidade de nossas crianças.

Kleber Chaves Pereira

Psicólogo com especialização em Violência Doméstica Contra Crianças e Adolescentes pela USP -SP

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