Dando sequência nos artigos discutindo as diretrizes para o programa de governo apresentado pela chapa Lula/Alckimin com a intenção de balizar um governo de reconstrução nacional, observaremos os aspectos mais importantes das diretrizes de 12 a 46, que abordam as questões relativas aos desenvolvimento social e garantia de direitos.
O artigo 12 inicia trazendo um compromisso fundamental para qualquer governo que queira minimamente reconstruir o ambiente social brasileiro após o desastre pós-golpe, incluindo os governos de Temer e de Bolsonaro: colocar o povo no orçamento para garantir a consolidação dos direitos sociais presentes na Constituição de 1988.
OPINIÃO: Para que isso seja cumprido é preciso ter em mente, mais uma vez, que serão necessários enfrentamentos com o modelo neoliberal vigente no Brasil. Será preciso superar a política de teto de gastos e colocar o rico no imposto de renda a partir de uma reforma tributária que desonere a produção e os salários e onere a renda e os lucros e dividendos empresariais. Desonerar os impostos indiretos, que incidem sobre a classe trabalhadora, e aumentar os impostos diretos, que incidem na renda e nos ganhos financeiros. Esse é o sistema que predomina em países que tiveram sucesso na implementação de um Estado de Bem-Estar Social minimamente digno para sua população. O novo governo de reconstrução nacional terá de ter vontade política, programas claros e apoio na sociedade e no parlamento.
Os artigos de 13 a 17 tratam do mundo do trabalho, emprego, previdência e seguridade social. O conjunto de artigos se compromete em construir uma nova legislação trabalhista, restabelecer o acesso gratuito à justiça do trabalho, valorizar a luta sindical e os acordos coletivos e além de apontar a necessidade de um processo de recuperação do emprego e da renda através da reindustrialização do país e investimento em programas de economia solidária e cooperativas populares. Além disso, no artigo 16 aparece o restabelecimento de uma política de valorização do salário mínimo como principal instrumento de distribuição de renda já testado com sucesso nos governos do PT. No final desse bloco, no artigo 17, aparece o compromisso de reestruturar a seguridade social e o regime de previdência pública.
OPINIÃO: Nesse conjunto de artigos estão alguns compromissos que batem de frente totalmente com a agenda neoliberal imposta a partir de 2016. A reforma trabalhista feita por Temer acabou com a CLT e a reforma da previdência feita por Bolsonaro/Guedes acabou com a perspectiva futura da previdência pública, abrindo caminho para os regimes privados controlados por bancos, como foi feito no Chile de Pinochet. Não é por acaso que, em busca de apoio ao centro e no sistema financeiro para tentar vencer ainda no primeiro turno, Geraldo Alckmin tenha tido uma agenda com Michel Temer para conversar sobre o projeto de nova legislação trabalhista, enquanto que Lula e seus emissários buscam ampliar o diálogo com o sistema financeiro tendo como pauta central a questão da previdência. Olhando para o perfil proposto pela chapa Lula/Alckmin, de caráter social-liberal, de frente ampla, o que se espera é que alguns aspectos de uma recomposição de direitos trabalhistas e de mecanismos de financiamento e sustentabilidade financeira do regime de previdência pública (incluindo a seguridade social e o BPC) sejam feitos em nível de Congresso, através de negociação, sem grandes rupturas desenhadas no cenário de médio prazo. Novamente, será de fundamental importância que o movimento sindical e social (e mesmo os partidos, incluindo prioritariamente o PT) possam conduzir esse debate a partir do fortalecimento dessa pauta na sociedade, pois esse primeiro ciclo de 4 anos de um provável governo Lula/Alckmin será de intensa disputa interna a despeito do pacto geral de reconstruir o ambiente democrático e derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo.
Os artigos 18, 19 e 20 tratam do combate à fome e dos programas sociais. O principal compromisso é garantir que todo o brasileiro tenha condições de fazer no mínimo três refeições por dia. Também surgem nesse bloco compromissos com a repactuação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e a renovação do Bolsa Família com a transição progressiva para um programa de renda mínima.
OPINIÃO: a tragédia social vivida pelo povo brasileiro é enorme. Desemprego, pobreza e fome são coisas que voltaram ao dia dia do país. Construir e consolidar uma política nacional de segurança alimentar, incluindo um sistema de valorização e enraizamento da agricultura familiar, hortas comunitárias e compras governamentais para a merenda escolar e banco de alimentos é fundamental para um país do tamanho do Brasil e com as assimetrias regionais que apresenta. Da mesma forma que é fundamental reconstituir o SUAS, fortalecer e ampliar os CRAS e CREAS, implementar de fato a Política Nacional para Pessoas em Situação de Rua e fazer a reconstituição dos parâmetros sociais ligados à educação e à saúde familiar do Bolsa Família ao mesmo tempo em que se constrói também a transição para um programa de renda básica cidadã.
Os artigos 21 ao 24 tratam de maneira genérica sobre compromissos com a educação e o SUS como duas áreas importantes no processo de construção de um cenário de proteção social no Brasil. O documento se compromete a buscar rearticular as metas do Plano Nacional de Educação com articulação com um programa nacional de desenvolvimento e o fortalecimento do SUS com a criação e consolidação de um complexo econômico e industrial da saúde.
Da mesma forma, os artigos de 25 a 28 tratam do fortalecimento e fomento à Cultura (com descentralização e democratização de recursos) e acesso universal ao esporte. Ambos instrumentos importantes para a criação de um sistema de proteção social no Brasil.
Os artigos 29 e 30 são muito importantes uma vez que tratam de compromissos com a retomada do conceito do direito à cidade (reforma urbana), com investimentos em mobilidade, habitação, saneamento e equipamentos sociais.
OPINIÃO: o ponto mais importante em destaque nos compromissos assumidos nos artigos 29 e 30 é o de restabelecer um programa nacional de acesso à moradia. O déficit de moradias populares é um dos maiores problemas sociais de cidades de médio e grande porte no Brasil.
Os artigos de 31 a 35 tratam sobre conceitos de segurança pública e combate às drogas. O documento se compromete em estabelecer uma política de segurança pública cidadã e preventiva, com investimento em inteligência e tecnologia, além da valorização do profissional de segurança pública (os policiais). Também há o compromisso de se construir um Sistema Nacional Unificado de Segurança Pública, articulando todo o conjunto de segurança dos estados na desarticulação do crime organizado e das milícias. Um ponto muito importante é o compromisso estabelecido no artigo 33, de estabelecer uma mudança no conceito de combate às drogas, substituindo o modelo belicista, que afeta as comunidades mais pobres e periféricas do país, por um modelo inteligente que atue na desarticulação das grandes quadrilhas e esquemas milionários.
OPINIÃO: o tema da segurança pública é um tabu na esquerda e precisa ser assimilado na agenda de um governo de reconstrução pós-bolsonarismo. Estabelecer um modelo de segurança pública eficiente, que combata o crime sem impactar na vida do trabalhador, principalmente nas regiões periféricas dos médios e grandes municípios. Um modelo que proteja a vida e os direitos humanos de maneira prioritária.
Finalmente, os artigos de 36 a 46 estabelecem uma série de compromissos que abordam um amplo guarda-chuva de defesa, valorização e elevação dos direitos humanos. Proteção integral da dignidade humana das mulheres, em especial das mulheres negras (artigos 36 e 37). Política Nacional de Igualdade Racial que reverta o verdadeiro genocídio a que está submetida a juventude negra no país, manutenção das políticas de cotas no ensino superior e nos concursos públicos e valorização e proteção das comunidades indígenas e quilombolas (artigos 38, 39, 40). Proteção, valorização e saúde integral da população LGBTQIA+, com acesso à educação, trabalho e renda (artigo 41). Protagonismo da juventude como um todo, com pleno acesso à educação, à formação profissional, à cultura, ao lazer e ao esporte (artigo 42). Proteção e valorização integral da população PCD (artigo 43). Proteção integral da primeira infância (artigo 44). Proteção integral e valorização dos idosos (artigo 45) e proteção integral ao direito dos animais (artigo 46).
Ricardo Jimenez - editor de O Calçadão
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