Cortar gastos com servidores pode afetar gravemente a população que depende de serviços gratuitos e universais
Matéria publicada pelo jornalista Fernando Canzian, na Folha de São Paulo, na terça-feira (12), afirma que o Brasil possui 65% dos servidores públicos com estabilidade comparando com a Suécia, onde o percentual é de apenas 1%.
A comparação foi exercida para argumentar sobre a necessidade de se "enxugar" o número de servidores estáveis, apresentando-a como uma alternativa no corte de gastos, pintando-a como distorção perante outros países pela mídia hegemônica .
Entretanto, para especialistas, embora a diferença pareça uma distorção, especialistas ressaltam que o contexto político brasileiro exige a proteção oferecida por essa estabilidade.
"A estabilidade assegura que o
servidor possa desempenhar suas funções sem temer retaliações políticas,
garantindo a continuidade e a imparcialidade dos serviços públicos",
afirma Maria Silva, professora de Administração Pública da Universidade de
Brasília.
Segundo ela, sem essa
proteção, há um risco real de desmantelamento de políticas públicas em função
de interesses políticos momentâneos.
Economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), João Pereira afirma que, apesar de ser um dos países que mais gastam com servidores públicos em relação ao PIB (8,9%), o Brasil utiliza esses recursos para serviços essenciais, como educação, saúde e segurança pública. Esses investimentos têm impacto direto na redução das desigualdades sociais.
"Os investimentos no funcionalismo público refletem diretamente na qualidade de vida da população, especialmente nas camadas mais vulneráveis".
Outro ponto levantado
por especialistas é que, apesar de gastar apenas 1% com servidores públicos com
estabilidade, de acordo com o Fundo Monetário Internacional, a Suécia gasta
10,4% do seu PIB com funcionários públicos contra apenas 8,9% do Brasil.
"É possível aprimorar a eficiência do serviço público por meio de avaliações transparentes e criteriosas, sem comprometer a estabilidade que protege o servidor", argumenta Ana Costa, especialista em gestão pública.
Especialista em finanças públicas e consultor do Senado, Marcos Mendes reforça a fala de Ana Costa
"A estabilidade do servidor público não é apenas uma garantia para o trabalhador, mas uma proteção para o interesse público. Ela impede que mudanças políticas interfiram na continuidade das políticas públicas e assegura que serviços essenciais, como saúde e educação, possam ser mantidos mesmo diante de crises políticas ou econômicas."
A rigidez administrativa proporcionada pela estabilidade é frequentemente apontada pelo mercado como um mantra de crítica por limitar ajustes orçamentários e remanejamentos de pessoal. Entretanto, ela não é a única causa. Analistas destacam que os problemas orçamentários do Brasil têm raízes mais profundas, relacionadas à ineficiência tributária e à má gestão dos recursos públicos. É o que afirmam os pesquisadores Felipe Araújo de Oliveira, Sinézio Fernandes Maia e Wellington Charles Lacerda Nobrega em publicação da Revista de Administração Pública, de 2022
"A rigidez orçamentária e a má gestão dos recursos públicos são responsáveis por limitar a capacidade do Estado em atender às demandas sociais. Apesar da elevada carga tributária, o Brasil enfrenta dificuldades na alocação eficiente dos recursos, agravadas por um sistema tributário regressivo que penaliza desproporcionalmente as camadas mais pobres da população."
Outro ponto de crítica apontado na reportagem foi o de que o funcionalismo público brasileiro ainda enfrenta desafios relacionados à modernização, com a presença de cargos considerados ultrapassados, como datilógrafos e vaqueiros. No entanto, esforços recentes têm focado na digitalização e na requalificação de servidores para atender às demandas contemporâneas.
"Programas de capacitação e a digitalização de processos são fundamentais
para atualizar o serviço público e otimizar a utilização dos recursos
humanos", observa Luciana Rocha, diretora da Escola Nacional de
Administração Pública (Enap).
As disparidades
salariais no setor público brasileiro também são frequentemente apontadas como um
problema. Enquanto carreiras do Judiciário e Legislativo possuem rendimentos
significativamente mais altos, servidores municipais e estaduais recebem
salários médios menores.
Ainda assim, quando ajustados pela Paridade de Poder de Compra (PPC), os salários brasileiros estão abaixo dos praticados em países desenvolvidos. É o que afirma Ricardo Almeida, pesquisador do Banco Mundial.
"É necessário contextualizar os salários no cenário internacional e
considerar o custo de vida local ao avaliar a remuneração dos servidores".
Bibliografia
https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/49864
https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/11546
https://www.scielo.br/j/ee/a/K43gkv583tSLb9sS5CGG9LH/
https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/servicos/empregador/rais
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