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sexta-feira, 6 de junho de 2025

Reunião pública em Ribeirão Preto denuncia Retrocessos e aponta caminhos para a crise climática

Reunião pública apontou problemas e caminhos
Fotos: Filipe Augusto Peres 

No Dia Mundial do Meio Ambiente, reunião na Câmara Municipal reúne especialistas, parlamentares, movimentos sociais e comunidades tradicionais para denunciar os impactos da crise climática, criticar a omissão do Estado e propor alternativas concretas com base na justiça socioambiental e no protagonismo popular.

Nesta quinta-feira (5), Dia Mundial do Meio Ambiente, a Câmara Municipal de Ribeirão Preto sediou uma Reunião Pública sobre Mudanças Climáticas e Políticas Públicas, organizada pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, por iniciativa do deputado federal Nilto Tatto, em parceria com o mandato da vereadora Perla Müller. O encontro reuniu especialistas, lideranças populares, movimentos sociais e representantes acadêmicos para discutir os impactos das mudanças climáticas nos centros urbanos e territórios rurais, propondo alternativas sustentáveis e ações urgentes de enfrentamento à crise ambiental.
 
Dividiram a mesa com Perla Müller e Nilto Tatto nomes de destaque na luta socioambiental e na produção de conhecimento sobre a crise climática. Entre eles, o professor Eurico de Arruda Neto, virologista da USP, abordou os riscos do aquecimento global na proliferação de vírus com potencial pandêmico; Eduardo Saad Diniz, livre-docente em Criminologia, refletiu sobre o papel do setor privado no controle das queimadas e do desmatamento; Simone Kandratavicius, coordenadora de educação ambiental, destacou os efeitos das mudanças climáticas nas periferias urbanas; e Nivalda Alves de Jesus, dirigente do MST, denunciou os impactos da emergência climática nos territórios rurais, enfatizando as resistências construídas por mulheres assentadas.


Em sua fala o deputado federal Nilto Tatto (PT/SP) destacou a urgência do tema ao apontar que o planeta já ultrapassou o limite de aquecimento definido no Acordo de Paris.

“Já ultrapassamos o limite de 1,5 °C de aumento na temperatura média da Terra em relação ao período pré-industrial [...] e com esse nível de aquecimento temos presenciado eventos climáticos extremos”.

O deputado utilizou como prova empírica recentes tragédias ambientais no Brasil — como as enchentes no Rio Grande do Sul e a seca prolongada na Amazônia — para exemplificar a intensificação desses eventos, alertando que

“isso vai acontecer e já está acontecendo com mais frequência e com mais intensidade no mundo todo”.

E destacou os impactos sociais e econômicos da crise, especialmente sobre os mais pobres.

“As populações mais vulneráveis são as mais afetadas: perdem seus bens, suas moradias e, muitas vezes, suas vidas.”

Em seguida, Tatto reconheceu os avanços importantes, como o pacto pela transição ecológica entre os três poderes e a retomada do combate ao desmatamento, mas advertiu para os limites e contradições desse processo.

“Houve avanços importantes com o pacto pela transição ecológica [...] mas seguimos com dificuldades para alcançar outras metas assumidas.”
O deputado mencionou uma meta não cumprida.

“Nos comprometemos lá atrás a restaurar 12 milhões de hectares de áreas degradadas [...] e a gente não conseguiu avançar nisso”.

Sem idealizar o governo federal, o deputado apontou a necessidade de “reestruturar e reorganizar todo o Sistema Nacional de Meio Ambiente”, que foi “destruído no governo anterior”.

Nilto também denunciou o Projetode Lei nº 2.159/2021, que altera a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, classificando-o como um dos maiores riscos atuais à política ambiental brasileira.

 “Depois de um ano de discussão [...] o relator na época [...] fez um outro relatório e aí passaram um trator: aprovaram na Câmara um relatório muito ruim que representa retrocessos ambientais”.

E destacou que o projeto aprovado contém “muitos artigos inconstitucionais” e, ao mesmo tempo, faz parte de uma ofensiva política mais ampla contra o STF.

“Parte da lógica [...] é também criar mais uma pinimba com o STF dentro dessa lógica de atacar também o STF”.

Por fim, advertiu que

“boa parte da agenda que o Brasil precisa fazer para enfrentar a crise climática pode cair por terra se a gente tiver retrocesso como nesta lei”.


Uma das proponentes da reunião, a vereadora Perla Müller (PT/SP), em sua fala lembrou que a crise climática não atinge todos da mesma forma. Perla lembrou que

“a emergência climática traz um lado ainda mais perverso, que é a injustiça climática e ambiental”,

E reforçou que, embora a crise seja global, seus efeitos recaem desproporcionalmente sobre os mais pobres e vulneráveis.

“Obviamente tem quem sofre mais profundamente. [...] As periferias, as pessoas morrem de calor ou de frio. Se falta água, é nas periferias. E as mulheres são as mais impactadas.”

Diagnosticando a situação de Ribeirão Preto, Muller abordou desde arborização e áreas verdes até transporte coletivo, drenagem urbana, saneamento, resíduos sólidos e planejamento urbano e denunciou a falta de políticas públicas efetivas.

“Ribeirão Preto tem apenas 8% do seu território urbano que corresponde a áreas verdes públicas. Cidades da Europa garantem 40%.”

No transporte coletivo, a petista lembrou a contradição entre a transferência do dinheiro público ao privado e a ineficiência do sistema.

“Mais de R$ 110 milhões em subsídios tarifários em 2024, mas o transporte segue caro e ineficiente. [...] Uma cidade de 700 mil habitantes tem mais de 560 mil veículos. Isso é uma loucura em um momento de emergência climática

Em outro momento, a vereadora denunciou a fragilidade da infraestrutura urbana diante de chuvas intensas.

“As pessoas estavam atravessando as faixas de pedestre com água até os joelhos. Estamos falando da incapacidade da cidade de drenar água da chuva.”

Os grandes consumidores de recursos hídricos também apareceram em sua fala, criticando o modelo atual de desenvolvimento e as suas contradições ambientais.

“São grandes setores produtivos, como a indústria e a agropecuária, quem mais consomem água — e não pagam por ela, ou pagam quase nada.”


Professor e virologista da USP, o Dr. Eurico arruda Neto convocou a coletividade presente à responsabilidade coletiva, e afirmou que muitas coisas já tinham sido ditas na reunião, mas que ainda era preciso sobre os vírus e suas relações com a crise climática.

“Já foi dito muita coisa aqui. A gente precisa falar disso. E a gente precisa falar também de vírus. É sobre isso que vim falar um pouco hoje — como virologista — e sobre como essa temática está fortemente impactada pela crise climática.”
 
Arruda criticou a forma como muitas vezes o tema das mudanças climáticas é tratado de forma frívola, como se não tivesse consequências reais.
 
“Quero transformar esse momento num momento verdadeiro. Quero olhar nos olhos de vocês e afirmar: não é mais possível trivializar o tema da crise climática. Não pode mais ser um assunto do tipo ‘vamos tomar uma cerveja, conversar e depois seguir a vida como se nada estivesse acontecendo’, porque ninguém mais tem dúvidas de que a humanidade caminha para a execução final da destruição da biosfera.”
 
Em seguida, alertou para a gravidade da situação, mencionando que todos os biomas estão ameaçados e que o ponto de não retorno já foi ultrapassado.
 
“Todos os biomas estão ameaçados. E, como disse corretamente o deputado, já ultrapassamos o ponto de não retorno, o tal do 1,5 °C de aquecimento.”
 
Antes de entrar diretamente no tema dos vírus, o virologista fez uma crítica existencial ao papel do ser humano na degradação do planeta, referindo-se à espécie como uma tragédia para a Terra.
 
“A emergência do Homo sapiens — ou, como prefiro chamar, Homo ignorance — no planeta Terra foi a maior tragédia que este planeta já enfrentou. Comparável às glaciações, aos impactos de meteoros e a outras grandes catástrofes. Nada foi pior para o planeta do que esse parasita chamado Homo sapiens ignorance.”
 
E relacionou essa visão a cosmogonias que compreendem a Terra como um ser vivo, dizendo que a natureza busca se livrar de nós, os parasitas. Mas destacou que sua fala não é niilista.
 
“Existem cosmogonias diversas que dizem que o planeta Terra precisará se livrar desse parasita que somos nós. Isso é claro quando adotamos uma visão antropomórfica da Terra — como se ela fosse um ser vivo.”
 
Em seguida, o virologista criticou o modelo de produção do agronegócio. Arruda reiterou que este modelo de produção capitalista não deve ser confundido com agricultura e que seus impactos são profundamente injustos do ponto de vista climático e social.
 
“Já foi dito aqui, e eu repito: o agronegócio não é agricultura. Agronegócio é business, é negócio. É agrobusiness. Gera ações e dividendos para a Faria Lima. E gera também grande injustiça climática, porque a agonia dos seres vivos e as catástrofes que estamos enfrentando têm consequências desiguais: os ricos se protegem, os pobres sofrem.”
 
Ainda que contundente em suas críticas, o virologista deixou claro que não deseja a extinção da humanidade, mas sim a superação de sua hipocrisia.
 
“Mas eu não quero ficar só no fatalismo. Não é sobre dizer que o Homo sapiens precisa ser extinto. Eu sou um deles e também não quero morrer. A questão é que precisamos parar com a hipocrisia de falar em ‘salvar o planeta’. O planeta não precisa de nós. Ele existia bilhões de anos antes da nossa chegada. Nós é que precisamos do planeta. Precisamos nos salvar.”
 
Depois, Eurico introduziu o tema central de sua fala: os vírus, e lembrou que estes são ancestrais à maioria das formas de vida complexa e que não têm como objetivo causar doenças — apenas sobreviver.
 
Os vírus existem há muito mais tempo que qualquer ser complexo. Antes de qualquer ser vivo com mais de uma célula, os vírus já estavam aqui. Alguns dizem até que o primeiro ser autorreplicante na Terra foi um vírus de RNA.”
 
Ele explicou que os vírus coevoluem com diferentes organismos há milhões de anos, e que o surgimento de novas doenças virais está diretamente ligado às ações humanas.
 
“Eles se adaptam. Há vírus de fungos, amebas, plantas, animais, de tudo que é vivo. E essa relação é antiga: coevoluem há milhões de anos. Quando dizemos que ‘um vírus emergiu’, isso não significa uma praga mandada por Deus. Significa que nós é que fomos buscá-lo, que criamos as condições para que ele se tornasse um problema.”
 
Apresentou, então, três exemplos para ilustrar a conexão entre a destruição ambiental e o surgimento de pandemias.
 
Exemplo 1: o viroma do mar
 
“O mar está cheio de bactérias e algas, que por sua vez estão cheias de vírus. Esses vírus matam seus hospedeiros e ajudam a formar a crosta do fundo do oceano, participam da formação de núcleos de nuvens de chuva, do ciclo do carbono.”
“Sim, os vírus participam do equilíbrio climático do planeta. Eles são fundamentais nesse ciclo — como as florestas e talvez até mais que elas.”
 
Exemplo 2: morcegos
 
Ele destacou os morcegos como hospedeiros naturais de muitos vírus, graças a um sistema imunológico especial e apontou que a destruição de seu habitat é o que causa a aproximação com os humanos e os riscos de contágio.
 
“Os morcegos são mamíferos com sangue quente e têm um sistema imunológico especial: eles não inflamam. Isso permite que abriguem vírus sem adoecer.” [...]“Mas o problema é que nós destruímos o habitat deles. Então, eles migram para perto de nós. E aí temos o risco do ‘salto’ dos vírus.”
 
E alertou
 
[...] “Ebola, Coronavírus, [...] já temos o SARS-CoV-2 (Covid-19), e vírus semelhantes já identificados: SARS-CoV-3, SARS-CoV-4. Eles estão por aí, em morcegos, e mais cedo ou mais tarde farão o salto para humanos.”
 
Exemplo 3: a gripe
 
Eurico Arruda também alertou para o risco crescente do vírus H5N1, cuja mutação pode resultar em uma nova pandemia.
 
“O maior risco de pandemia hoje é o vírus da gripe. Esses vírus vêm de aves aquáticas — como os patos, que têm o vírus no intestino e o excretam na água. Outros animais, como porcos, entram em contato com isso. E o ser humano, em contato com o porco, entra nesse ciclo. É assim que surgem os saltos interespécies.”
[...]
“O H5N1, por exemplo, já está infectando mamíferos. Já infectou leões marinhos e outros. Está muito perto de saltar para humanos. E quando isso acontecer, o impacto pode ser desastroso.”
 
O virologista mencionou, ainda, os riscos trazidos pelo degelo das calotas polares, que liberam vírus antigos, desconhecidos.
 
“Com o degelo das calotas polares, já foram identificados mais de 30 vírus desconhecidos, que estavam ali há milênios. Esses vírus podem encontrar novos hospedeiros e causar novas doenças.”
 
Por fim, o virologista apontou caminhos possíveis, com foco em ciência e financiamento para vigilância e prevenção.
 
“A primeira coisa é parar de trivializar o tema. Precisamos de previsão científica, vigilância epidemiológica estratégica. Já temos tecnologia para sequenciar esses vírus, catalogá-los, estudar suas estruturas e preparar vacinas com antecedência. Só que isso requer financiamento. E aqui entra uma proposta concreta: deveríamos ter um imposto sobre desmatamento, revertido para pesquisa e para enfrentar as consequências em saúde provocadas por esse mesmo desmatamento.”

 
Em sua fala, Livre-docente em Criminologia, Eduardo Saad-Diniz, relatou sua própria experiência.

“Cinco anos atrás, eu nunca tinha estado na Amazônia. Sempre tratei o amazônida de forma — admito — arrogante, como um ‘outro’, como alguém menos brasileiro do que nós. Mas a questão é: por que falamos tanto da Amazônia? Porque as massas de ar vêm do Atlântico, se somam à umidade da floresta, e formam os chamados ‘rios aéreos’ — fenômeno essencial de evapotranspiração, que viaja até a cordilheira dos Andes e estrutura todo o ciclo de chuvas responsável por 40% da produção de alimentos no planeta.”

O pesquisador destacou que o debate sobre desmatamento precisa ir além dos mapas de satélite e considerar os sujeitos envolvidos — os que desmatam e os que sofrem as consequências — suas histórias, exclusões e vulnerabilidades.

“Mas quando debatemos isso, olhamos apenas para os mapas de satélite, para as massas de ar, e não enxergamos quem está por trás do desmatamento. Quem é a pessoa com o machado? Com a motosserra? Quem são essas populações? Quais suas condições de vida? Que legado histórico e colonial carregam? Que rupturas socioeconômicas viveram?”

Em seguida, Saad Diniz denunciou as condições precárias das comunidades amazônicas e a seletividade do sistema penal. Ele afirmou que essas populações estão entre as mais vitimizadas do país, alvo do crime organizado e da negligência estatal — inclusive no acesso à água potável, mesmo vivendo na maior bacia hidrográfica do planeta.

“Essas comunidades estão entre as mais vitimizadas do Brasil. Sofrem com recrutamento pelo crime organizado, com a ausência absoluta do Estado, com a falta de água potável — na maior bacia hidrográfica do planeta, apenas 15% da população tem acesso a água segura.”

E acusou o Estado de criminalizar pequenos delitos cometidos pelos pobres, enquanto protege grandes agentes de devastação ambiental.

“O Estado, quando aparece, criminaliza os pobres e blinda os grandes destruidores. Se alguém derruba uma árvore para construir um galinheiro, é tratado como criminoso. Mas o agronegócio industrial, com tratores, veneno, incêndio e grilagem, não é sequer fiscalizado. Existe toda uma rede poderosa vinculada à indústria da carne e da soja que permanece muito além do alcance do controle social.”

E mostrou como os efeitos do desmatamento amazônico afetam todo o país, exemplificando com o desastre climático no Rio Grande do Sul, consequência do choque entre massas de ar do Norte e do Sul.

“O exemplo mais dramático recente foi o desastre climático no Rio Grande do Sul, que resultou da junção de uma massa quente vinda do Norte com uma massa fria da Argentina. Isso também é consequência do desmatamento da Amazônia.”

Também alertou para o processo de desertificação no Nordeste e o risco real de surgimento de um deserto no centro do país.

“Estudos indicam que, em menos de 10 anos, poderemos ter um deserto no coração do Brasil, o maior do hemisfério sul.”

O pesquisador ainda criticou a omissão e a conivência do Estado na destruição ambiental. Destacou a ineficácia das instituições de controle diante dos grandes crimes ambientais e a desproporcionalidade da ação penal.

“O Estado não apenas se omite, mas é cúmplice da destruição ambiental. O sistema de justiça é seletivo. O Ministério Público e a polícia são céleres contra pequenos delitos, mas não sabem agir contra desmatamento, grilagem, envenenamento de rios e do solo. Somos obsessivos por tráfico de drogas e pequenos delitos patrimoniais. [...] Não sabemos operar contra o crime ambiental.”

E citou como exemplo o caso de Ribeirão Preto, onde as queimadas são atribuídas ao crime organizado, mas os dados revelaram que os focos coincidem com áreas dominadas pelo agronegócio.

“Em Ribeirão Preto, o cenário é apocalíptico em relação às queimadas. Atribui-se tudo ao crime organizado, quando a maior parte dos focos coincide com áreas de grande concentração do agronegócio, como demonstram dados da CETESB e do INPE.”

E apontou a importância de responsabilizar o setor privado, propondo investimentos obrigatórios em reflorestamento, tecnologia de monitoramento e capacitação comunitária.

“Precisamos responsabilizar o setor privado, historicamente omisso e predador. Não podemos continuar aceitando que esse setor ignore as consequências de suas ações.”

E deu sugestões de propostas concretas como investimentos privados em reflorestamento de bordas urbanas, financiamento de tecnologias de monitoramento (drones, aplicativos comunitários), capacitação popular em vigilância ambiental (social accountability) e a articulação entre universidades, comunidades locais e setor privado para reparação socioambiental.

O pesquisador também apresentou uma proposta institucional inspirada no Pacto pela Transformação Ecológica, sugerindo a criação de um Pacto Regional de Justiça Socioambiental e Climática, com foco em Sistemas agroflorestais produtivos, observatório comunitário de danos ambientais e autoridade regional para articulação e fiscalização integrada.

“Precisamos olhar para o dano, não só para o crime. E propor mecanismos de compensação real à população.”

No final de sua explanação criticou a financeirização da pauta ambiental e a apropriação privada de recursos públicos, em que reforçou a centralidade das comunidades locais como protagonistas de transformação.

“Além disso, devemos denunciar a financiarização do meio ambiente, os fundos climáticos que não chegam às comunidades locais, e a apropriação privada de recursos que deveriam ser públicos.Quem está na ponta precisa ser protagonista. Não como vítima — mas como sujeito de direito e de ação.”


Simone Kandratavicius, da Associação Cultural e Ecológica Pau Brasil, começou a sua fala reafirmando que debater mudanças climáticas é, antes de tudo, discutir vida, território e responsabilidade coletiva.

“Falar de mudanças climáticas é falar de vida, de território e de responsabilidade coletiva. E, acima de tudo, é falar da necessidade urgente de ações educativas transformadoras.”
 
Simone sustentou que o atual processo civilizatório deve ser questionado e que esse processo de questionamento precisa ocorrer de forma descentralizada — nas escolas, nas comunidades, nas famílias e nos espaços políticos.
 
“Estamos diante de um processo civilizatório que precisa ser questionado. E esse questionamento precisa acontecer na escola, na comunidade, nas famílias, nos espaços de decisão política.”
 
Com autoridade de quem atua diretamente na educação ambiental, Kandratavicius afirmou que não haverá enfrentamento real da crise climática sem uma política educacional comprometida com a formação crítica dos sujeitos.
 
“Como educadora ambiental, atuando na rede pública e em conselhos e comitês interinstitucionais, eu afirmo: sem educação ambiental crítica, não haverá enfrentamento real da crise climática.”
 
A ativista afirmou ainda que não basta tratar o tema como atividade esporádica ou decorativa: é preciso incorporá-lo como prática política, pedagógica e cultural.
 
“A educação ambiental não pode ser tratada como um complemento ou um projeto esporádico. Ela deve ser compreendida como prática política, pedagógica e cultural.”
 
E reforçou que embora ações como plantio de árvores ou reciclagem tenham seu valor simbólico, é essencial ir além e formar sujeitos críticos que compreendam as conexões entre consumo, desigualdade e colapso climático.
 
“Não se trata apenas de plantar árvores ou fazer reciclagem — embora essas ações também tenham seu valor simbólico. Trata-se de formar sujeitos críticos, capazes de compreender as relações entre o consumo, a desigualdade, o racismo ambiental e o colapso climático. A crise climática não é apenas um problema ambiental. Ela é também social, econômica, cultural e ética.”
 
E propôs que a educação ambiental seja transversal às políticas públicas em diferentes níveis e setores — não apenas na educação formal, mas em múltiplos territórios sociais.
 
“Precisamos de políticas públicas de educação ambiental integradas aos planos municipais, estaduais e nacionais de enfrentamento às mudanças do clima. E precisamos que essa política esteja presente na escola, mas também nas comunidades, nos espaços de saúde, de assistência social, nas igrejas, nos movimentos populares.”

Simone ainda destacou sua atuação na Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental (CIEA) e na Câmara Técnica de Educação Ambiental do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Pardo. Ela ressaltou a importância desses espaços de articulação entre gestão pública e territórios, mas também reconhece os desafios estruturais.
 
“Atuo na Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental (CIEA) e na Câmara Técnica de Educação Ambiental do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Pardo. Esses espaços existem para articular políticas e práticas, para conectar quem está na gestão pública com quem está na ponta, nos territórios.”
 
Entretanto, lamentou que muitas das decisões nesses espaços não se materializam por falta de orçamento, vontade política ou articulação entre setores, reforçando a importância da participação popular e do enraizamento territorial das decisões.
 
“Mas sabemos que, muitas vezes, as decisões tomadas nesses espaços não se traduzem em ações concretas, seja por falta de orçamento, de vontade política ou de articulação intersetorial. Por isso, nossa presença aqui hoje é tão importante. Ela reforça a necessidade de territorializar as decisões, escutar os saberes populares e democratizar os recursos.”

 Kandratavicius também apontou as contradições de Ribeirão Preto: uma cidade economicamente próspera, mas com graves desigualdades ambientais. Cita a baixa cobertura arbórea, infraestrutura verde insuficiente, queimadas, alagamentos e má qualidade do ar como evidências dessas injustiças.
 
“Em Ribeirão Preto, vivemos uma contradição brutal: uma cidade rica, produtiva, mas com baixa cobertura arbórea, infraestrutura verde deficiente e graves injustiças socioambientais. As queimadas, os alagamentos, a má qualidade do ar, a expansão urbana desenfreada e a exclusão dos mais pobres da política ambiental são parte desse quadro.”
 
E dividiu a sua vivência cotidiana como educadora pública para mostrar como essas desigualdades se expressam concretamente na vida de crianças e famílias.
 
“Como educadora, vejo todos os dias o impacto dessas desigualdades nas crianças, nas famílias e nas escolas.”


Presidenta da COMATER e integrante da Direção Estadual do MST, Nivalda Alves, assentada da Reforma Agrária, presidenta de cooperativa e militante do MST, foi marcada por um testemunho pessoal profundamente politizado. A assentada articulou a vivência concreta nos territórios com uma crítica sistêmica ao modelo de desenvolvimento capitalista.

Logo no início, Nivalda expressou solidariedade à dirigente estadual do setor de gênero do MST, Dra. Manuela Martins da Costa Aquino, a qual não pode comparecer por estar hospitalizada, devido a um quadro de dengue. Com sensibilidade e firmeza, a dirigente do MST falou também em nome da companheira, reafirmando o caráter coletivo e orgânico de sua militância.
 
“Antes de tudo, quero me desculpar e dizer que hoje quem deveria estar aqui era nossa companheira Dra. Manuela, dirigente estadual do setor de gênero do MST. Ela está internada em uma UTI. Desejo, de coração, força e pronta recuperação, para que logo esteja novamente conosco. Trago aqui também a fala que ela faria, reforçando o caráter coletivo e orgânico do nosso movimento.”
 
Crise estrutural do capital e destruição ambiental

Na sequência, Nivalda contextualizou a crise climática como parte de uma crise estrutural do capitalismo, cuja lógica extrativista e predatória está diretamente relacionada à destruição ambiental. Jesus denunciou o avanço da devastação em todos os biomas, destacando o agravamento dos eventos extremos e seus efeitos desiguais sobre os povos do campo, da floresta e das águas.
 
“Vivemos um momento decisivo para as questões ambientais no mundo. Estamos diante de uma crise estrutural do capital, que avança de forma cada vez mais extrativista e predatória sobre os bens comuns da natureza. Essa crise ambiental é acelerada ano após ano, em todos os biomas. Os eventos climáticos extremos — secas severas, enchentes, perda de biodiversidade, crise hídrica, queimadas — são cada vez mais frequentes e atingem com mais intensidade os povos do campo, da floresta e das águas.”

 
A presidenta da COMATER apresentou dados do MapBiomas onde evidenciou que o agronegócio, especialmente a agropecuária, é o principal responsável pela destruição ambiental no Brasil — com destaque para o avanço sobre o Cerrado, que pela primeira vez ultrapassou a Amazônia em áreas desmatadas.
 
“Segundo o MapBiomas, os dois maiores biomas do Brasil — Amazônia e Cerrado — somam mais de 85% do desmatamento nacional. E, pela primeira vez, o Cerrado ultrapassou a Amazônia em áreas devastadas, pressionado principalmente pela agropecuária, que responde por 97% da destruição.”
 
Os efeitos concretos da crise nos assentamentos

Trazendo a discussão para o chão da realidade, Nivalda descreveu o impacto direto das mudanças climáticas nos assentamentos da Reforma Agrária, especialmente na agricultura familiar e na segurança hídrica e comparou o passado — em que o calendário agrícola era previsível — com o presente de instabilidade e perdas.
 
“Nos acampamentos e assentamentos de Reforma Agrária, sentimos diariamente os impactos dessa crise. A mudança no regime de chuvas e a prolongação de períodos de seca dificultam a produção e o acesso à água. Já não sabemos mais o momento certo de plantar, de colher. O que antes era previsível, hoje é instável e arriscado. Quero lembrar uma coisa: estamos em junho. Meu pai dizia: ‘No mês de março, vamos plantar milho para comer assado na fogueira em junho.’ Mas hoje isso não é mais possível. O clima não permite mais que a gente siga o mesmo calendário.”
 
Indo além da teoria acadêmica, Nivalda relatou a sua própria perda na última safra, causada por queimadas, e destacou como essa realidade afeta milhares de trabalhadores e trabalhadoras da agricultura familiar.
 
“No ano passado, perdi toda a minha produção por causa das queimadas. O fogo chegou perto da minha casa. Eu senti na pele o que muitos e muitas trabalhadoras e trabalhadores da agricultura familiar vêm enfrentando com a intensificação da degradação ambiental.”
 
Capital verde e as falsas soluções de mercado

Nivalda ainda denunciou o “capital verde”, que tenta lucrar com a crise ambiental sem atacar suas causas e rejeitou as soluções de mercado que transformam devastação em oportunidade financeira, sem mudar a lógica estrutural de destruição.
 
“Diante desse cenário, o próprio capital tenta criar uma nova forma de acumulação com o que chamam de capital verde — um modelo de mercado que transforma a crise em lucro, sem enfrentar as causas estruturais.”
 
E propôs, em contrapartida, soluções baseadas na agroecologia, na Reforma Agrária Popular e na organização social de base territorial.
 
“Precisamos de uma política que enfrente o problema real, identifique os responsáveis e aponte soluções concretas. E essas soluções devem vir da agroecologia, da Reforma Agrária Popular, da organização popular no território. A crise climática é também uma frente de batalha ideológica. Precisamos disputar as narrativas, mostrar que somos nós, camponeses e camponesas, quem verdadeiramente produz alimento saudável, preserva a terra e cuida das nascentes.”
 
Reforma agrária popular e plantio de árvores

Reafirmando o compromisso do MST com o meio ambiente, Nivalda Alves resgatou o simbolismo da data e contrapôs a lógica punitiva e culpabilizante da “educação ambiental para os pobres” com a denúncia da desigualdade estrutural no acesso à água e ao saneamento.
 
“Hoje, dia 5 de junho, data em que o Brasil se prepara para sediar a COP 30, reafirmamos nosso compromisso com o meio ambiente, com a agroecologia e com o povo.A crise não afeta a todos da mesma forma. Existem dois povos que sofrem mais: o povo da periferia e o povo do campo.Quando dizem ‘fechem a torneira para escovar os dentes’, eu pergunto: ‘E quem não tem nem torneira em casa? Quem precisa caminhar com um balde na mão para buscar água longe de casa?’”
 
Investimento para cumprir metas populares

Nivalda ainda fez uma demanda concreta: investimento público direto nas iniciativas populares que verdadeiramente protegem o meio ambiente. E lembrou do compromisso do MST de plantar 100 milhões de árvores em 10 anos, mas apontou que sem financiamento, metas e promessas se tornam inviáveis.
 
“O MST assumiu o compromisso de plantar 100 milhões de árvores em 10 anos. Mas isso exige investimento. Sem orçamento público, não conseguimos fazer o que precisa ser feito. Por isso, defendemos que os recursos públicos sejam canalizados para quem realmente cuida da terra, para as cooperativas, para os assentamentos, para os povos tradicionais. Só assim teremos condições de enfrentar a crise.”

Já no final, em nome da Cooperativa Mãos da Terra, do Assentamento Mário Lago, da direção regional do MST e de tantas mulheres assentadas, Jesus afirmou que

“A solução para a crise climática passa pela Reforma Agrária Popular, pelo plantio de árvores, pela produção agroecológica e pelo respeito à vida dos povos do campo.”

E finalizou fazendo menção à ministra Marina Silva, a qual foi brutalmente agredida por parlamentares da extrema-direita, ligados ao agronegócio.  



Em sua fala, a vereadora Judeti Zilli (PT), representante do Coletivo Popular Judeti Zilli, ressaltou que os dados sobre a crise climática já são amplamente conhecidos e que o que falta é articulação coletiva e vontade institucional para transformá-los em políticas públicas.
 
“Depois de tudo o que foi falado até aqui — por especialistas e militantes —, acho que os grandes problemas que nos afetam já foram bem apresentados. Por isso, quero reforçar que o que farei agora é mais um chamado político, porque sabemos que os dados estão aí, e a ação precisa vir da articulação e da vontade política e coletiva.”
 
Judeti apontou que o enfrentamento à emergência climática exige transformações profundas nos modos de produção, consumo e na própria concepção de desenvolvimento.
 
“Estamos falando de um processo que exige mudança cultural, educacional, econômica e institucional, com intervenções urgentes nas formas de produção, de consumo e nas próprias noções de desenvolvimento que nos trouxeram até esse ponto de colapso ambiental.Falar da emergência climática é falar da vida de todos os seres vivos do planeta — e, principalmente, da sobrevivência do próprio ser humano.”

A vereadora rememorou a Eco-92, ocorrida há mais de três décadas, para evidenciar a estagnação política e a repetição de debates sem implementação efetiva de mudanças. Essa lembrança serve como metáfora da frustração geracional diante da inércia institucional.
 
“Durante minha fala, me veio à mente a lembrança da Eco-92, realizada há 33 anos, no Rio de Janeiro — uma conferência que mobilizou o país e propôs cuidados básicos com o planeta. E aí nos perguntamos: ‘O que foi feito desde então?’”
 
E lembrou que os avanços foram mínimos, especialmente por causa do poder do capital que ainda comanda as decisões políticas e econômicas, colocando o lucro acima da vida.
 
“Desde as ações individuais até as responsabilidades dos governos e da economia, houve pouco ou nenhum avanço real. As mudanças efetivas, todos sabemos, só serão possíveis com o envolvimento da coletividade, e com enfrentamento ao poder do capital, que ainda privilegia o lucro acima de toda e qualquer política pública voltada à vida.”

Judeti denunciou a sistemática negação orçamentária à pauta ambiental no município de Ribeirão Preto e destacou que, mesmo com emendas propostas ao Plano Plurianual (PPA), à LDO e à LOA, todas foram vetadas pelo executivo municipal.
 
“Quero destacar, com preocupação, a ausência quase total de investimentos em políticas públicas ambientais em Ribeirão Preto. Faz cinco anos que o nosso mandato do Coletivo Popular está nesta casa legislativa, e todos os anos enfrentamos a mesma luta inglória: mesmo quando conseguimos incluir emendas no Plano Plurianual (PPA), na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) ou na Lei Orçamentária Anual (LOA), o governo municipal veta tudo. É inviável conseguir um recurso mínimo. A quantidade de investimento é vexatória.”
 
Diante disso, a vereadora afirmou que o papel do seu mandato tem sido manter as pautas vivas na agenda pública, resistindo com apoio da sociedade civil.
 
“O que sobra para nós é a resistência — com base na articulação com a sociedade civil — para garantir, ao menos, a permanência das pautas ambientais na agenda pública.”

Judeti ainda destacou a educação ambiental como eixo estratégico de transformação, mas criticou o descompromisso da gestão municipal com a área. Afirmou que a escola, sozinha, não dá conta e que é preciso ampliar a atuação educativa para outros espaços comunitários.
 
“Estamos em meio a uma emergência climática, e a educação ambiental é uma das ferramentas mais potentes que temos para transformações reais. Mas sabemos também que o governo municipal não prioriza essa área, e que a escola sozinha não dá conta. Por isso, defendemos que a educação ambiental seja construída também no território, nos grupos organizados, nas igrejas, nas associações de bairro, nos coletivos culturais. Porque é nesses espaços que a transformação social se inicia.”
 
Zilli informou que o mandato protocolou, nesta semana, um novo projeto de lei que propõe uma política municipal voltada à conscientização sobre a limpeza urbana e o gerenciamento de resíduos sólidos.
 
“Apresentamos, ao longo desses quatro anos, diversos projetos voltados à educação ambiental nas escolas e nas comunidades. E nesta semana, protocolamos um novo projeto, que institui a Política Municipal de Conscientização e Respeito à Limpeza Urbana e ao Gerenciamento de Resíduos Sólidos em Ribeirão Preto.”

O abandono e acúmulo de lixo em terrenos baldios e áreas públicas também foi pauta de fala da vereadora. A professora lembrou que essa questão não pode ser reduzida a falhas culturais ou individuais, mas deve ser enfrentada como problema estrutural de gestão pública.
 
“Quero compartilhar um problema que atinge quase todas as cidades médias e grandes: a disposição irregular de resíduos sólidos, inclusive orgânicos, em terrenos públicos ou privados abandonados. Isso tem gerado proliferação de vetores, degradação ambiental e problemas de saúde pública. Mesmo quando a prefeitura realiza a limpeza, em poucos dias o lixo volta ao mesmo local. São galhos, móveis velhos, animais mortos, lixo doméstico. Isso não pode continuar sendo tratado como um problema ‘cultural’ ou individual. É um problema de gestão pública e ausência de política estruturada.”

E encerrou a sua fala com um convite direto à participação popular organizada, lembrando da audiência pública marcada para o dia 24 de junho, quando o governo municipal apresentará os resultados parciais da Política Municipal Ambiental. E propôs que esse seja um momento estratégico para mobilização e cobrança.
 
“O nosso trabalho não é isolado. Ele só faz sentido com a participação popular organizada. Precisamos construir um movimento ambiental forte em Ribeirão Preto, que atue na formulação, na fiscalização e na cobrança de políticas públicas. Quero destacar que, no próximo dia 24 de junho, às 18h, nesta mesma casa, o governo municipal apresentará à sociedade o que foi construído até agora na Política Municipal Ambiental. Esse será um momento estratégico para estarmos juntos e cobrarmos avanços concretos.”

Após as falas dos presentes na mesa de debates, abriu-se espaço para falas do público presente. PatríciaIyakekerê da Casa de Umbanda Fé e Luz, em sua fala, pediu licença aos ancestrais e à comunidade religiosa para tratar de um tema que, segundo ela, é também espiritual e afirmou que

“no Candomblé e na Umbanda, a natureza não é um recurso, mas sim a própria manifestação do sagrado”,


E estabeleceu uma ruptura conceitual com o paradigma capitalista, que transforma a natureza em mercadoria. A Iyakekerê lembrou que a visão espiritual e cosmológica compreende os elementos naturais — “rios, florestas, montanhas, ventos” — como expressões diretas dos orixás, entidades divinas que habitam e se manifestam na Terra.

“No Candomblé e na Umbanda a natureza não é um recurso, mas sim a própria manifestação do sagrado. Os rios, as florestas, montanhas, ventos e outros elementos são considerados manifestação dos orixás.”

E reafirmou o vínculo pela citação de um provérbio tradicional iorubá cuja explicação revela que as folhas sagradas são indispensáveis à liturgia dos terreiros,lembrando que a  devastação ambiental, portanto, não compromete apenas o meio ambiente, mas afeta diretamente a prática da fé afro-brasileira.

“Sem folha, não há orixá” (ko ewé, ko sí orixá). A expressão ‘sem folha não há orixá’ enfatiza a importância das folhas sagradas para a prática da religião e para a manifestação dos orixás.”

Em seguida, Patrícia apresentou o cotidiano do terreiro como exemplo de ecologia prática e espiritual e descreveu como as oferendas religiosas são cuidadosamente pensadas para não agredir o ambiente, priorizando materiais biodegradáveis e orgânicos, como frutas, folhas e flores, reafirmando que a sustentabilidade não é uma moda, mas sim um fundamento espiritual presente desde os ensinamentos dos mais velhos.

“Nas oferendas realizadas pela Casa de Umbanda Fé e Luz, sempre pensamos em utilizar materiais que não agridem o meio ambiente e, principalmente, sejam biodegradáveis. Utilizamos frutas, flores, comidas, folhas e outros elementos que já são da natureza e, quando retornarem a esta, serão integrados sem agredir o meio ambiente.”

Patrícia também reforçou que esse cuidado não é algo novo, mas parte de uma sabedoria ancestral transmitida pelas lideranças religiosas que vieram antes. É uma espiritualidade ecológica, onde a preservação da natureza é condição para a continuidade da própria fé.

“Assim conseguimos respeitar a nossa fé e o próprio meio ambiente.”

Em sua parte final, a Iyakekerê denunciou o avanço da urbanização predatória, da degradação ambiental e das ameaças ao equilíbrio dos ecossistemas, apontando a urgência de repensar as atitudes individuais e coletivas diante da crise climática.

“O crescimento urbano, o aumento da degradação ambiental e o comprometimento do ecossistema exigem mudança das nossas atitudes.”

E propôs que os saberes dos povos africanos e afro-brasileiros sejam compreendidos como ferramentas contemporâneas para a construção de alternativas sustentáveis, reafirmando a atualidade dos conhecimentos ancestrais.

“Podemos utilizar como exemplo as práticas ancestrais dos povos africanos para a convivência equilibrada com a natureza.”


Ainda na fala aberta ao público, Reinaldo Romero, integrante da Associação Cultural e Ecológica Pau Brasil e da ONG Tá com calor, plante árvores”, logo no início marcou sua posição ao responsabilizar os usineiros do setor sucroalcooleiro como os principais agentes da degradação ambiental em São Paulo, sobretudo pelas queimadas de cana-de-açúcar, que marcaram negativamente a paisagem e a saúde da população de Ribeirão Preto nas décadas de 1990 e 2000.
 
“Ao longo desses 37 anos, enfrentamos muitas lutas, mas a maior de todas foi contra os maiores degradadores ambientais de São Paulo: os usineiros. Eles são os responsáveis pelo maior desmatamento no estado e por um dos piores tipos de poluição já vividos aqui: as queimadas de cana.”
 
Romero narrou como a mobilização ambiental conquistou a proibição gradual das queimadas, firmada em protocolo com o Ministério Público e o governo estadual — embora o setor tenha evitado reconhecer publicamente sua responsabilidade.
 
“A proibição das queimadas está registrada não como um ‘acordo’, mas como um ‘protocolo’. Isso porque os usineiros não quiseram assumir publicamente que foram obrigados a parar de queimar. Os usineiros são os maiores responsáveis por tudo que estamos passando hoje em relação à questão climática.”
 
E reforçou que a conta do reflorestamento não deve ser paga com recursos públicos, mas pelos próprios causadores do dano.
“A conta do reflorestamento não deve ser paga pelo poder público — estadual, municipal ou federal —, mas pelos usineiros.”
 
Romero ainda citou as lutas da Pau Brasil pela criação de parques urbanos e pela sua contribuição para a chegada do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na região, destacando sua atuação agroecológica como alternativa concreta ao modelo destrutivo do agronegócio.
 
“A Pau Brasil também atuou para trazer o MST para nossa região, por meio de um documento técnico que permitiu que o movimento se fixasse na Fazenda da Barra, uma área de recarga do Aquífero Guarani. O MST mostra, na prática, que é possível produzir em larga escala com agrofloresta e agroecologia, sem veneno.”
 
O ativista também ressaltou o trabalho da ONG “Tá com calor? Plante árvores!”. Sua crítica se voltou contra ações superficiais da prefeitura e sua exclusão da participação popular nos plantios.
 
“Com isso, mostramos que não são necessários bilhões para plantar árvores. O que se precisa é de boa vontade e de comunidade unida. Plantar árvore é com e para o outro. Não é só a prefeitura sair com caminhão fazendo oba-oba.”
 
E denunciou que, mesmo com estudos técnicos prontos, o Plano Diretor de Arborização Urbana nunca saiu do papel, apesar das ações e petições promovidas pela sociedade civil.

“Fizemos uma petição pública, e no último 21 de setembro de 2023, lançamos uma nova ação — cujo abaixo-assinado ainda está em andamento.”
 
Romero ainda antecipou o lançamento de uma nova petição pública, reivindicando o congelamento das extrações de árvores, a revisão da lei de compensação e o aumento das multas e do tempo de cuidado com a árvore compensatória.
 
“Atualmente, a compensação não compensa.”
 
O especialista ainda recusou a separação entre crise social e crise ambiental,e lembrou a existência de mais de 100 favelas em Ribeirão Preto e a ausência de saneamento básico no assentamento do MST.
 
“Eu não desassocio a questão social da ambiental. Elas estão unidas. O próprio assentamento do MST não tem até hoje rede de água e esgoto, porque a prefeitura não implantou. Isso precisa ser enfrentado.”
 
Na parta final de sua fala, Romero fez um apelo enfático por um Plano de Emergência Climática municipal, que vá além dos estudos e se traduza em ações imediatas, como equipar a Defesa Civil e estruturar medidas concretas de resposta aos desastres.

“Mesmo antes de o plano estar pronto, é possível tomar medidas imediatas, como investir na Defesa Civil, contratar mais profissionais, comprar botes de salvamento. Porque é isso que vai ser necessário diante das emergências. O plano é bonito, mas, muitas vezes, os planos são feitos e não executados.”
 
Sua última frase ainda retomou a centralidade da árvore como símbolo de ação concreta, contra o colapso climático.

“É preciso plantar. A árvore é o ator principal no enfrentamento às emergências climáticas. As outras ações também são importantes, mas sem árvores, não há futuro.”





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