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Reunião pública apontou problemas e caminhos Fotos: Filipe Augusto Peres |
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Dia Mundial do Meio Ambiente, reunião na Câmara Municipal reúne especialistas,
parlamentares, movimentos sociais e comunidades tradicionais para denunciar os
impactos da crise climática, criticar a omissão do Estado e propor alternativas
concretas com base na justiça socioambiental e no protagonismo popular.
Nesta quinta-feira (5), Dia Mundial do Meio Ambiente, a Câmara Municipal
de Ribeirão Preto sediou uma Reunião Pública sobre Mudanças Climáticas e
Políticas Públicas, organizada pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos
Deputados, por iniciativa do deputado federal Nilto Tatto, em parceria com o
mandato da vereadora Perla Müller. O encontro reuniu especialistas, lideranças
populares, movimentos sociais e representantes acadêmicos para discutir os
impactos das mudanças climáticas nos centros urbanos e territórios rurais, propondo
alternativas sustentáveis e ações urgentes de enfrentamento à crise ambiental.
Dividiram a mesa com Perla Müller e Nilto Tatto nomes de destaque na
luta socioambiental e na produção de conhecimento sobre a crise climática.
Entre eles, o professor Eurico de Arruda Neto, virologista da USP, abordou os
riscos do aquecimento global na proliferação de vírus com potencial pandêmico;
Eduardo Saad Diniz, livre-docente em Criminologia, refletiu sobre o papel do
setor privado no controle das queimadas e do desmatamento; Simone
Kandratavicius, coordenadora de educação ambiental, destacou os efeitos das
mudanças climáticas nas periferias urbanas; e Nivalda Alves de Jesus, dirigente
do MST, denunciou os impactos da emergência climática nos territórios rurais,
enfatizando as resistências construídas por mulheres assentadas.
Em sua fala o deputado federal
Nilto Tatto (PT/SP) destacou a urgência do tema ao apontar que o planeta já
ultrapassou o limite de aquecimento definido no Acordo de Paris.
“Já ultrapassamos o limite de 1,5 °C de aumento na
temperatura média da Terra em relação ao período pré-industrial [...] e com
esse nível de aquecimento temos presenciado eventos climáticos extremos”.
O deputado utilizou como prova
empírica recentes tragédias ambientais no Brasil — como as enchentes no Rio
Grande do Sul e a seca prolongada na Amazônia — para exemplificar a
intensificação desses eventos, alertando que
“isso vai acontecer e já está acontecendo com mais
frequência e com mais intensidade no mundo todo”.
E destacou os impactos sociais e
econômicos da crise, especialmente sobre os mais pobres.
“As populações mais vulneráveis são as mais
afetadas: perdem seus bens, suas moradias e, muitas vezes, suas vidas.”
Em seguida, Tatto reconheceu os
avanços importantes, como o pacto pela transição ecológica entre os três poderes
e a retomada do combate ao desmatamento, mas advertiu para os limites e
contradições desse processo.
“Houve avanços importantes com o pacto pela
transição ecológica [...] mas seguimos com dificuldades para alcançar outras
metas assumidas.”
O deputado mencionou uma meta não
cumprida.
“Nos comprometemos lá atrás a restaurar 12 milhões
de hectares de áreas degradadas [...] e a gente não conseguiu avançar nisso”.
Sem idealizar o governo federal, o
deputado apontou a necessidade de “reestruturar e reorganizar todo o Sistema
Nacional de Meio Ambiente”, que foi “destruído no governo anterior”.
Nilto também denunciou o Projetode Lei nº 2.159/2021, que altera a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, classificando-o
como um dos maiores riscos atuais à política ambiental brasileira.
“Depois de
um ano de discussão [...] o relator na época [...] fez um outro relatório e aí
passaram um trator: aprovaram na Câmara um relatório muito ruim que representa
retrocessos ambientais”.
E destacou que o projeto aprovado
contém “muitos artigos inconstitucionais” e, ao mesmo tempo, faz parte de uma
ofensiva política mais ampla contra o STF.
“Parte da lógica [...] é também criar mais uma
pinimba com o STF dentro dessa lógica de atacar também o STF”.
Por fim, advertiu que
“boa parte da agenda que o Brasil precisa fazer
para enfrentar a crise climática pode cair por terra se a gente tiver
retrocesso como nesta lei”.
Uma das proponentes da reunião, a
vereadora Perla Müller (PT/SP), em sua fala lembrou que a crise climática não atinge todos da
mesma forma. Perla lembrou que
“a
emergência climática traz um lado ainda mais perverso, que é a injustiça
climática e ambiental”,
E reforçou que, embora a crise
seja global, seus efeitos recaem desproporcionalmente sobre os mais pobres e
vulneráveis.
“Obviamente
tem quem sofre mais profundamente. [...] As periferias, as pessoas morrem de
calor ou de frio. Se falta água, é nas periferias. E as mulheres são as mais
impactadas.”
Diagnosticando a situação de
Ribeirão Preto, Muller abordou desde arborização
e áreas verdes até transporte
coletivo, drenagem urbana, saneamento, resíduos sólidos e planejamento urbano
e denunciou a falta de políticas públicas efetivas.
“Ribeirão
Preto tem apenas 8% do seu território urbano que corresponde a áreas verdes
públicas. Cidades da Europa garantem 40%.”
No transporte coletivo, a petista
lembrou a contradição entre a transferência do dinheiro público ao privado e a
ineficiência do sistema.
“Mais de R$
110 milhões em subsídios tarifários em 2024, mas o transporte segue caro
e ineficiente. [...] Uma cidade de 700 mil habitantes tem mais de 560 mil
veículos. Isso é uma loucura em um momento de emergência climática”
Em outro momento, a vereadora denunciou
a fragilidade da infraestrutura urbana diante de chuvas intensas.
“As pessoas
estavam atravessando as faixas de pedestre com água até os joelhos. Estamos
falando da incapacidade da cidade de drenar água da chuva.”
Os grandes consumidores de recursos
hídricos também apareceram em sua fala, criticando o modelo atual de desenvolvimento
e as suas contradições ambientais.
“São
grandes setores produtivos, como a indústria e a agropecuária, quem mais consomem
água — e não pagam por ela, ou pagam quase nada.”
Professor
e virologista da USP, o Dr. Eurico arruda Neto convocou a coletividade presente
à responsabilidade coletiva, e afirmou que muitas coisas já tinham
sido ditas na reunião, mas que ainda era preciso sobre os vírus e suas relações
com a crise climática.
“Já foi dito muita coisa aqui. A gente precisa falar
disso. E a gente precisa falar também de vírus. É sobre isso que vim falar um
pouco hoje — como virologista — e sobre como essa temática está fortemente impactada
pela crise climática.”
Arruda criticou a
forma como muitas vezes o tema das mudanças climáticas é tratado de forma
frívola, como se não tivesse consequências reais.
“Quero transformar esse momento num momento verdadeiro.
Quero olhar nos olhos de vocês e afirmar: não é mais possível trivializar o
tema da crise climática. Não pode mais ser um assunto do tipo ‘vamos tomar uma
cerveja, conversar e depois seguir a vida como se nada estivesse acontecendo’,
porque ninguém mais tem dúvidas de que a humanidade caminha para a execução
final da destruição da biosfera.”
Em seguida, alertou
para a gravidade da situação, mencionando que todos os biomas estão ameaçados e
que o ponto de não retorno já foi ultrapassado.
“Todos os biomas estão ameaçados. E, como disse
corretamente o deputado, já ultrapassamos o ponto de não retorno, o tal do
1,5 °C de aquecimento.”
Antes de entrar
diretamente no tema dos vírus, o virologista fez uma crítica existencial ao
papel do ser humano na degradação do planeta, referindo-se à espécie como uma
tragédia para a Terra.
“A emergência do Homo sapiens — ou, como prefiro
chamar, Homo ignorance — no planeta Terra foi a maior tragédia que este planeta
já enfrentou. Comparável às glaciações, aos impactos de meteoros e a outras
grandes catástrofes. Nada foi pior para o planeta do que esse parasita chamado Homo sapiens ignorance.”
E relacionou essa
visão a cosmogonias que compreendem a Terra como um ser vivo, dizendo que a
natureza busca se livrar de nós, os parasitas. Mas destacou que sua fala não é
niilista.
“Existem cosmogonias diversas que dizem que o planeta
Terra precisará se livrar desse parasita que somos nós. Isso é claro quando
adotamos uma visão antropomórfica da Terra — como se ela fosse um ser vivo.”
Em seguida, o
virologista criticou o modelo de produção do agronegócio. Arruda reiterou que este
modelo de produção capitalista não deve ser confundido com agricultura e que
seus impactos são profundamente injustos do ponto de vista climático e social.
“Já foi dito aqui, e eu repito: o agronegócio não é
agricultura. Agronegócio é business, é negócio. É agrobusiness. Gera ações e
dividendos para a Faria Lima. E gera também grande injustiça climática, porque
a agonia dos seres vivos e as catástrofes que estamos enfrentando têm
consequências desiguais: os ricos se protegem, os pobres sofrem.”
Ainda que contundente
em suas críticas, o virologista deixou claro que não deseja a extinção da
humanidade, mas sim a superação de sua hipocrisia.
“Mas eu não quero ficar só no fatalismo. Não é sobre
dizer que o Homo sapiens precisa ser extinto. Eu sou um deles e também não quero
morrer. A questão é que precisamos parar com a hipocrisia de falar em ‘salvar o
planeta’. O planeta não precisa de nós. Ele existia bilhões de anos antes da nossa
chegada. Nós é que precisamos do planeta. Precisamos nos salvar.”
Depois, Eurico
introduziu o tema central de sua fala: os vírus, e lembrou que estes são
ancestrais à maioria das formas de vida complexa e que não têm como objetivo
causar doenças — apenas sobreviver.
“Os vírus existem há muito mais tempo que qualquer ser complexo. Antes
de qualquer ser vivo com mais de uma célula, os vírus já estavam aqui. Alguns
dizem até que o primeiro ser autorreplicante na Terra foi um vírus de RNA.”
Ele explicou que os
vírus coevoluem com diferentes organismos há milhões de anos, e que o
surgimento de novas doenças virais está diretamente ligado às ações humanas.
“Eles se adaptam. Há vírus de fungos, amebas, plantas,
animais, de tudo que é vivo. E essa relação é antiga: coevoluem há milhões de
anos. Quando dizemos que ‘um vírus emergiu’, isso não significa uma praga
mandada por Deus. Significa que nós é que fomos buscá-lo, que criamos as
condições para que ele se tornasse um problema.”
Apresentou, então,
três exemplos para ilustrar a conexão entre a destruição ambiental e o
surgimento de pandemias.
Exemplo 1: o viroma
do mar
“O mar está cheio de bactérias e algas, que por sua vez
estão cheias de vírus. Esses vírus matam seus hospedeiros e ajudam a formar a
crosta do fundo do oceano, participam da formação de núcleos de nuvens de
chuva, do ciclo do carbono.”
“Sim, os vírus participam do equilíbrio climático do
planeta. Eles são fundamentais nesse ciclo — como as florestas e talvez até
mais que elas.”
Exemplo 2: morcegos
Ele destacou os
morcegos como hospedeiros naturais de muitos vírus, graças a um sistema
imunológico especial e apontou que a destruição de seu habitat é o que causa a
aproximação com os humanos e os riscos de contágio.
“Os morcegos são mamíferos com sangue quente e têm um
sistema imunológico especial: eles não inflamam. Isso permite que abriguem
vírus sem adoecer.” [...]“Mas o problema é que nós destruímos o habitat deles.
Então, eles migram para perto de nós. E aí temos o risco do ‘salto’ dos vírus.”
E alertou
[...] “Ebola, Coronavírus, [...] já temos o SARS-CoV-2
(Covid-19), e vírus semelhantes já identificados: SARS-CoV-3, SARS-CoV-4. Eles
estão por aí, em morcegos, e mais cedo ou mais tarde farão o salto para
humanos.”
Exemplo 3: a gripe
Eurico Arruda também
alertou para o risco crescente do vírus H5N1, cuja mutação pode resultar em uma
nova pandemia.
“O maior risco de pandemia hoje é o vírus da gripe. Esses
vírus vêm de aves aquáticas — como os patos, que têm o vírus no intestino e o
excretam na água. Outros animais, como porcos, entram em contato com isso. E o
ser humano, em contato com o porco, entra nesse ciclo. É assim que surgem os
saltos interespécies.”
[...]
“O H5N1, por exemplo, já está infectando mamíferos. Já
infectou leões marinhos e outros. Está muito perto de saltar para humanos. E
quando isso acontecer, o impacto pode ser desastroso.”
O virologista mencionou,
ainda, os riscos trazidos pelo degelo das calotas polares, que liberam vírus
antigos, desconhecidos.
“Com o degelo das calotas polares, já foram identificados
mais de 30 vírus desconhecidos, que estavam ali há milênios. Esses vírus podem
encontrar novos hospedeiros e causar novas doenças.”
Por fim, o
virologista apontou caminhos possíveis, com foco em ciência e financiamento
para vigilância e prevenção.
“A primeira coisa é parar de trivializar o tema.
Precisamos de previsão científica, vigilância epidemiológica estratégica. Já
temos tecnologia para sequenciar esses vírus, catalogá-los, estudar suas
estruturas e preparar vacinas com antecedência. Só que isso requer
financiamento. E aqui entra uma proposta concreta: deveríamos ter um imposto
sobre desmatamento, revertido para pesquisa e para enfrentar as consequências
em saúde provocadas por esse mesmo desmatamento.”
Em sua
fala, Livre-docente em Criminologia, Eduardo Saad-Diniz, relatou sua própria experiência.
“Cinco anos atrás, eu nunca tinha estado na
Amazônia. Sempre tratei o amazônida de forma — admito — arrogante, como um
‘outro’, como alguém menos brasileiro do que nós. Mas a questão é: por que falamos
tanto da Amazônia? Porque as massas de ar vêm do Atlântico, se somam à umidade da
floresta, e formam os chamados ‘rios aéreos’ — fenômeno essencial de
evapotranspiração, que viaja até a cordilheira dos Andes e estrutura todo o
ciclo de chuvas responsável por 40% da produção de alimentos no planeta.”
O pesquisador destacou que o debate
sobre desmatamento precisa ir além dos mapas de satélite e considerar os
sujeitos envolvidos — os que desmatam e os que sofrem as consequências — suas
histórias, exclusões e vulnerabilidades.
“Mas quando debatemos isso, olhamos apenas para os
mapas de satélite, para as massas de ar, e não enxergamos quem está por trás do
desmatamento. Quem é a pessoa com o machado? Com a motosserra? Quem são essas
populações? Quais suas condições de vida? Que legado histórico e colonial
carregam? Que rupturas socioeconômicas viveram?”
Em
seguida, Saad Diniz denunciou as condições
precárias das comunidades amazônicas e a seletividade do sistema penal. Ele
afirmou que essas populações estão entre as mais vitimizadas do país, alvo do
crime organizado e da negligência estatal — inclusive no acesso à água potável,
mesmo vivendo na maior bacia hidrográfica do planeta.
“Essas comunidades estão entre as mais vitimizadas
do Brasil. Sofrem com recrutamento pelo crime organizado, com a ausência
absoluta do Estado, com a falta de água potável — na maior bacia hidrográfica
do planeta, apenas 15% da população tem acesso a água segura.”
E acusou o Estado de criminalizar
pequenos delitos cometidos pelos pobres, enquanto protege grandes agentes de
devastação ambiental.
“O Estado, quando aparece, criminaliza os pobres e
blinda os grandes destruidores. Se alguém derruba uma árvore para construir um
galinheiro, é tratado como criminoso. Mas o agronegócio industrial, com
tratores, veneno, incêndio e grilagem, não é sequer fiscalizado. Existe toda
uma rede poderosa vinculada à indústria da carne e da soja que permanece muito
além do alcance do controle social.”
E mostrou como os efeitos do
desmatamento amazônico afetam todo o país, exemplificando com o desastre
climático no Rio Grande do Sul, consequência do choque entre massas de ar do
Norte e do Sul.
“O exemplo mais dramático recente foi o desastre
climático no Rio Grande do Sul, que resultou da junção de uma massa quente
vinda do Norte com uma massa fria da Argentina. Isso também é consequência do
desmatamento da Amazônia.”
Também alertou para o processo de
desertificação no Nordeste e o risco real de surgimento de um deserto no centro
do país.
“Estudos indicam que, em menos de 10 anos,
poderemos ter um deserto no coração do Brasil, o maior do hemisfério sul.”
O pesquisador ainda criticou a
omissão e a conivência do Estado na destruição ambiental. Destacou a ineficácia
das instituições de controle diante dos grandes crimes ambientais e a
desproporcionalidade da ação penal.
“O Estado não apenas se omite, mas é cúmplice da
destruição ambiental. O sistema de justiça é seletivo. O Ministério Público e a
polícia são céleres contra pequenos delitos, mas não sabem agir contra desmatamento,
grilagem, envenenamento de rios e do solo. Somos obsessivos por tráfico de
drogas e pequenos delitos patrimoniais. [...] Não sabemos operar contra o crime
ambiental.”
E citou como exemplo o caso de
Ribeirão Preto, onde as queimadas são atribuídas ao crime organizado, mas os
dados revelaram que os focos coincidem com áreas dominadas pelo agronegócio.
“Em Ribeirão Preto, o cenário é apocalíptico em
relação às queimadas. Atribui-se tudo ao crime organizado, quando a maior parte
dos focos coincide com áreas de grande concentração do agronegócio, como
demonstram dados da CETESB e do INPE.”
E apontou a importância de
responsabilizar o setor privado, propondo investimentos obrigatórios em
reflorestamento, tecnologia de monitoramento e capacitação comunitária.
“Precisamos responsabilizar o setor privado,
historicamente omisso e predador. Não podemos continuar aceitando que esse
setor ignore as consequências de suas ações.”
E deu sugestões de propostas concretas
como investimentos privados em reflorestamento de bordas urbanas, financiamento
de tecnologias de monitoramento (drones, aplicativos comunitários), capacitação
popular em vigilância ambiental (social accountability) e a articulação
entre universidades, comunidades locais e setor privado para reparação
socioambiental.
O pesquisador também apresentou
uma proposta institucional inspirada no Pacto pela Transformação Ecológica,
sugerindo a criação de um Pacto Regional de Justiça Socioambiental e Climática,
com foco em Sistemas agroflorestais produtivos, observatório comunitário de
danos ambientais e autoridade regional para articulação e fiscalização
integrada.
“Precisamos olhar para o dano, não só para o crime.
E propor mecanismos de compensação real à população.”
No final de sua explanação criticou
a financeirização da pauta ambiental e a apropriação privada de recursos
públicos, em que reforçou a centralidade das comunidades locais como
protagonistas de transformação.
“Além disso, devemos denunciar a financiarização do
meio ambiente, os fundos climáticos que não chegam às comunidades locais, e a
apropriação privada de recursos que deveriam ser públicos.Quem está na ponta
precisa ser protagonista. Não como vítima — mas como sujeito de direito e de
ação.”
Simone Kandratavicius, da Associação Cultural
e Ecológica Pau Brasil, começou a sua fala reafirmando que
debater mudanças climáticas é, antes de tudo, discutir vida, território e
responsabilidade coletiva.
“Falar de mudanças climáticas é falar de vida, de
território e de responsabilidade coletiva. E, acima de tudo, é falar da
necessidade urgente de ações educativas transformadoras.”
Simone sustentou que
o atual processo civilizatório deve ser questionado e que esse processo de
questionamento precisa ocorrer de forma descentralizada — nas escolas, nas
comunidades, nas famílias e nos espaços políticos.
“Estamos diante de um processo civilizatório que precisa
ser questionado. E esse questionamento precisa acontecer na escola, na comunidade,
nas famílias, nos espaços de decisão política.”
Com autoridade de
quem atua diretamente na educação ambiental, Kandratavicius afirmou que não
haverá enfrentamento real da crise climática sem uma política educacional
comprometida com a formação crítica dos sujeitos.
“Como educadora ambiental, atuando na rede pública e em
conselhos e comitês interinstitucionais, eu afirmo: sem educação ambiental
crítica, não haverá enfrentamento real da crise climática.”
A ativista afirmou ainda que não basta tratar o
tema como atividade esporádica ou decorativa: é preciso incorporá-lo como
prática política, pedagógica e cultural.
“A educação ambiental não pode ser tratada como um
complemento ou um projeto esporádico. Ela deve ser compreendida como prática
política, pedagógica e cultural.”
E reforçou que embora
ações como plantio de árvores ou reciclagem tenham seu valor simbólico, é essencial
ir além e formar sujeitos críticos que compreendam as conexões entre consumo,
desigualdade e colapso climático.
“Não se trata apenas de plantar árvores ou fazer
reciclagem — embora essas ações também tenham seu valor simbólico. Trata-se de
formar sujeitos críticos, capazes de compreender as relações entre o consumo, a
desigualdade, o racismo ambiental e o colapso climático. A crise climática não
é apenas um problema ambiental. Ela é também social, econômica, cultural e
ética.”
E propôs que a
educação ambiental seja transversal às políticas públicas em diferentes níveis
e setores — não apenas na educação formal, mas em múltiplos territórios
sociais.
“Precisamos de políticas públicas de educação ambiental
integradas aos planos municipais, estaduais e nacionais de enfrentamento às
mudanças do clima. E precisamos que essa política esteja presente na escola,
mas também nas comunidades, nos espaços de saúde, de assistência social, nas
igrejas, nos movimentos populares.”
Simone ainda destacou sua atuação na Comissão Interinstitucional de Educação
Ambiental (CIEA) e na Câmara Técnica de Educação Ambiental do Comitê de Bacia
Hidrográfica do Rio Pardo. Ela ressaltou a importância desses espaços de
articulação entre gestão pública e territórios, mas também reconhece os
desafios estruturais.
“Atuo na Comissão Interinstitucional de Educação
Ambiental (CIEA) e na Câmara Técnica de Educação Ambiental do Comitê de Bacia
Hidrográfica do Rio Pardo. Esses espaços existem para articular políticas e
práticas, para conectar quem está na gestão pública com quem está na ponta, nos
territórios.”
Entretanto, lamentou
que muitas das decisões nesses espaços não se materializam por falta de
orçamento, vontade política ou articulação entre setores, reforçando a
importância da participação popular e do enraizamento territorial das decisões.
“Mas sabemos que, muitas vezes, as decisões tomadas
nesses espaços não se traduzem em ações concretas, seja por falta de orçamento,
de vontade política ou de articulação intersetorial. Por isso, nossa presença
aqui hoje é tão importante. Ela reforça a necessidade de territorializar as
decisões, escutar os saberes populares e democratizar os recursos.”
Kandratavicius também apontou as
contradições de Ribeirão Preto: uma cidade economicamente próspera, mas com
graves desigualdades ambientais. Cita a baixa cobertura arbórea, infraestrutura
verde insuficiente, queimadas, alagamentos e má qualidade do ar como evidências
dessas injustiças.
“Em Ribeirão Preto, vivemos uma contradição brutal: uma
cidade rica, produtiva, mas com baixa cobertura arbórea, infraestrutura verde
deficiente e graves injustiças socioambientais. As queimadas, os alagamentos, a
má qualidade do ar, a expansão urbana desenfreada e a exclusão dos mais pobres
da política ambiental são parte desse quadro.”
E dividiu a sua
vivência cotidiana como educadora pública para mostrar como essas desigualdades
se expressam concretamente na vida de crianças e famílias.
“Como educadora, vejo todos os dias o impacto dessas
desigualdades nas crianças, nas famílias e nas escolas.”
Presidenta da COMATER e integrante da Direção
Estadual do MST, Nivalda Alves, assentada da Reforma
Agrária, presidenta de cooperativa e militante do MST, foi marcada por um
testemunho pessoal profundamente politizado. A assentada articulou a vivência
concreta nos territórios com uma crítica sistêmica ao modelo de desenvolvimento
capitalista.
Logo no início, Nivalda
expressou solidariedade à dirigente estadual do setor de gênero do MST, Dra.
Manuela Martins da Costa Aquino, a qual não pode comparecer por estar hospitalizada,
devido a um quadro de dengue. Com sensibilidade e firmeza, a dirigente do MST
falou também em nome da companheira, reafirmando o caráter coletivo e orgânico
de sua militância.
“Antes de tudo, quero me desculpar e dizer que hoje quem
deveria estar aqui era nossa companheira Dra. Manuela, dirigente estadual do
setor de gênero do MST. Ela está internada em uma UTI. Desejo, de coração,
força e pronta recuperação, para que logo esteja novamente conosco. Trago aqui
também a fala que ela faria, reforçando o caráter coletivo e orgânico do nosso
movimento.”
Crise estrutural do
capital e destruição ambiental
Na sequência, Nivalda contextualizou a crise climática como parte de uma crise estrutural do capitalismo, cuja lógica extrativista
e predatória está diretamente relacionada à destruição ambiental. Jesus denunciou
o avanço da devastação em todos os biomas, destacando o agravamento dos eventos
extremos e seus efeitos desiguais sobre os povos do campo, da floresta e das
águas.
“Vivemos um momento decisivo para as questões ambientais
no mundo. Estamos diante de uma crise estrutural do capital, que avança de
forma cada vez mais extrativista e predatória sobre os bens comuns da natureza.
Essa crise ambiental é acelerada ano após ano, em todos os biomas. Os eventos
climáticos extremos — secas severas, enchentes, perda de biodiversidade, crise
hídrica, queimadas — são cada vez mais frequentes e atingem com mais
intensidade os povos do campo, da floresta e das águas.”
A presidenta da
COMATER apresentou dados do MapBiomas onde evidenciou que o agronegócio,
especialmente a agropecuária, é o principal responsável pela destruição
ambiental no Brasil — com destaque para o avanço sobre o Cerrado, que pela
primeira vez ultrapassou a Amazônia em áreas desmatadas.
“Segundo o MapBiomas, os dois maiores biomas do Brasil —
Amazônia e Cerrado — somam mais de 85% do desmatamento nacional. E, pela
primeira vez, o Cerrado ultrapassou a Amazônia em áreas devastadas, pressionado
principalmente pela agropecuária, que responde por 97% da destruição.”
Os efeitos concretos
da crise nos assentamentos
Trazendo a discussão para o chão da realidade, Nivalda descreveu o impacto
direto das mudanças climáticas nos assentamentos da Reforma Agrária,
especialmente na agricultura familiar e na segurança hídrica e comparou o
passado — em que o calendário agrícola era previsível — com o presente de
instabilidade e perdas.
“Nos acampamentos e assentamentos de Reforma Agrária,
sentimos diariamente os impactos dessa crise. A mudança no regime de chuvas e a
prolongação de períodos de seca dificultam a produção e o acesso à água. Já não
sabemos mais o momento certo de plantar, de colher. O que antes era previsível,
hoje é instável e arriscado. Quero lembrar uma coisa: estamos em junho. Meu pai
dizia: ‘No mês de março, vamos plantar milho para comer assado na fogueira em
junho.’ Mas hoje isso não é mais possível. O clima não permite mais que a gente
siga o mesmo calendário.”
Indo além da teoria
acadêmica, Nivalda relatou a sua própria perda na última safra, causada por
queimadas, e destacou como essa realidade afeta milhares de trabalhadores e
trabalhadoras da agricultura familiar.
“No ano passado, perdi toda a minha produção por causa
das queimadas. O fogo chegou perto da minha casa. Eu senti na pele o que muitos
e muitas trabalhadoras e trabalhadores da agricultura familiar vêm enfrentando
com a intensificação da degradação ambiental.”
Capital verde e as falsas
soluções de mercado
Nivalda ainda denunciou o “capital verde”, que tenta lucrar com a crise ambiental
sem atacar suas causas e rejeitou as soluções de mercado que transformam
devastação em oportunidade financeira, sem mudar a lógica estrutural de
destruição.
“Diante desse cenário, o próprio capital tenta criar uma
nova forma de acumulação com o que chamam de capital verde — um modelo de
mercado que transforma a crise em lucro, sem enfrentar as causas estruturais.”
E propôs, em
contrapartida, soluções baseadas na agroecologia, na Reforma Agrária Popular e
na organização social de base territorial.
“Precisamos de uma política que enfrente o problema real,
identifique os responsáveis e aponte soluções concretas. E essas soluções devem
vir da agroecologia, da Reforma Agrária Popular, da organização popular no
território. A crise climática é também uma frente de batalha ideológica.
Precisamos disputar as narrativas, mostrar que somos nós, camponeses e
camponesas, quem verdadeiramente produz alimento saudável, preserva a terra e
cuida das nascentes.”
Reforma agrária
popular e plantio de árvores
Reafirmando o compromisso do MST com o meio ambiente, Nivalda Alves resgatou o
simbolismo da data e contrapôs a lógica punitiva e culpabilizante da “educação
ambiental para os pobres” com a denúncia da desigualdade estrutural no acesso à
água e ao saneamento.
“Hoje, dia 5 de junho, data em que o Brasil se prepara
para sediar a COP 30, reafirmamos nosso compromisso com o meio ambiente, com a
agroecologia e com o povo.A crise não afeta a todos da mesma forma. Existem dois
povos que sofrem mais: o povo da periferia e o povo do campo.Quando dizem
‘fechem a torneira para escovar os dentes’, eu pergunto: ‘E quem não tem nem
torneira em casa? Quem precisa caminhar com um balde na mão para buscar água
longe de casa?’”
Investimento para
cumprir metas populares
Nivalda ainda fez uma demanda concreta: investimento público direto nas
iniciativas populares que verdadeiramente protegem o meio ambiente. E lembrou do
compromisso do MST de plantar 100 milhões de árvores em 10 anos, mas apontou
que sem financiamento, metas e promessas se tornam inviáveis.
“O MST assumiu o compromisso de plantar 100 milhões de
árvores em 10 anos. Mas isso exige investimento. Sem orçamento público, não
conseguimos fazer o que precisa ser feito. Por isso, defendemos que os recursos
públicos sejam canalizados para quem realmente cuida da terra, para as
cooperativas, para os assentamentos, para os povos tradicionais. Só assim
teremos condições de enfrentar a crise.”
Já no final, em nome da
Cooperativa Mãos da Terra, do Assentamento Mário Lago, da direção regional do
MST e de tantas mulheres assentadas, Jesus afirmou que
“A solução para a crise climática passa pela Reforma Agrária Popular, pelo plantio de árvores, pela produção agroecológica e pelo respeito à vida dos povos do campo.”
E finalizou fazendo menção à
ministra Marina Silva, a qual foi brutalmente
agredida por parlamentares da extrema-direita, ligados ao agronegócio.
Em sua fala, a vereadora Judeti Zilli (PT), representante do Coletivo
Popular Judeti Zilli, ressaltou que os dados sobre a crise climática já são
amplamente conhecidos e que o que falta é articulação coletiva e vontade
institucional para transformá-los em políticas públicas.
“Depois de tudo o que foi falado até aqui — por
especialistas e militantes —, acho que os grandes problemas que nos afetam já
foram bem apresentados. Por isso, quero reforçar que o que farei agora é mais
um chamado político, porque sabemos que os dados estão aí, e a ação precisa vir
da articulação e da vontade política e coletiva.”
Judeti apontou que o
enfrentamento à emergência climática exige transformações profundas nos modos
de produção, consumo e na própria concepção de desenvolvimento.
“Estamos falando de um processo que exige mudança
cultural, educacional, econômica e institucional, com intervenções urgentes nas
formas de produção, de consumo e nas próprias noções de desenvolvimento que nos
trouxeram até esse ponto de colapso ambiental.Falar da emergência climática é
falar da vida de todos os seres vivos
do planeta — e, principalmente, da sobrevivência do próprio ser humano.”
A vereadora rememorou a Eco-92, ocorrida
há mais de três décadas, para evidenciar a estagnação política e a repetição de
debates sem implementação efetiva de mudanças. Essa lembrança serve como
metáfora da frustração geracional diante da inércia institucional.
“Durante minha fala, me veio à mente a lembrança da
Eco-92, realizada há 33 anos, no Rio de Janeiro — uma conferência que mobilizou
o país e propôs cuidados básicos com o planeta. E aí nos perguntamos: ‘O que
foi feito desde então?’”
E lembrou que os
avanços foram mínimos, especialmente por causa do poder do capital que ainda
comanda as decisões políticas e econômicas, colocando o lucro acima da vida.
“Desde as ações individuais até as responsabilidades dos
governos e da economia, houve pouco ou nenhum avanço real. As mudanças
efetivas, todos sabemos, só serão possíveis com o envolvimento da coletividade,
e com enfrentamento ao poder do capital, que ainda privilegia o lucro acima de
toda e qualquer política pública voltada à vida.”
Judeti denunciou a sistemática negação orçamentária
à pauta ambiental no município de Ribeirão Preto e destacou que, mesmo com
emendas propostas ao Plano Plurianual (PPA), à LDO e à LOA, todas foram vetadas
pelo executivo municipal.
“Quero destacar, com preocupação, a ausência quase total
de investimentos em políticas públicas ambientais em Ribeirão Preto. Faz cinco
anos que o nosso mandato do Coletivo Popular está nesta casa legislativa, e
todos os anos enfrentamos a mesma luta inglória: mesmo quando conseguimos
incluir emendas no Plano Plurianual (PPA), na Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) ou na Lei Orçamentária Anual (LOA), o governo municipal veta tudo. É
inviável conseguir um recurso mínimo. A quantidade de investimento é
vexatória.”
Diante disso, a vereadora
afirmou que o papel do seu mandato tem sido manter as pautas vivas na agenda
pública, resistindo com apoio da sociedade civil.
“O que sobra para nós é a resistência — com base na
articulação com a sociedade civil — para garantir, ao menos, a permanência das
pautas ambientais na agenda pública.”
Judeti ainda destacou a educação ambiental como eixo estratégico de
transformação, mas criticou o descompromisso da gestão municipal com a área.
Afirmou que a escola, sozinha, não dá conta e que é preciso ampliar a atuação
educativa para outros espaços comunitários.
“Estamos em meio a uma emergência climática, e a educação
ambiental é uma das ferramentas mais potentes que temos para transformações
reais. Mas sabemos também que o governo municipal não prioriza essa área, e que
a escola sozinha não dá conta. Por isso, defendemos que a educação ambiental
seja construída também no território, nos grupos organizados, nas igrejas, nas
associações de bairro, nos coletivos culturais. Porque é nesses espaços que a transformação
social se inicia.”
Zilli informou que o
mandato protocolou, nesta semana, um novo projeto de lei que propõe uma
política municipal voltada à conscientização sobre a limpeza
urbana e o gerenciamento de resíduos sólidos.
“Apresentamos, ao longo desses quatro anos, diversos
projetos voltados à educação ambiental nas escolas e nas comunidades. E nesta
semana, protocolamos um novo projeto, que institui a Política Municipal de
Conscientização e Respeito à Limpeza Urbana e ao Gerenciamento de Resíduos
Sólidos em Ribeirão Preto.”
O abandono e acúmulo de lixo em terrenos baldios e áreas públicas também foi
pauta de fala da vereadora. A professora lembrou que essa questão não pode ser
reduzida a falhas culturais ou individuais, mas deve ser enfrentada como problema estrutural de gestão pública.
“Quero compartilhar um problema que atinge quase todas as
cidades médias e grandes: a disposição irregular de resíduos sólidos, inclusive
orgânicos, em terrenos públicos ou privados abandonados. Isso tem gerado
proliferação de vetores, degradação ambiental e problemas de saúde pública. Mesmo
quando a prefeitura realiza a limpeza, em poucos dias o lixo volta ao mesmo
local. São galhos, móveis velhos, animais mortos, lixo doméstico. Isso não pode
continuar sendo tratado como um problema ‘cultural’ ou individual. É um
problema de gestão pública e ausência de política estruturada.”
E encerrou a sua fala com um convite direto à participação popular organizada,
lembrando da audiência pública marcada para o dia 24 de junho, quando o governo
municipal apresentará os resultados parciais da Política Municipal Ambiental. E
propôs que esse seja um momento estratégico para mobilização e cobrança.
“O nosso trabalho não é isolado. Ele só faz sentido com a
participação popular organizada. Precisamos construir um movimento ambiental
forte em Ribeirão Preto, que atue na formulação, na fiscalização e na cobrança
de políticas públicas. Quero destacar que, no próximo dia 24 de junho, às 18h,
nesta mesma casa, o governo municipal apresentará à sociedade o que foi
construído até agora na Política Municipal Ambiental. Esse será um momento
estratégico para estarmos juntos e cobrarmos avanços concretos.”
Após as falas dos presentes na
mesa de debates, abriu-se espaço para falas do público presente. Patrícia, Iyakekerê da Casa de Umbanda
Fé e Luz, em sua fala, pediu licença aos ancestrais e à comunidade religiosa
para tratar de um tema que, segundo ela, é também espiritual e afirmou que
“no Candomblé e na Umbanda, a natureza não é um
recurso, mas sim a própria manifestação do sagrado”,
E estabeleceu uma ruptura
conceitual com o paradigma capitalista, que transforma a natureza em
mercadoria. A Iyakekerê lembrou que a visão espiritual e cosmológica compreende
os elementos naturais — “rios, florestas, montanhas, ventos” — como expressões
diretas dos orixás, entidades divinas
que habitam e se manifestam na Terra.
“No Candomblé e na Umbanda a natureza não é um
recurso, mas sim a própria manifestação do sagrado. Os rios, as florestas, montanhas,
ventos e outros elementos são considerados manifestação dos orixás.”
E reafirmou o vínculo pela citação
de um provérbio tradicional iorubá cuja
explicação revela que as folhas
sagradas são indispensáveis à liturgia dos terreiros,lembrando que a devastação ambiental, portanto, não compromete
apenas o meio ambiente, mas afeta
diretamente a prática da fé afro-brasileira.
“Sem folha, não há orixá” (ko ewé, ko sí orixá). A expressão ‘sem folha não há orixá’
enfatiza a importância das folhas sagradas para a prática da religião e para a
manifestação dos orixás.”
Em seguida, Patrícia apresentou o
cotidiano do terreiro como exemplo de ecologia
prática e espiritual e descreveu como as oferendas religiosas são
cuidadosamente pensadas para não agredir o ambiente, priorizando materiais
biodegradáveis e orgânicos, como frutas, folhas e flores, reafirmando que a sustentabilidade não é uma moda, mas
sim um fundamento espiritual presente desde os ensinamentos dos mais velhos.
“Nas oferendas realizadas pela Casa de Umbanda Fé e
Luz, sempre pensamos em utilizar materiais que não agridem o meio ambiente e,
principalmente, sejam biodegradáveis. Utilizamos frutas, flores, comidas,
folhas e outros elementos que já são da natureza e, quando retornarem a esta,
serão integrados sem agredir o meio ambiente.”
Patrícia também reforçou que esse
cuidado não é algo novo, mas parte de uma sabedoria ancestral transmitida pelas
lideranças religiosas que vieram antes. É uma espiritualidade ecológica, onde a preservação da natureza é
condição para a continuidade da própria fé.
“Assim conseguimos respeitar a nossa fé e o próprio
meio ambiente.”
Em sua parte final, a Iyakekerê denunciou
o avanço da urbanização predatória, da degradação ambiental e das ameaças ao
equilíbrio dos ecossistemas, apontando a urgência de repensar as atitudes
individuais e coletivas diante da crise climática.
“O crescimento urbano, o aumento da degradação
ambiental e o comprometimento do ecossistema exigem mudança das nossas
atitudes.”
E propôs que os saberes dos povos
africanos e afro-brasileiros sejam compreendidos como ferramentas
contemporâneas para a construção de alternativas
sustentáveis, reafirmando a atualidade dos conhecimentos ancestrais.
“Podemos utilizar como exemplo as práticas
ancestrais dos povos africanos para a convivência equilibrada com a natureza.”
Ainda na fala aberta
ao público, Reinaldo Romero, integrante da Associação Cultural e Ecológica Pau Brasil
e da ONG Tá com calor, plante árvores”, logo no início marcou sua posição ao responsabilizar
os usineiros do setor sucroalcooleiro
como os principais agentes da degradação ambiental em São Paulo, sobretudo
pelas queimadas de cana-de-açúcar, que
marcaram negativamente a paisagem e a saúde da população de Ribeirão Preto nas
décadas de 1990 e 2000.
“Ao longo desses 37 anos, enfrentamos muitas lutas, mas a
maior de todas foi contra os maiores degradadores ambientais de São Paulo: os
usineiros. Eles são os responsáveis pelo maior desmatamento no estado e por um
dos piores tipos de poluição já vividos aqui: as queimadas de cana.”
Romero narrou como a
mobilização ambiental conquistou a proibição gradual das queimadas, firmada em
protocolo com o Ministério Público e o governo estadual — embora o setor tenha
evitado reconhecer publicamente sua responsabilidade.
“A proibição das queimadas está registrada não como um
‘acordo’, mas como um ‘protocolo’. Isso porque os usineiros não quiseram
assumir publicamente que foram obrigados a parar de queimar. Os usineiros são
os maiores responsáveis por tudo que estamos passando hoje em relação à questão
climática.”
E reforçou que a
conta do reflorestamento não deve ser paga com recursos públicos, mas pelos
próprios causadores do dano.
“A conta do reflorestamento não deve ser paga pelo poder
público — estadual, municipal ou federal —, mas pelos usineiros.”
Romero ainda citou as
lutas da Pau Brasil pela criação de parques urbanos e pela sua contribuição
para a chegada do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na região,
destacando sua atuação agroecológica como alternativa concreta ao modelo
destrutivo do agronegócio.
“A Pau Brasil também atuou para trazer o MST para nossa
região, por meio de um documento técnico que permitiu que o movimento se
fixasse na Fazenda da Barra, uma área de recarga do Aquífero Guarani. O MST
mostra, na prática, que é possível produzir em larga escala com agrofloresta e
agroecologia, sem veneno.”
O ativista também ressaltou
o trabalho da ONG “Tá com calor? Plante árvores!”. Sua crítica se voltou contra
ações superficiais da prefeitura e sua exclusão da participação popular nos
plantios.
“Com isso, mostramos que não são necessários bilhões para
plantar árvores. O que se precisa é de boa vontade e de comunidade unida. Plantar
árvore é com e para o outro. Não é só a prefeitura sair com caminhão fazendo
oba-oba.”
E denunciou que,
mesmo com estudos técnicos prontos, o Plano Diretor de Arborização
Urbana nunca saiu do papel, apesar das ações e petições
promovidas pela sociedade civil.
“Fizemos uma petição pública, e no último 21 de setembro
de 2023, lançamos uma nova ação — cujo abaixo-assinado ainda está em
andamento.”
Romero ainda antecipou
o lançamento de uma nova petição pública,
reivindicando o congelamento das extrações de árvores, a revisão da lei de
compensação e o aumento das multas e do tempo de cuidado com a árvore
compensatória.
“Atualmente, a compensação não compensa.”
O especialista ainda
recusou a separação entre crise social e crise ambiental,e lembrou a existência
de mais de 100 favelas em Ribeirão Preto e a ausência de saneamento básico no
assentamento do MST.
“Eu não desassocio a questão social da ambiental. Elas
estão unidas. O próprio assentamento do MST não tem até hoje rede de água e
esgoto, porque a prefeitura não implantou. Isso precisa ser enfrentado.”
Na parta final de sua fala, Romero fez um apelo enfático por
um Plano de Emergência
Climática municipal, que vá além dos estudos e se traduza em ações imediatas, como equipar
a Defesa Civil e estruturar medidas concretas de resposta aos desastres.
“Mesmo antes de o plano estar pronto, é possível tomar
medidas imediatas, como investir na Defesa Civil, contratar mais profissionais,
comprar botes de salvamento. Porque é isso que vai ser necessário diante das
emergências. O plano é bonito, mas, muitas vezes, os planos são feitos e não
executados.”
Sua última frase ainda
retomou a centralidade da árvore como símbolo de ação
concreta, contra o colapso climático.
“É preciso plantar. A árvore é o ator principal no
enfrentamento às emergências climáticas. As outras ações também são
importantes, mas sem árvores, não há futuro.”
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