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terça-feira, 12 de abril de 2016

MUITA GENTE... BASTANTE SOLIDÃO - Por Padre Chico



O que não falta nas cidades grandes é gente! Mais diretamente constatamos isso, por exemplo, quando nos dirigimos ao trabalho através de transporte público, quando enfrentamos longas filas nos bancos ao pagar as contas, quando empurramos nossas compras dentro do carrinho para passar pelo caixa do supermercado.

Entretanto, chama cada vez mais atenção o número crescente de cidadãos urbanos sentindo amargura por ter que vivenciar uma existência marcada pela solidão.

Eu gostaria de ilustrar esse fenômeno me referindo a algo fazendo parte da própria prática pastoral. Na verdade, nos últimos tempos sou procurado por repetidas vezes para benzer no velório o corpo de pessoas que acabaram morrendo totalmente sozinhas. Às vezes são encontradas após vários dias de seu falecimento! Ainda a semana passada aconteceu com Tia Lucinda (69), que nas paróquias Senhor Bom Jesus da Lapa e Santa Teresinha do Menino Jesus era carinhosamente considerada como uma ‘versão ribeirãopretana’ da Madre Tereza de Calcutá por ter abrigado em sua humilde casinha diariamente, aliás, durante vários anos, crianças pequenas, geralmente filhos de mães solteiras morando na mesma região das ‘sete curvas’ – Vila Albertina, à beira da desativada linha ferroviária – permitindo assim que as mesmas iam trabalhar tranqüilas.

Um motorista de táxi a encontrou após 48 horas agonizando no mais absoluto abandono. Depois de ter levado Lucinda para um hospital, aí ela logo foi encaminhada pelos anjos para o céu!

Escutamos também com freqüência que grandes parcelas do povo habitando de forma bastante amontoada, seja horizontalmente (especialmente nas COHAB’s ou em simples condomínios) seja verticalmente (conjuntos do tipo Jardim das Pedras, João Rossi e Delboux), se defrontam com essa realidade paradoxal. De fato, vizinhos de longa data, nem se olhando ou trocando um cumprimento relâmpago, nada sabem sobre suas recíprocas vidas. Ainda podemos apontar para o mundo do trabalho, onde, sobretudo, em grandes empresas ou instituições com elevado número de funcionários, o relacionamento humano é caracterizado por total ausência de conhecimento mútuo. Colegas alheios àquilo que o outro sente e pensa, pois trabalhando lado a lado como ‘estranhos’!





Ajudando-me a recordar uma obra relacionada à psicologia humana com a qual nunca mais tive aproximação nas últimas décadas, um amigo me emprestou recentemente uma apostilha resumindo a logoterapia elaborada por Viktor Frankl (1905-1997). Escritor e psiquiatra profundamente marcado pela experiência de ter sido prisioneiro em campos de concentração na 2ª Guerra Mundial onde seres humanos eram tratados de modo pior do que se fossem animais, ele se viu reduzido aos limites entre o ser e o não-ser. Exceto sua irmã, a família inteira morreu nesse inferno, enquanto ele mesmo esperava a cada momento sua própria exterminação final. Como compreender a sua sensibilidade conseguindo em tais circunstâncias encarar a vida como algo que valeu a pena ser preservada?

Para os profissionais da área é impossível evitar a comparação entre os enfoques terapêutico e teórico de Frankl e o trabalho do seu predecessor Sigmund Freud, já que os dois se preocuparam basicamente com a natureza e a cura das neuroses. Freud encontra a raiz destas desordens angustiantes na ansiedade causada por motivos inconscientes e conflitantes. Frankl distingue várias formas de neurose e atribui algumas delas, especialmente as orgânicas, à incapacidade de encontrar um significado e um sentido de responsabilidade em sua existência. Freud acentua as frustrações da vida sexual; Frankl a frustração do desejo de sentido e significado.

Na Europa, recentemente, há uma tendência a um distanciamento de Freud e a uma aproximação da análise existencial, que assume várias formas, entre elas a escola de logoterapia (“logos” em grego conforme o contexto = “sentido”; logoterapia pela 3ª Escola Vienense de Psicoterapia concentra-se no sentido da existência humana, bem como na busca da pessoa por este sentido)

Concluindo, faço duas perguntas:

- ‘Um dos principais motivos pelos quais isso está acontecendo no Velho Continente, não é a excessiva adesão ao materialismo, ao individualismo e ao hedonismo, sendo acompanhado pelas estatísticas mais altas do mundo referente ao suicídio juvenil?’

- ‘Onde há concentração maciça de gente, a queda no anonimato - de maneira mais expressiva em contextos de velhice, sofrimento e enfermidade grave - não representa um dos maiores desafios à humanidade contemporânea?’


Tia Lucinda e tantos outros semelhantes nossos me parecem estar subscrevendo este questionamento?!

Padre Chico Vanneron é pároco da Igreja Santa Terezinha e capelão dos movimentos sociais de Ribeirão Preto.

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