O
que não falta nas cidades grandes é gente! Mais diretamente constatamos isso,
por exemplo, quando nos dirigimos ao trabalho através de transporte público,
quando enfrentamos longas filas nos bancos ao pagar as contas, quando
empurramos nossas compras dentro do carrinho para passar pelo caixa do
supermercado.
Entretanto,
chama cada vez mais atenção o número crescente de cidadãos urbanos sentindo
amargura por ter que vivenciar uma existência marcada pela solidão.
Eu
gostaria de ilustrar esse fenômeno me referindo a algo fazendo parte da própria
prática pastoral. Na verdade, nos últimos tempos sou procurado por repetidas
vezes para benzer no velório o corpo de pessoas que acabaram morrendo
totalmente sozinhas. Às vezes são encontradas após vários dias de seu
falecimento! Ainda a semana passada aconteceu com Tia Lucinda (69), que nas
paróquias Senhor Bom Jesus da Lapa e Santa Teresinha do Menino Jesus era
carinhosamente considerada como uma ‘versão ribeirãopretana’ da Madre Tereza de
Calcutá por ter abrigado em sua humilde casinha diariamente, aliás, durante
vários anos, crianças pequenas, geralmente filhos de mães solteiras morando na mesma
região das ‘sete curvas’ – Vila Albertina, à beira da desativada linha
ferroviária – permitindo assim que as mesmas iam trabalhar tranqüilas.
Um
motorista de táxi a encontrou após 48 horas agonizando no mais absoluto
abandono. Depois de ter levado Lucinda para um hospital, aí ela logo foi
encaminhada pelos anjos para o céu!
Escutamos
também com freqüência que grandes parcelas do povo habitando de forma bastante
amontoada, seja horizontalmente (especialmente nas COHAB’s ou em simples
condomínios) seja verticalmente (conjuntos do tipo Jardim das Pedras, João
Rossi e Delboux), se defrontam com essa realidade paradoxal. De fato, vizinhos
de longa data, nem se olhando ou trocando um cumprimento relâmpago, nada sabem
sobre suas recíprocas vidas. Ainda podemos apontar para o mundo do trabalho,
onde, sobretudo, em grandes empresas ou instituições com elevado número de
funcionários, o relacionamento humano é caracterizado por total ausência de
conhecimento mútuo. Colegas alheios àquilo que o outro sente e pensa, pois
trabalhando lado a lado como ‘estranhos’!
Ajudando-me
a recordar uma obra relacionada à psicologia humana com a qual nunca mais tive
aproximação nas últimas décadas, um amigo me emprestou recentemente uma
apostilha resumindo a logoterapia
elaborada por Viktor Frankl (1905-1997). Escritor e psiquiatra profundamente
marcado pela experiência de ter sido prisioneiro em campos de concentração na
2ª Guerra Mundial onde seres humanos eram tratados de modo pior do que se
fossem animais, ele se viu reduzido aos limites entre o ser e o não-ser. Exceto
sua irmã, a família inteira morreu nesse inferno, enquanto ele mesmo esperava a
cada momento sua própria exterminação final. Como compreender a sua
sensibilidade conseguindo em tais circunstâncias encarar a vida como algo que
valeu a pena ser preservada?
Para
os profissionais da área é impossível evitar a comparação entre os enfoques
terapêutico e teórico de Frankl e o trabalho do seu predecessor Sigmund Freud,
já que os dois se preocuparam basicamente com a natureza e a cura das neuroses.
Freud encontra a raiz destas desordens angustiantes na ansiedade causada por
motivos inconscientes e conflitantes. Frankl distingue várias formas de neurose
e atribui algumas delas, especialmente as orgânicas, à incapacidade de
encontrar um significado e um sentido de responsabilidade em sua existência.
Freud acentua as frustrações da vida sexual; Frankl a frustração do desejo de
sentido e significado.
Na
Europa, recentemente, há uma tendência a um distanciamento de Freud e a uma
aproximação da análise existencial, que assume várias formas, entre elas a
escola de logoterapia (“logos” em
grego conforme o contexto = “sentido”; logoterapia pela 3ª Escola Vienense de
Psicoterapia concentra-se no sentido da existência humana, bem como na busca da
pessoa por este sentido)
Concluindo,
faço duas perguntas:
-
‘Um dos principais motivos pelos quais isso está acontecendo no Velho
Continente, não é a excessiva adesão ao materialismo, ao individualismo e ao
hedonismo, sendo acompanhado pelas estatísticas mais altas do mundo referente
ao suicídio juvenil?’
-
‘Onde há concentração maciça de gente, a queda no anonimato - de maneira mais
expressiva em contextos de velhice, sofrimento e enfermidade grave - não
representa um dos maiores desafios à humanidade contemporânea?’
Tia
Lucinda e tantos outros semelhantes nossos me parecem estar subscrevendo este
questionamento?!
Padre Chico Vanneron é pároco da Igreja Santa Terezinha e capelão dos movimentos sociais de Ribeirão Preto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário