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domingo, 10 de fevereiro de 2019

Os últimos 39 anos (e os próximos...)

A Carta Cidadã
O agora

Vivemos, certamente, um dos momentos mais difíceis da nossa história. 

Um momento grave, de recuo da narrativa dos direitos humanos e de resistência, ainda débil, ao avanço do obscurantismo.

No mundo, vozes estranhas ganham força, permeadas de belicismo, de xenofobia, de intolerância e de culto à ignorância. Avançam sobre os trabalhadores os interesses do grande capital e avançam sobre as democracias os interesses extremistas. Juntos, aliados.

A concertação do pós-guerra, no ocidente, dá sinais de esgotamento. Se desestrutura como o antigo leste comunista.

O Estado de Bem-Estar Social desaba diante do neoliberalismo que impera há 3 décadas.


Os interesses no meta capital predominam, as organizações dos acordos de Bretton-Woods se tornaram suas protetoras. O Consenso de Washington virou dogma e a autonomia dos Estados nacionais diminuiu.

A economia real perde espaço ao financismo e a um mercado cada vez mais oligopolizado. 

O extremismo de direita ocupa o vazio afirmando-se 'anti-sistema' e ameaçando as democracias.

Culpam-se os imigrantes das guerras e da fome pela fome, pelas guerras e pelas angústias.

As organizações de trabalhadores e os movimentos sociais são atacados, inclusive juridicamente.

A União Europeia afunda.

A ONU e a Declaração Universal dos Direitos Humanos estão em crise.

Os EUA, em guerra.

A América Latina, na balança. 

Rússia e China se preparam.

A concentração de renda é gigantesca e cresce. 26 bilionários detém mais do que 4 bilhões de pessoas.

O pobreza, cresce. O desemprego, cresce. A precarização do trabalho, cresce. A violência, cresce. 

Os direitos (humanos), minguam. 

A proteção social, míngua. 

Nesse mundo estranho, a voz progressista é a de um Papa. Francisco. Francisco contra a pobreza. Francisco contra as guerras. Francisco pelos direitos e pelos humanos, todos.

Mas é pouco. A crise do pós-guerra é a fresta por onde o extremismo antidemocrático penetra.

No Brasil, a voz que se ouviu das urnas foi a da extrema direita. 

Voz que surgiu em 2013, ganhou força no golpe de 2014, incomodou em 2016 e bradou em 2018.

O 'bolsonarismo' é o anti-sistema. 

Quem o criou está desaparecendo consumido por sua própria imoralidade e pequenez. O PSDB.

É fim do pacto político do final da última ditadura, em 1985, e que construiu a Carta constitucional de 1988. 

Mais uma vez o Brasil esgota um período democrático em mais um embate entre um esboço de projeto nacional de desenvolvimento com inclusão social e o histórico projeto de dependência elitista, mergulhando-nos nas sombras do imponderável.

O PT

Há 39 anos nascia o Partido dos Trabalhadores. Unindo metalúrgicos, militantes católicos de base, trabalhadores rurais sem terra, intelectuais, artistas e Lula.

Era a reorganização do campo de esquerda pós-ditadura. Um olhar diferente sobre as experiências do passado, do marxismo-leninismo, do stalinismo e do Trabalhismo (todos profundamente castigados pela repressão da ditadura).

Era a vez do socialismo democrático, reformista, popular, republicano. anti-patrimonialista e anti-clientelista.

Uma força nova, fruto da conjuntura, fruto da realidade concreta daquele momento histórico, de narrativa contundente e irresistível. Com uma liderança popular real, carismática, simbólica e competente.
O ódio das elites foi rápido.

O PT se enraizou na sociedade. Representou o sonho e a luta de uma geração.

Participou do surgimento de uma central sindical, a CUT, viu nascer o MST, apoiou as comunidades católicas de base, militou nas associações de bairro e em todos os demais movimentos, administrou Prefeituras, Estados e o Brasil.

Apesar de ter mantido olhares desconfiados para a concertação política que Tancredo, Ulisses e o 'Centrão' costuravam, esteve presente nas lutas. Nas "Diretas, já!" e pelo fim da ditadura.

Foi o alvo principal do reacionarismo na quase vitoriosa eleição presidencial de 1989. Momento em que o principal contraponto à esquerda e aliado em momentos estratégicos, o histórico e trabalhista Leonel Brizola, iniciava sua perda de protagonismo.

Na constituinte, o PT também se manteve desconfiado das artimanhas do 'Centrão'. Mas, não só assinou a Carta como foi o partido, em suas administrações e nas atuações parlamentares, que mais defendeu os preceitos da Constituição de 1988, principalmente os do artigo 6o:

São direitos sociais:
a educação, a saúde, a alimentação (acrescentado em 2010), o trabalho, a moradia (acrescentado em 2000), o transporte (acrescentado em 2015), o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.

A Constituição de 1988 aponta claramente para um conjunto de direitos humanos e para um Estado de Bem-Estar Social no Brasil. 

E o PT se tornou o seu maior defensor e símbolo.

Por essa razão, a Constituição foi tão ameaçada de esquartejamento pelos governos neoliberais de FHC e de Temer. Assim como está sendo afrontada duramente pela atual aliança entre lavajatenses, bolsonaristas e ultraliberais. E o alvo conjunto desse avanço foi e é o PT.

Ao buscar regulamentar o artigo 6o da Constituição, criando políticas públicas de distribuição de renda e inclusão social, associado à descoberta e nacionalização do pré-sal, os governos do PT, de Lula e Dilma, se tornaram inimigos da elite entreguista e dos interesses estrangeiros.

Foram 12 anos de geração de emprego, de renda e de inclusão social.

Um legado inapagável. 

O PT foi retirado do poder em 2014 e transformado, junto com sua maior liderança, em alvo dos reacionários por seus acertos e não por seus erros. 

Mas houve erros e eles contribuíram para o golpe.


O "presidencialismo de coalizão"

A concertação política do pós-ditadura foi quem construiu o tal "presidencialismo de coalizão". Era o momento histórico de um parlamento forte (com Ulisses) e de um executivo fraco (com Sarney). A Constituição de 1988 e a chamada "Nova República" refletiram isso.

O MDB e a Arena, os partidos oficiais da ditadura, se transformaram no centro fiador da política. Se tornaram o alicerce da base parlamentar tanto do PSDB quanto do PT, não importando que um projeto fosse neoliberal e o outro de perfil mais social e popular.

O PFL e o PMDB foram a base dos governos FHC, do PSDB, nos anos 1990.

O PMDB e o novo 'centrão' (PPR, PL, PTB, PP e afins) foram a base parlamentar dos governos Lula e Dilma, do PT.

Assim foi construída a Nova República. Fisiologismo com financiamento empresarial de campanhas.

Assim se governou, pragmaticamente, de 1990 até hoje.

E o PT, assim como todos os demais partidos em todas as esferas administrativas, governou dentro das 'regras' da "Nova República", dividindo nacos de poder para governar.

Mas, é sempre mais fácil enxergar e afirmar isso hoje, olhando o passado, que esse foi um dos erros.

Difícil era fazer o mesmo no transcorrer dos acontecimentos. Difícil era ter massa crítica suficiente para, ao mesmo tempo, governar e manter a práxis partidária e militante sem déficit. 

A chegada do PT ao governo central já foi uma façanha dentro da conjuntura de avanço neoliberal. Fazer um governo com desenvolvimento e inclusão social, construindo um legado como o construído, foi outra façanha. 

Subverter as 'regras' da "Nova República", assim como as regras do 'mercado', que o PT conviveu mas não afrontou, talvez fosse um desafio grande demais para a soma das forças progressistas do momento histórico vivido.

O fato é que as contradições e defeitos do "presidencialismo de coalizão" pavimentaram o caminho do golpe contra os governos de Lula e Dilma, o PT e o próprio Lula.

E, talvez, um dos maiores erros estratégicos seja ter levado o PMDB de Temer para dentro da chapa presidencial em 2010.


O pré-sal e a tempestade perfeita

Em 2008, o capitalismo pós Consenso de Washington sofreu sua mais grave crise. Um colapso do financismo, das bolhas econômicas especulativas características do atual momento histórico.

O medicamento receitado foi drástico. Os Estados nacionais salvaram os bancos da falência e a conta a ser paga foi parar no endereço do povo, seja nos países periféricos, seja nos países desenvolvidos.

Os países da UE, por exemplo, contraíram bilhões em empréstimos do Banco Central europeu para dar liquidez aos seus sistemas financeiros enquanto aplicavam os mais restritivos ajustes fiscais internos, cortando benefícios sociais e incentivos para a geração de emprego.

A crise econômica abriu espaço para a crise política e fez crescer os movimentos populistas de direita, principalmente na Europa, contestando a própria UE.

Países como Rússia, China e o Brasil não entraram em recessão imediata porque haviam feito uma poupança interna com a renda dos preços das commodities no mercado internacional e puderam aplicar a velha receita keynesiana de poupar na bonança para investir no contra ciclo na crise.

Foi exatamente o que Lula fez em 2008 e 2009, período em que as agências de risco internacionais elogiavam o Brasil.

Mas o mundo se tornou instável para os donos do capital e a posição de um país periférico como o Brasil, com um governo de caráter social e desenvolvimentista, com as maiores reservas de petróleo descobertas e nacionalizadas, com uma política de inserção internacional via BRICS e com uma liderança política capaz de eleger sua sucessora e se colocar na linha sucessória, não poderia permanecer sem ser contestada.

Estava preparada a tempestade perfeita.

Os descaminhos do "presidencialismo de coalizão" deram o mote perfeito para uma operação jurídico-policial inspirada na operação mãos limpas italiana, com foco seletivo: o PT e Lula. O objetivo era derrubar um governo que poderia, via eleitoral, governar o país até, no mínimo, 2022.

E qual seria o caminho dos governos petistas se quisessem manter o projeto de desenvolvimento com inclusão social e o projeto de inserção no mundo? Seria usar o pré sal para consolidar uma cadeia produtiva de alta tecnologia, estreitar ainda mais as relações com os BRICS e, internamente, realizar uma reforma tributária que desonerasse a produção e o consumo e taxasse a renda e os lucros e dividendos empresariais (principalmente dos bancos).

A cadeia produtiva do pré-sal era um caminho da retomada da industrialização e mais uma fonte de recursos para manter o Estado de Bem-Estar Social.

Algo impensável para o atual cenário do financismo local e internacional.


Junho de 2013

Talvez o maior movimento de rua da história do Brasil.

Aquilo que começou como um protesto contra os aumentos das tarifas urbanas em São Paulo e no Rio, logo se transformou em uma cobrança pública por serviços públicos "padrão FIFA", pela conjuntura pré-Copa de 2014.

O mote das mega concentrações (1 milhão na Paulista, 1 milhão no Rio) era único e novo: a negação da política tradicional.

Os partidos, sindicatos e movimentos sociais presentes foram confrontados e expulsos.

O governo Dilma não conseguia dialogar com lideranças, pois elas eram difusas, assim como a pauta.

Não tardou para que a narrativa anti-corrupção surgisse e dominasse o cenário.

Foi nesse momento que a Globo mudou de opinião sobre o movimento e passou a apoiá-lo, contra o governo do PT.

Fala-se que houve quem propusesse a Dilma a convocação de eleições gerais e até uma constituinte diante de um claro cenário de esgotamento do pacto político pós ditadura.

O que de fato foi feito apenas deu tratamento paliativo a algo grave que estava apenas mostrando a sua face.

A agenda proposta, de uma política nacional de mobilidade urbana, de aumento do Minha Casa Minha Vida, de uma turbinada no excelente Mais Médicos e de um conjunto de medidas de segurança que abriram espaço, infelizmente, para uma lei anti-terrorismo, apenas serviram para empurrar as coisas até a acirrada eleição de 2014.

O fato é que deste episódio surgiriam movimentos de rua com pautas neoliberais, conservadoras e de direita, que se aliaram à mídia e ao campo político oposicionista no processo de impeachment de Dilma Roussef e de perseguição jurídica a Lula.

E, de novo, é mais fácil analisar agora o fato passado, mas , talvez, 2013 tenha sido uma chance desperdiçada pelo PT de ocupar o espaço do anti-sistema, rompendo com as 'regras' da Nova República e propondo uma ampla e irrestrita reforma política, até dentro de uma constituinte. 

Mas isso ficou no passado.


De 2016 a 2018: a extrema direita no poder

Em 2015 uma aliança estratégica se formou: Lava jato, mídia e movimentos de rua.

As propostas econômicas de Joaquim Levy, o Ministro da Fazenda de Dilma, fizeram a Presidente, que havia sido eleita em 2014 com um discurso progressista e à esquerda, perder seu apoio popular e jogou com força os movimentos pró-impeachment nas ruas.

O PT foi transformado no vilão do sistema, no alvo do "anti-sistema" que a essa altura já organizava uma mudança de poder tendo Michel Temer e Aécio Neves como pontas-de-lança políticos.

Enquanto a Lava Jato buscava operar uma mudança nas leis com apoio da grande mídia, com o STF pressionado pelo movimento popular de rua e de redes sociais, Temer e Aécio organizavam um governo neoliberal com o programa Ponte para o Futuro.

A aliança derrubou Dilma, conduziu o PT a uma derrota dolorosa nas eleições de 2016 e prendeu Lula.

Porém, a seletividade do sistema foi incapaz de esconder a verdadeira face de Temer e Aécio, do PMDB e do PSDB. Os moralistas sem moral também foram varridos nas urnas. Aécio conseguiu se livrar da prisão, mas não do vexame moral.

E foi a extrema direita, vista através de Bolsonaro, que ocupou o espaço deixado pelo PSDB, como o anti-sistema e o anti-PT. E em muito foi ajudada por Moro, que depois se tornou ministro da Justiça do governo eleito, e pelos militares.

E hoje vivemos um governo que é a cara do turbilhão que sacudiu o Brasil nos últimos 5 anos. Um governo com 4 vertentes: a militar (que encontrou a via eleitoral para voltar ao poder), a neoliberal ( que toca a agenda do 'mercado'), a obscurantista ( representantes do pensamento trumpista-antiglobalista do astrólogo Olavo de Carvalho mais uma parte dos neopentecostais) e a lavajatense (que busca implantar um Estado persecutório no país). 

Sendo as vertentes militar, neoliberal e lavajatense as mais influentes e poderosas no atual governo.

Especula-se até onde Bolsonaro e seus filhos, com suspeitas de ligações com milícias e com proximidade com a ala obscurantista, conseguirão protagonizar a agenda do governo. Mas tanto os militares, quanto Moro e Paulo Guedes já tocam suas agendas independentemente do Presidente.

As contradições do discurso também turvam o horizonte governista, pois o 'anti-sistema' governa com o DEM e tem no PSL o exemplo límpido de um partido fisiológico perfeitamente adequado ao sistema que se diz combater.

Em resumo, podemos dizer que o atual governo representa um pensamento que pode ser definido assim: aos periféricos, a bala. Aos revoltados, o pau. Às mulheres, o silêncio. Aos diferentes, o manicômio com eletrochoque. Aos professores, a mordaça. Aos idosos, a perfídia. Aos mansos, trabalho, se tiver, sem direitos, até por volta dos 80 anos.

Alguns afirmam ser o governo da desumanização. 


O futuro

A derrota do campo democrático, progressista e de esquerda é real.

Mas não é uma derrota que torna a resistência e a luta impossíveis.

O candidato do PT, Fernando Haddad, conquistou 47 milhões de votos, o PT fez a maior bancada da Câmara Federal e Lula, apesar de toda a perseguição política e judicial que sofre, permanece um líder popular incontestável.

Os sindicatos e movimentos sociais, mesmo atacados e ameaçados de criminalização pelas estruturas atuais de poder, permanecem com a narrativa de luta, principalmente em um cenário de piora no campo social e do trabalho.

A crise do capital tende a se agravar e colocar o mundo em mais instabilidade e risco de guerra.

Mas novos caminhos deverão ser abertos, pontes deverão ser reconectadas, projetos precisarão ser reescritos no Brasil e no mundo.

A luta é contra o capitalismo neoliberal e sua vertente anti-democrática.

No Brasil, um campo da centro esquerda se recusa a encampar a agenda de luta por Lula livre e contesta a liderança do PT.

Outro campo, com força militante dentro do PT e nos movimentos, busca reorganizar a luta apenas dentro do campo da esquerda, limitando as alianças.

Tudo isso é natural de um processo de derrota e precisará ser depurado pelo tempo e pela própria luta.

Mas a história mostra que a superação de períodos não democráticos se faz com alianças democráticas amplas, com projeto e agenda mínimos acordados e definidos. E a história também mostra que lideranças populares com força nacional não se constroem do dia para a noite.

Ao contrário de alguns setores que julgam a agenda Lula superada, pois o povo não se levantou diante da perseguição sofrida pelo líder, a história mostra que legados que tocaram e tocam o coração do povo nunca morrem.

E a injustiça dói e incomoda.

O legado de Lula e o próprio Lula pairam sobre a política inegavelmente e esse instrumento de luta é muito valioso aqui e lá fora.

O tempo e as características desse tempo vivido aproximarão os democratas e os movimentos que lutam por democracia. Uma nova concertação democrática será necessária.

As siglas e nomenclaturas podem ser as mesmas ou não, mas, no momento certo, será preciso unir as experiências de lutas e de avanços obtidos na história da luta popular e democrática, como as experiências do Trabalhismo e a do Petismo, por exemplo.

Afinal, o projeto nacional de desenvolvimento, democrático, popular, com independência e inclusão social nos espera logo ali.


Blog O Calçadão



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