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domingo, 30 de junho de 2019

Muito trabalho, baixos salários, pouco reconhecimento: ser professor no Brasil


Não há exemplo no mundo moderno de país, em qualquer dos cinco continentes, que tenha alcançado certo nível de desenvolvimento econômico e social sem um investimento maciço em seu sistema educacional, propiciando aos seus jovens as oportunidades abertas pelo conhecimento.

E, nesse processo de desenvolvimento em educação, não raras vezes com pesados investimentos públicos, há sempre uma figura central, que ao ser valorizada dentro desse processo, garante o seu sucesso: a figura do professor.

Em 2018 a ONG Varkey Foundation publicou uma lista sobre a valorização do professor em 35 países: China, Rússia, Malásia, Taiwan, Indonésia e Cuba lideram e equivalem a profissão docente à de médicos (com salários e prestígio social semelhantes). Países escandinavos, EUA, Japão, Bélgica, Holanda, Alemanha, Espanha, Portugal, Inglaterra têm a profissão docente, de ensino básico, entre as sete profissões com nível superior mais bem pagas e valorizadas socialmente.

O Brasil está na última colocação da lista, atrás de seus vizinhos sul americanos e ao lado Gana, na África. Por aqui a profissão docente de ensino básico não chega a ser comparada à maioria das profissões de nível superior, nem em salário e nem em prestígio.

Quem é professor, sabe: para se ter um salário médio em torno de 4 mil reais, o professor tem de trabalhar em mais de uma escola, com carga horária acima de 50 aulas semanais, sem tempo de estudo e nem de preparação de aulas. E, cada vez mais, a procura pela profissão afasta os jovens mais talentosos e se torna um "bico" usado como trampolim enquanto não surge algo melhor.

A média salarial de um professor de ensino público municipal e estadual gira em torno de 3 mil reais mensais. E a tensão diante das dificuldades estruturais e do rebaixamento do plano de carreira são cada vez maiores. Além de enfrentarem uma estrutura autoritária imposta de cima para baixo sem canais formais de diálogo e participação.

No ensino particular a situação é ainda pior. Cerca de 60% dos professores não possuem vínculo formal com a escola, trabalhando de forma intermitente sem projeto de médio e longo prazo. A média salarial na esfera particular é ainda mais baixa, de 2500 reais mensais.

Dados INEP 2017

O avanço na legislação não se refletiu na realidade


A Constituição de 1988 e a LDB de 1996 estabeleceram uma base legal de valorização da educação (fundamentalmente a educação pública) e dos profissionais da educação. O Título VI da LDB de 1996 afirma ser direito do profissional da educação um bom plano de carreira, salário digno, formação continuada e participação em gestão democrática. Além disso, a LDB de 1996 incentivou a criação de cursos de licenciatura para garantir o ensino superior para os profissionais da educação básica.

Foi um avanço que apontou um cenário de melhoria da profissão. 

No plano acadêmico, estudos sistemáticos deram sustentação teórica para o trabalho em sala de aula: novas pedagogias, novos caminhos didáticos, formas de avaliação, processos de educação inclusiva etc.

Os Planos Nacionais de Educação estabeleceram metas de valorização da profissão docente. Em 2007, o FUNDEB (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico) previu investimentos para a valorização do salário dos professores. Em 2008 foi estabelecida a Lei do Piso do Magistério, mais um parâmetro legal que aponta a valorização dos professores e demais profissionais da educação.

Mas nada disso logrou êxito na transformação da realidade prática da vida dos professores. Com o modelo neoliberal aplicado desde os anos 1990, Estados e municípios promoveram políticas de enxugamento do Estado no investimento público, e a profissão docente foi um alvo direto.

Êxodo de cérebros nos últimos anos

De 2016 para cá a fuga de cérebros do ramo educacional é recorde. E a procura também é baixa. Isso se reflete em uma crise dos cursos de licenciatura Brasil afora, que não estão conseguindo formar turmas pois não há procura pelos cursos devido à baixa valorização da profissão docente.

Isso sem contar os casos de doenças e afastamentos por problemas físicos e psicológicos de professores, afetando diretamente o funcionamento das redes educacionais de Estados e municípios. Além da falta de professores em áreas sensíveis como a área de Ciências da Natureza (Física, Química e Biologia) e Matemática.

A terceirização da educação pública também dificulta pois resulta em diminuição de salários e aumento da precarização do vínculo empregatício.

Perseguição ideológica

Um problema recente que se reflete dentro da sala de aula e na vida do professor é a perseguição ideológica, fruto da nossa conjuntura política. Temas importantes como a educação sexual e até alguns conteúdos de História e Geografia, principalmente se tocam em assuntos políticos, têm se tornado proibitivos devido ao ambiente tóxico construído no país.

Tudo isso ajuda no processo de desgaste da educação e da profissão docente.

Há exemplo de sucesso?

Há. Os Institutos Federais de Educação Básica, Técnica e Tecnológica, já tratados aqui neste blog (neste link).

Espalhados por mais de 644 municípios do Brasil a partir de 2008, somando uma expertise de quase um século de educação profissionalizante com a integração com um ensino propedêutico de alta qualidade, em período integral, com apoio pedagógico e psicológico em cada escola e baseado no tripé ensino/pesquisa/extensão voltados para as vocações locais onde a escola está instalada.

Os Institutos Federais exibem resultados melhores do que o conjunto das escolas particulares de primeiro nível e melhores do que as escolas militares.

Nos Institutos Federais todos os profissionais são valorizados e os professores iniciam a carreira com um salário médio de 7 mil reais, com possibilidade de evolução conforme os processos de formação continuada e dos resultados do trabalho diário.

Dentro dos Institutos existe a gestão democrática, permitindo aos alunos e aos profissionais da educação a participação direta na escolha dos rumos da instituição.

O modelo de educação dos Institutos Federais devia ser espalhado pelos Estados e municípios, através de um projeto de federalização do ensino médio. Mas a política neoliberal em vigor avalia que o modelo é "caro" e os Institutos Federais estão na mira do avanço dos cortes públicos.

Mas são os Institutos Federais a resposta imediata àqueles que acham que a educação pública brasileira não pode ser uma educação de qualidade e de referência para o mundo.

Pode, sim, basta que o país deseje.

Blog O Calçadão


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