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sábado, 28 de março de 2020

Psol e Ministério Público conseguem na justiça a suspensão da carreata da insanidade em Ribeirão Preto



Juiz(a) de Direito: Dr(a). Vanessa Aparecida Pereira Barbosa


Vistos.



Aportaram no plantão judiciário desta data duas demandas, quais sejam, o presente mandado de segurança coletivo preventivo nº 1000036-89.2020.8.26.0530, impetrado pelo PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE PSOL - RIBEIRÃO PRETO - SP MUNICIPAL e a medida cautelar assecuratória com pedido de liminar nº 1009551-26.2020.8.26.0506, manejada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO em face de GIOVANNA DENISE SANTANA PIOVAN, ANDREI COELHO, MAICON TROPIANO, RAPHAEL FESTUCCIA MENOSSI e DANILO PEREIRA CERQUEIRA, todos qualificados nos autos.

Embora não idênticos os pedidos, o segundo acima citado contempla e extrapola o objeto do primeiro, de modo que os aprecio por meio de única decisão.

Feita esta ponderação inicial, passo a relatar as demandas.

Versa o mandado de segurança coletivo preventivo nº 1000036-89.2020.8.26.0530,

impetrado pelo PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE PSOL -                                                                                        RIBEIRÃO PRETO - SP

MUNICIPAL, por seu órgão de direção local, representado por seu presidente municipal JOÃO

BRAZ BATIZZOCO, sobre o ato ilegal caracterizado por iminentes manifestações políticas previstas para os dias 27 e 28 correntes. Visa à suspensão de tais atos que importarão em aglomeração de pessoas e estão sendo organizados por redes sociais e congêneres, em especial:
"#VOLTACOMÉRCIO           BUZINAÇO   -   ESTÁDIO   BOTA-FOGO                                                   dia                27/03             às                                           15h"                e




"MOVIMENTO CONSERVADOR RIBEIRÃO PRETO


DIA 29/03

CARREATA PELA VIDA E


FAMÍLIA!  O  DECRETO    076  DO  PREFEITO  DUARTE  NOGUEIRA  É  ABUSO  DE
AUTORIDADE E CAUSARÁ DEMISSÃO DE MILHARES DE PESSOAS NO MOMENTO QUE
SUAS FAMÍLIAS MAIS PRECISAM DO TRABALHO


10 HORAS

PONTO DE PARTIDA:




ESTÁDIO BOTA-FOGO TRAJETO: COSTÁBILE ROMANO, AV. NOVE DE JULHO, AV. INDEPENDÊNCIA, JOÃO FIÚSA, WLADIMIR MEIRELES, CARLOS CONSONI, AV. HERÁCLITO FONTOURA SOBRAL PINTO. RETORNA ATÉ CHEGAR NO GUAPORÉ II - #CARREATAPORRIBEIRÃO PRETO - #VOLTA COMÉRCIO". Postula o impetrante a concessão de tutela antecipada, inaudita altera pars, para suspender a realização de tais eventos e outros que forem convocados nos mesmos moldes, em desrespeito aos decretos estadual 68.441/2020 e municipal 69/2020. Requer a expedição de ofícios à Polícia Militar e à TRANSERP para disponibilização de efetivo para coibir as manifestações e identificar os violadores das regras previstas nos decretos e, por fim, a fixação de multa de R$10.000,00 para cada manifestante que comparecer ao ato e descumprir a determinação judicial.

Por seu turno, o segundo processo, manejado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, trata-se de ação cautelar assecuratória de futura investigação e potencial ação penal contra os requeridos acima nominados, pela suposta prática dos crimes tipificados no art. 268, cc. o no art. 286, cc. o art. 69, caput, todos do Código Penal. Os requeridos, segundo o autor, foram identificados como organizadores de manifestação ilegal prevista para amanhã, 29/03/2020. Conforme documentos anexados à inicial, Giovanna Santana Piovan (celular nº 016-99759.15.78) criou grupo na rede social de WhatsApp, denominado CARREATA REABERTURA I. O grupo é administrado por ela em concurso com Andrei Coelho, Maicon Tropiano, Raphael e Danilo Pereira Cerqueira. Os requeridos, por meio do indigitado grupo, se apresentam como integrantes do MOVIMENTO CONSERVADOR RIBEIRÃO PRETO - e incitam a população em geral para participar de ato público em desobediência e contra o Decreto n. 76, do Prefeito Duarte Nogueira, a ser realizado no dia 29 de março de 2020, a partir das 10:00 horas, tendo como ponto de partida o Estádio do Botafogo, nesta cidade e Comarca. Em seguida ajustaram que farão carreata com o seguinte trajeto: Av. Costabile Romano, Av. Nove de Julho. Av. Independência, Av. João Fiusa, Av. Wladimir Meirelles, Av. Carlos Consoni, Av. Heráclito Fontoura Sobral Pinto e com retorno previsto para o Bairro Guaporé2. Segundo o Parquet, a manifestação está proibida pelo Decreto 76/20, baixado pelo Prefeito Municipal, Dr. Duarte



  
Nogueira, e pelo Decreto n. 64.862/20, da lavra do Governador do Estado de São Paulo, Dr. João Doria, que instituíram o regime de afastamento social e, por consequência, proibiram reuniões públicas por conta da pandemia do COVID-19. Sustenta o autor que os requeridos estão contrariando as recomendações das autoridades Estadual e Municipal, especialmente sanitárias, comprometendo os decretos de calamidade e a política de saúde pública de afastamento social, aumentando drasticamente os riscos de transmissão do COVID-19. Alega que, em tese, os requeridos e outros, a serem investigados, estão infringindo determinações dos Poderes Públicos supracitados, que se destinam a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, bem como incitando, publicamente, a prática de crimes, condutas que, em tese, configuram os crimes tipificados no art. 268, cc. o no art. 286, cc. o art. 69, caput, todos do Código Penal. À vista destas motivações, pede, com fulcro no poder geral de cautela criminal, inaudita altera pars, até final investigação, sejam determinadas as seguintes providências pelos requeridos: 1) imediata proibição da reunião/carreata, publicada na rede social, denominada CARREATA REABERTURA I, prevista para o dia 29 de março de 2020, a partir das 15 horas, defronte ao Estádio do Bota-fogo; 1.a) a publicação no grupo supracitado, pelos requeridos, do teor da ordem judicial para a não realização do evento; e, após decurso de uma hora da publicação, a 1.b) extinção do grupo pelos administradores, sob pena de prisão preventiva (art. 282, parágrafo 4º., cc. o art. 312, parágrafo único, do CPP), e multa no importe de R$ 100.000,00 (cem mil Reais), por dia de descumprimento, para cada requerido, sem prejuízo das demais sanções cabíveis. Além dos pedidos supra, requer o Ministério Público a busca e apreensão dos computadores dos requeridos, nos endereços supracitados, e consequente quebra do sigilo de dados, a fim de se apurar a extensão dos ilícitos e de outros envolvidos, especialmente o móvel das ações criminosas, considerando, inclusive, o fato do requerido MAICON TROPIANO ser Assessor Parlamentar da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, como declarado por ele, e estarmos em período pré-eleitoral. Além disso, requer, visando ao ressarcimento dos danos morais coletivos já causados à sociedade, difusamente considerada, e para se evitar a dilapidação do patrimônio, a indisponibilidade dos bens dos requeridos, expedindo-se ofício ao BACEN, ao Cartório de Registro de Imóveis e ao CIRETRAN, para registro da indisponibilidade e para resguardar terceiro de boa-fé, fixando-se a responsabilidade de cada um no importe de R$ 100.000,00, valor a ser depositado, ao final, no Fundo Municipal de Saúde. Derradeiramente, pleiteia a expedição de ofícios ao Comando da Polícia Militar e à Guarda Municipal e ao Prefeito Municipal, para darem cabal execução da ordem judicial, bem como seja determinada a instauração de inquérito policial, com a advertência a Digna

Autoridade Policial que deverá instrui-lo no prazo de 30 dias, conforme determina a lei.

Eis o breve relatório. Passo a decidir.

Inicialmente, dou por prejudicado o pedido formulado no mandado de segurança acerca do evento do dia 27/03/2020, eis que o presente expediente somente foi objeto de análise por parte desta magistrada na data de hoje, 28/03/2020.

O foco desta decisão, portanto, recairá unicamente na manifestação convocada para o dia 29/03/2020, acima descrita.

Os documentos que instruem a inicial sinalizam que, de fato, pelas redes sociais e aplicativo WhatsApp, os requeridos apontados na medida cautelar da lavra do Ministério Público do Estado de São Paulo estão a conclamar a população para o evento supra descrito, CARREATA REABERTURA I, previsto para o dia 29/03/2020.

Conforme bem apontado nas duas demandas, o Estado de São Paulo e a cidade de Ribeirão Preto vivenciam estado de quarentena, regularmente determinada pelos poderes executivos estadual e municipal via decretos estadual nº 64881, de 22/03/2020 e municipais nº 69/2020 e 76/2020.

O artigo 4º do Decreto Estadual assim prescreve: "Fica recomendado que a circulação de pessoas no âmbito do Estado de São Paulo se limite às necessidades imediatas de alimentação, cuidados de saúde e exercícios de atividades essenciais."

O Decreto 69/2020, em seu artigo 3º prevê:

"Para o enfrentamento inicial da emergência de saúde decorrente do Coronavírus, ficam suspensos, independentemente da aglomeração de pessoas, pelo período de 21 de março de 2020 a 05 de abril de 2020, a saber: I - todos os eventos públicos e privados de quaisquer natureza; II e seguintes: omissis)

O Decreto 76/2020, por seu turno, ampliou o prazo do aludido artigo 3º do Decreto 69/2020 para 07 de abril de 2020 e ainda previu expressamente no § 4º do artigo 10 o seguinte: "Fica recomendado que a circulação de pessoas no âmbito do Município de Ribeirão Preto se limite às necessidades imediatas de alimentação, cuidados de saúde e exercício de atividades essenciais. § 5º - Fica vedada a utilização de praças e outros locais públicos para a prática de esportes e atividades lúdicas que possam provocar aglomeração de pessoas."

Portanto, indiscutível que eventos e manifestações públicas que importem em circulação e aglomeração de pessoas fora dos parâmetros estabelecidos nos regramentos, que os restringem às atididades essenciais, estão proibidos.

Sabe -se, ademais, que citadas normas foram editadas pelos governos estadual e municipal para a garantia da saúde, direito fundamental social assegurado pela Constituição Federal, prioritário em relação a demais direitos subjetivos (CF, art. 6º).

O direito à livre manifestação de pensamento não pode suplantar e nem colocar em risco demais direitos constitucionais. Por não ter caráter absoluto, há de ser exercido dentro dos limites legais e em consonância com os demais direitos e garantias fundamentais.

A carreata em questão, embora em princípio não importe em contato pessoal entre os participantes, implicará em mobilização e movimentação humana altamente inviável e indesejável neste momento. É de se ponderar que a própria articulação dos serviços de policiamento ostensivo e de fiscalização de trânsito a fim de viabilizar o pretendido ato, já enseja contatos pessoais entre servidores públicos, aumentando o risco de contágio dada a alta escalabilidade viral do COVID -19.

Neste contexto, é notório que a realização de atos públicos como a indigitada carreata não somente contraria as normas vigentes no estado e no município e as recomendações sanitárias mundiais quanto a isolamento e quarentena, como também gera risco concreto à população direta e indiretamente afetada pelo ato, vez que estimula circulação desnecessária de pessoas pela cidade.

Não se pode argumentar pela ausência de riscos gerados pelo ato, não só pelas pessoas indiretamente atingidas, tais como os servidores públicos envolvidos no contingenciamento do evento, conforme já dito, mas também porque os requeridos não comprovaram científica e empiricamente que a carreata anunciada não irá gerar danos, prejuízos e perigo à população de Ribeirão Preto, especialmente, idosos, crianças e demais pessoas em situação de vulnerabilidade.


Por fim, a temeridade do ato substancia-se na sabida insuficiência de estrutura hospitalar (pública e privada) do país para suportar o aumento de contaminações.

Portanto, em um momento delicado como o presente, em que se vivencia uma pandemia e há normativas vigentes prevendo e recomendando, com fundamento em protocolos sanitários consensuais, o isolamento social, a convocação do ato pelos requeridos implica não somente em ilegalidade pelo desrespeito à legislação estadual e municipal, mas na provável prática de crimes contra a saúde e paz públicas (respectivamente artigos 268 do Código Penal Brasileiro - Infração de medida sanitária preventiva - "Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa: Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro" e Incitação ao crime - "Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de três
a  seis meses, ou multa.")

À  vista de todo o exposto, fulcrada no poder geral de cautela previsto no artigo 319 do Código de Processo Penal, DEFIRO OS SEGUINTES PEDIDOS formulados nas ações em cotejo:

1)  imediata proibição da reunião/carreata, publicada na rede social, denominada CARREATA REABERTURA I, prevista para o dia 29 de março de 2020, a partir das 15 horas, defronte ao Estádio do Bota-fogo ou outro local de encontro pré-determinado pelos organizadores;

1-a) a publicação no grupo supracitado de WhatsApp, pelos requeridos, do teor desta ordem judicial para a não realização do evento; e, após decurso de uma hora da publicação, a extinção do grupo pelos administradores;

2)     multa no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais), por dia de descumprimento, para cada requerido da ação cautelar;

3)    busca e apreensão dos computadores dos requeridos, nos endereços supracitados, e consequente quebra do sigilo de dados, a fim de se apurar a extensão dos ilícitos e de outros envolvidos, especialmente a motivação das ações criminosas, considerando, inclusive, o fato do requerido MAICON TROPIANO ser Assessor Parlamentar da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, como declarado por ele, e a vigência de período pré-eleitoral.

Por outro lado, neste momento inicial, não vislumbro razões concretas para decretação de indisponibilidade de bens dos requeridos para futuro ressarcimento de danos
coletivos, razão pela qual INDEFIRO este especial pedido. As medidas ora deferidas, em princípio, são capazes de conter eventuais prejuízos, mostrando-se açodada a pretensa determinação judicial. Tal questão, poderá, obviamente, ser reavaliada pelo juízo causa em momento futuro, caso a situação fática a justifique.

Derradeiramente, DEFIRO a expedição de ofícios ao Comando da Polícia Militar e

à  Guarda Municipal e ao Prefeito Municipal para darem cabal execução da ordem judicial. OFICIE-SE também à autoridade policial para a instauração de inquérito policial em face dos requeridos na medida cautelar, com a advertência de que deverá instrui-lo no prazo de 30 dias, conforme determina a lei.

Intimem-se as partes, a Defensoria Pública e as Procuradorias do Estado e do

Município.

Oportunamente, redistribuam-se os feitos aos juízos competentes, lembrando que a ação cautelar, pela natureza dos crimes, deverá ser redistribuída ao JECRIM.

TRASLADE-SE ESTA DECISÃO PARA O PROCESSO 1009551.26.2020.8.26.0506.

Cumpra-se.



Ribeirão Preto, 28 de março de 2020.

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