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sábado, 12 de setembro de 2015

O Teatro Carlos Gomes e uma praça vazia. Por Seu Gusmão!



Olá, caros.

Sei que fui devidamente apresentado já há algum tempo pelos rapazes deste blog, mas somente agora julguei prudente escrever algo. Não gosto de clima de guerra e desde que a moça foi reeleita o clima não anda nada bom.

Também detesto meninos mimados e gente vestida com camisetas iguais. Já vivi muito e pude ver pelas ruas de Ribeirão Preto muita gente vestida igual, com camisas verdes gritando anauê. Detesto.

De qualquer forma, resolvi colocar minha pena em ação.

Antes, entrei em contato com a garotada do blog e perguntei quantas laudas eu poderia escrever. Responderam-me que eles não trabalham com laudas. Deus meu! Em frente.

Escrevo minhas memórias conforme surgem-me à mente em minhas caminhadas regulares por Ribeirão Preto. Aposentei-me há muito e gosto de andar pela cidade, gosto de conhecer pessoas e gosto, sofregamente, de promoções. Estou sempre a procurar promoções.

Outro dia cruzei a Praça Carlos Gomes, no centro, vindo de mais um achado num mercadinho da Mariana Junqueira. Hoje a Carlos Gomes é apenas um local de passagem, um espaço aberto que não nos diz nada. Mas os ouvidos da memória de um velho são muito aguçados e ouço o passado.


Mas não escreverei sobre um passado recente, de um certo terminal (não hoje). Falarei de uma época mais clássica, onde ali naquele local ficava o magnífico Carlos Gomes, o teatro.

Parei no centro da praça e fiquei a contemplar. Voltei ao passado. Eu o conheci, senhores, eu adentrei no seu ventre. Ato reflexo, olhei em direção à Praça XV e, do outro lado, vi a fachada do Pedro II. Arre! Ainda tenho birra do Pedro II...

Não, não do prédio, que é belo, mas da pose, da história.

Voltemos a uma Ribeirão Preto de 1895, quando o Teatro Carlos Gomes começou a ser construído. Saído do tilintar das moedas do café e da mente de Ramos de Azevedo.

Ribeirão Preto era habitada por 12 mil almas que, em sua maioria, habitavam nas fazendas. O centro urbano se resumia à Igreja Matriz (a primeira, que existiu na Praça XV de Novembro), aos cortiços de aluguel espalhados pelos arredores e às primeiras lojas de ferragens, carnes e armarinhos que já se insinuavam pela General Osório, Amador Bueno e Saldanha Marinho.

Nesses anos entre o final do século XIX e início do XX, Ribeirão Preto falava italiano! Sim, a colônia italiana dominava. Seu chefe político, o "coronel", era um imigrante alemão, "rei do café", chamado Francisco Schmidt e que vivia na Fazenda Monte Alegre.

Foi dele a ideia de "passar o chapéu" entre outros coronéis locais para construir no centro urbano um Teatro. 400 lugares! E o local escolhido foi o terreno ao lado da praça da matriz.

Em 7 de dezembro de 1897, 400 pessoas da mais fina nata se aglomeraram para ouvir a ópera O Guarani. Estava inaugurado o imponente Teatro, de estilo neoclássico.


O Carlos Gomes era tão imponente que sua presença valorizou o local. Os trabalhadores braçais desceram para a Vila Seixas ou migraram para a Vila Tibério, os cortiços dos arredores foram trocados pelos palacetes da elite ribeirão pretana. Os arredores da Praça XV se tornaram local de comércio, a rua Barão do Amazonas se tornou "a rua das boutiques" (a nossa rua do Ouvidor).

Ninguém mais rezava! Sim, a Diocese resolveu alterar o local da Igreja Matriz. Motivo? O Carlos Gomes e a nova tendência da região ofuscavam a igreja. Em 1901 começa, então, a ser construída a Catedral, 300 metros acima, fora do burburinho e com a sua imponência gótica tardia.

Ah, senhores! Eu ouvia tudo isso ali, parado no centro da Carlos Gomes atual, ouvindo tudo com meus ouvidos da memória.

Lembrei-me de François Cassoulet e seu moulin rouge. Foi o ápice do Teatro. Dança, música, cigarretes, champagne, francesas... Pasmem, senhores! Ribeirão Preto até os anos 20 não era uma cidade carola! Não! Era um pequeno centro cosmopolita do interior.

Mas seu esplendor começou a diminuir junto com o prestígio de seu idealizador. Após a Primeira Guerra as coisas começaram a mudar. O anti-estrangeirismo disseminado pela guerra fez de Schmidt sua vítima e o sinal dos tempos foi afetando o Carlos Gomes. O moulin rouge silenciou.

A crise do café dos anos 20 e 30 fez surgir uma Ribeirão Preto que gostava mais de parecer do que ser. No auge da crise, criaram o que chamamos de "quarteirão paulista" (nome sugestivo da época). Entrava em cena o Theatro Pedro II, 1500 lugares, inaugurado em 1930 sob liderança da Cervejaria Paulista (de novo um nome sugestivo da época), de João Alves Meira Júnior.

Ao Carlos Gomes restou ser durante um tempo a sede do Partido Integralista, de Plínio Salgado. Aliás, Ribeirão Preto gostava (gostava?) de Plínio Salgado, até título de cidadão deu a ele, mas essa eu conto em outra oportunidade.

Veio o automóvel, que acabaria com a estação de trem. Bem antes disso ele acabou com o Teatro Carlos Gomes. Nos anos 40, 50 e 60 a "modernidade" alegada pelos seus políticos realizou uma das maiores demolições em massa já vistas.

Quantos palacetes, casarões, relíquias vieram abaixo...

O Carlos Gomes foi demolido em 1944 e alguns anos depois se instalou ali um terminal de ônibus.


Quem passa hoje pelo centro de Ribeirão e reclama não sabe o que este centro já foi. Não sabe como era bela a Praça XV. Não sabe como era lindo seus arredores no estilo antigo.

Hoje resta ali uma Carlos Gomes vazia, sem sentido, como sem sentido vai se tornando uma cidade que não cuida de sua história.

Bom, mas estou aqui para contá-la.

Termino por aqui, pois acabo de lembrar-me que preciso buscar meu paletó no meu alfaiate, na General Osório, e depois conferir umas ofertas num excelente mercadinho da rua Jorge Lobato.

Meus respeitos e até a volta.

Gusmão de Almeida


4 comentários:

Anônimo disse...

Ribeirão preto não tem memoria,infelizmente. Qtos casarões foram destruídos, ou estão em deterioração,e ninguém faz nada. Uma pena.Me lembro bem de uma construção, era criança e não me lembro bem, era na confluência das ruas Visconde de Inhaúma e São Sebastião, onde agora é o edifício Padre Euclides. Tbm uma casa linda na esquina da Visconde de Inhaúma com Américo Brasiliense. Outra na esquina da Duque de Caxias com Barão do Amazonas. Uma Pena, poderiam tê-las preservado.

Juna Sattva/ Karina Rodrigues disse...

Obrigada por nos contar a história!

Wander Severino da Silva disse...

Excelente texto, faz nossa mente entrar na história, e mais incrível fazer parte dela, logicamente pelo poder de nossa mente, e de ser Ribeirãopretano, com muito amor.

Unknown disse...

Minha mãe conta muitas histórias do Theatro Carlos Gomes e tem saudade dele até... ela tem 93 anos!

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