Ao longo do tempo o
animal humano desenvolveu a consciência, característica essa que o colocou numa
categoria particular em relação às demais espécies existentes no planeta Terra.
Com isso ele percebeu que poderia subjugar outros seres vivos ao seu favor,
incluindo seus pares. Foi o que ocorreu com a submissão de espécies como cães,
gatos, cavalos, suínos, aves, plantas, pessoas tiradas à força da África, entre
tantas outras. O Humano tornou-se o único animal agro pastoreio da Terra. Para
tanto, ele desenvolveu um mecanismo que hoje chamamos de domesticação.
A palavra domesticação, bem como domicílio, tem o seu
radical na palavra latina “domus”, que por sua vez remete-se a domínio. Portanto,
colocar alguém sob o seu “domus”, em linhas gerais, é o mesmo que dominá-lo. Se
conseguir fazer com que um ser sobreviva em sua casa, fora de seu habitat
originário, seja por coerção ou por meios sutis de cooptação, você o terá dominado
em seu domicílio, logo, o domesticado.
Na origem, ele não pertence àquele lugar.
Sendo assim, podemos concluir que domesticar aplica a uma forma eufemística de
escravizar (As domésticas que o digam. A conquista por garantias trabalhistas
dessa categoria profissional estremeceu os herdeiros da “Casa Grande”). Transforma-se
aquele agregado domiciliar em um dependente seja pela via do alimento, do
abrigo, do afeto, da ideologia e até mesmo do salário, este o maior instrumento
escravizador da era moderna.
Com a capacidade de domesticar, o bicho homem não poupou
em utilizar a força muscular de animais mais fortes a seu bel-prazer. O maior
exemplo disso e que transcende séculos é o uso de equinos e muares como um meio
de transporte e de deslocamento de cargas. Exemplo corrente, sobretudo, nas
zonas rurais e subúrbios das grandes cidades brasileiras como Ribeirão Preto,
no Estado de São Paulo. Na esquecida zona norte ribeirão-pretana, o trânsito de
carroças e o confinamento de animais em terrenos baldios são marcantes.
Uma verdadeira rede de (re) produção e comércio se fez
entorno da força muscular animal. Bois, junto de animais humanos, tocaram
engenhos, transportaram cargas pesadas em carros tão pesados quanto eles. Cavalos
agilizaram o transporte muitas vezes vencendo distancias inimagináveis com
força e rapidez. Assim como mulas, burros e jumentos carregaram no lombo
produtos de interesse comercial que subiam e desciam às serras no vai-e-vem
entre portos litorâneos e as minas das Gerais.
É inegável o quanto a humanidade se beneficiou com a
força animal, propiciando um desenvolvimento tecnológico que hoje, através de
máquinas, possibilita o deslocamento de cargas que nem o maior dos mamíferos sequer moveria. São quilos e toneladas. A engenhosidade humana parece não ter
limites. Contudo, uma realidade persiste: a existência de carroceiros. Estes
são condutores de primitivos veículos de tração animal - as carroças, charretes
e carruagens - muitos deles de construção artesanal, que parecem fossilizados no
tecido civilizatório frente às novas tecnologias.
A existência do carroceiro não condiz com a atual
realidade, seja ela de peso de cargas, trânsito de veículos, ruas e avenidas
movimentadas, temperatura, composição atmosférica, qualidade do ar, exposição
solar e mesmo de valores que se modificam e evoluem ao longo dos anos. O carroceiro tenta impor ao animal o ritmo
dos novos tempos. Quando este fisicamente não aguenta, adoecendo e indo a
óbito, de maneira rápida é substituído por outro que poderá ter o mesmo
destino, antes passando por muito sofrimento e dor.
Mesmo os animais aparentemente bem cuidados pelos seus
carroceiros, não fogem à regra de algo cujo tempo ficou para trás. O
conhecimento humano, na sua forma mais ampla, se incompatibiliza com a existência
do uso de veículos de tração animal.
Urgem leis e políticas públicas que transformem essa
realidade e que sejam elaboradas para sua efetiva aplicação, seja no âmbito
municipal, estadual ou federal. Mas não basta a proibição com um simples
decreto que, como num passe de mágica, mudaria essa situação de animais humanos
e não humanos. A complexidade e a urgência necessitam de rápida reflexão e, por
conseguinte, ação. O sofrimento de outras espécies não se compatibiliza com a
cultura de paz que todos nós desejamos.
Espera-se das autoridades maior sensibilidade a essa
questão, pois a sociedade está cada vez mais atenta e organizada. O próprio
mercado já sabe disso. Vide os produtos veganos, aqueles que não têm origem animal
direta ou indireta. Eles se proliferam nas redes de comércio em lojas virtuais
e prateleiras de supermercados.
Portanto, deseja-se a
sobrevivência, tão somente, de veículos de tração animal que são impulsionados
por aqueles bichos chamados de racionais.
Vão-se as carroças, ficam as
bicicletas.
Marcelo Botosso é historiador e montanhista clássico
4 comentários:
São tão fiéis os cavalo, que se igualam aos cães de estimação. Ao presenciarem maus-tratos, não sabem que podem parar a carroça! Resultando: animais apáticos, tristes, castrados, desnutridos e subjugados.
Nenhum ser deve ser subjugado. Não à domesticação.
Que espetáculo de matéria!!!
Parabéns.
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