Ele é Promotor do Ministério Público Estadual e tem uma rica atuação junto às questões sociais. Professor da UNESP-Franca e autor do blog Avesso e Direito, doutor Machado sempre esteve presente nos debates envolvendo todas as questões importantes da sociedade. Procurado pelo blog O Calçadão, doutor Machado aceitou, para nossa alegria, nos conceder esta entrevista onde fala sobre a política atual, das questões de justiça e direito e também de sonhos, sempre com a sua característica visão franca e progressista.
Acompanhe!
O Calçadão- Vamos iniciar tratando de conjuntura política. Recentemente o blog O
Calçadão acompanhou uma palestra sua para militantes do PT. Naquela
oportunidade, tratando sobre a conjuntura política dos governos Lula e Dilma, o
senhor afirmou que há uma reação de setores das elites contra os governos de
inspiração social e trabalhista do PT. É possível traçar um paralelo com outros
momentos da história, como os governos de Vargas, João Goulart e o de Brizola
no Estado do Rio de Janeiro?
Dr. Machado- Vejo muitos traços do trabalhismo (varguista e brizolista) nas
chamadas políticas do lulismo, no que diz respeito à consideração do governo
atual para com os sindicatos e centrais trabalhistas. Da mesma forma, consigo
enxergar o viés nacionalista da era Vargas nas políticas atuais de incentivo e
apoio financeiro à indústria nacional.
O Calçadão- A mídia tradicional no Brasil, por sua característica
monopolizada e elitista, sempre teve um papel conservador e buscou
desestabilizar governos com os quais discordava. Mas nos últimos tempos,
principalmente após a quarta vitória do PT, ela tem ganho contornos golpistas.
Como o senhor enxerga a relação entre a mídia tradicional e o PT? É possível
continuar sustentando esse sistema de mídia absurdamente concentrado e
recebendo enormes verbas públicas?
Dr. Machado- A postura da mídia brasileira em relação ao PT é claramente uma
postura de oposição. Creio até que a mídia nativa faz o papel dos partidos
políticos de oposição ao governo. É
absurda a concentração das mídias em mãos de poucos grupos familiares no
Brasil, com a propriedade cruzada de rádio, televisão, jornais e revistas. Isso
não encontra similaridade em nenhum outro país do mundo.
O Calçadão- Nós já tivemos no julgamento do chamado mensalão (o do PT, pois o do
PSDB está aguardando até hoje) um elevado teor político, inclusive com a
utilização distorcida do instrumento do 'domínio do fato' para condenar
petistas sem provas. Agora no chamado petrolão, temos a figura de um juiz
claramente influenciado pela operação mãos limpas italiana. Levando em conta a
nossa mídia tradicional, que inclusive concedeu prêmios para o tal juiz, essa
operação lava-jato tem um potencial ainda mais perigoso para o futuro político
do Brasil?
Dr. Machado- Confesso que estranho bastante essa “parceria” do Judiciário com a
mídia empresarial no caso da Lava Jato, numa espécie de “PPP da Justiça”. O
alinhamento do Judiciário com a mídia privada não deu bons resultado na Itália
por ocasião da operação Mãos Limpas nos anos 90. Essa parceria abriu campo para
oportunistas como Silvio Berlusconi que tomou o poder na Itália e hoje é uma
figura de triste memória para os italianos.
O Calçadão- Por falar em lava-jato, como o senhor enxerga o papel desempenhado na
crise atual por setores da Justiça, MP e PF que, em parceria com a mídia,
buscam contribuir para o clima de perseguição seletiva contra Lula, Dilma e o
PT? Há setores dissidentes dentro dessas instituições de Estado? Os mecanismos
de fiscalização supra-institucional no Brasil são falhos?
Dr. Machado- Creio que os aparelhos repressivos do Estado (MPF, Polícia Federal,
Justiça Federal e STF) têm um papel importante neste momento de crise política,
mas eles precisam afastar quaisquer dúvidas sobre o caráter apartidário de suas
atuações. Por exemplo, enquanto o Mensalão do PT já está com trânsito em
julgado, o Mensalão tucano aguarda ainda sentença de primeiro grau. Os
mecanismos de fiscalização supra-institucional no Brasil estão ainda em fase de
afirmação.
O Calçadão- Continuando no assunto Justiça. O senhor faz parte da Comissão de
Altos Estudos da Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça,
um fundamental instrumento de formulação de políticas desde 2003 que, dentre
outras ações, criou o CNJ (Conselho Nacional de Justiça). O senhor enxerga como
um retrocesso a determinação do atual Ministro da Justiça em extinguir essa
Secretaria dentro do pacote do ajuste fiscal? A reforma do Judiciário é algo
impossível de ser feito?
Dr. Machado- No âmbito da Secretaria de Reforma do Judiciário foram desenvolvidas
muitas ações visando criar uma cultura de direitos humanos no âmbito do Poder
Judiciário. Se considerarmos que os direitos humanos são hoje sinônimo de
democracia real, então a extinção dessa Secretaria significa um retrocesso para
o nosso regime democrático.
O Calçadão- Na mesma palestra realizada para os militantes do PT o senhor fez
referência à nossa Constituiçao. Ao mesmo tempo em que temos um importante
arcabouço constitucional em defesa dos direitos humanos, com inspiração no
código de São José da Costa Rica, temos também, segundo a sua análise,
instrumentos que mantém uma certa 'militarização' do Estado brasileiro. A
ditadura militar ainda não acabou no Brasil? Explique-nos melhor esta questão.
Dr. Machado- A ideologia militar da segurança nacional realmente foi
constitucionalizada no Brasil. O art. 142 da Constituição Federal atribui às
Forças Armadas a tarefa de manter a ordem e a paz internas, com base na
hierarquia e na disciplina, que são valores aplicáveis à caserna e não à
sociedade. As Forças Armadas devem cuidar de fronteiras e se preocupar com
eventuais ameaças externas. A ideologia
militar é a ideologia da guerra, do combate e destruição do inimigo.
Internamente não há inimigos, há apenas o povo. A ideologia militar sempre
enxergou o povo, sobretudo a classe trabalhadora organizada e os movimentos
sociais, como uma ameaça ou inimigo a ser combatido e aniquilado. Trata-se,
pois, de uma ideologia nefasta sob o ponto de vista da democracia.
O Calçadão- O senhor sempre esteve presente e acompanhando de perto os movimentos
populares em Ribeirão Preto. Ano que vem é ano de eleições municipais. Como o
senhor enxerga esse momento político? Há um distanciamento entre os partidos de
esquerda, como o PT, e os movimentos sociais? Como isso pode se refletir nas
eleições do ano que vem? Veremos o poder econômico mais uma vez pautando as
eleições em detrimento das questões de moradia e meio ambiente, por exemplo, ou
a mudança no financiamento eleitoral pode alterar alguma coisa?
Dr. Machado- As eleições municipais em Ribeirão Preto, salvo no caso do governo
popular de Antônio Palocci, sempre foram definidas “pelo alto”, com pouca
influência das classes subalternas. Existe realmente um distanciamento entre o
PT e os movimentos sociais. Isso se deve, de um lado, às dificuldades naturais
de organização do povo num país continental como o Brasil; e, de outro, às
concessões que o PT fez mais à direita no “reformismo fraco” do lulismo. São
naturais essas concessões para assegurar a governabilidade numa sociedade
capitalista em que não há ainda uma situação pré-revolucionária, mas elas devem
ter limites. Em qualquer caso, para aproximar e melhorar a comunicação do PT
com as suas bases e origens, é indispensável adotar os mecanismos de
participação social direta e democratizar ou desconcentrar os meios de comunicação
de massa.
O Calçadão- Desde 2009 o senhor mantém o blog Avesso e Direito. Qual a foi a sua
motivação para criá-lo. Qual a sua opinião sobre as novas mídias digitais?
Dr. Machado- Na verdade, o Blog Avesso e Direito começou por acaso, mais para
atender um hábito (ou uma necessidade) que sempre tive de escrever. Depois de
produzir os trabalhos acadêmicos dentro do rigor de forma exigido pela
universidade, senti o desejo de escrever mais descontraidamente, sem
compromisso. Alguns alunos aprovaram e ideia e pediram-me que compartilhasse os
textos. Está sendo uma experiência diferente e muito gratificante. Acho que as
mídias digitais são uma forma de minimizar os efeitos nefandos da forte
concentração da propriedade dos meios de comunicação de massa no Brasil, ao
mesmo passo que permite intervir no debate público e difundir ideias, valores e
opiniões que a mídia tradicional nem sempre divulga e às vezes chega até a
combater.
O Calçadão- Sempre terminamos falando de sonhos. Dr. Antônio Alberto Machado,
quais são seus sonhos?
Dr. Machado- Como brasileiro, sonho com um país da igualdade e das diferenças;
como homem, sonho com o privilégio de não perder jamais a capacidade sonhar.
2 comentários:
" Acho que as mídias digitais são uma forma de minimizar os efeitos nefandos da forte concentração da propriedade dos meios de comunicação de massa no Brasil, ao mesmo passo que permite intervir no debate público e difundir ideias, valores e opiniões que a mídia tradicional nem sempre divulga e às vezes chega até a combater."
Antonio Alberto Machado
perfeito !!
Estimado Machado, sua integridade e coerência são as referências para seus alunos, colegas e amigos.
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