O
menino José Barbosa da Silva, que por imposição do pai iniciou-se no aprendizado
da flauta, instrumento prestigiado na época graças ao sucesso de Joaquim
Antonio da Silva Calado, precursor do chorinho, e Patápio Silva, flautista
renomado, logo se tornou o Sinhô do samba.
Seu contato com a flauta foi muito breve, mas
apesar do seu desinteresse pelo instrumento não abandonou a música, passando a
tocar piano de ouvido, e posteriormente a ter contato com partituras e estudar
mais profundamente a teoria musical. Antes de morrer precocemente, aos quarenta
e dois anos, já escrevia as suas composições.
Uma das histórias curiosas sobre Sinhô,
contada por Almirante (compositor, cantor, radialista e pesquisador) é a de que
antes do instrumentista estar totalmente familiarizado com o piano, mas já um
pianista de prestígio, ele fôra convidado para tocar em uma casa de distinta
família em Botafogo. Tocou várias músicas populares, mas num determinado
momento, vendo-o executar as músicas com tanta desenvoltura, uma senhorita
pegou a partitura da música “Elegie”, de autoria do compositor francês
Massenet, e pediu para que Sinhô a executasse, pois ela gostaria de cantá-la.
Sinhô colocou a partitura em cima do
piano, fez menção que iria executá-la, mas antes de dedilhar o instrumento,
olhou para a mocinha e lhe disse: sinto muito, senhorita, mas não posso tocar
essa música. Não me dou com esse autor.
Durante o dia nosso pianista fazia ponto
na Casa Beethoven como pianista e vendedor de piano. Ao anoitecer ele tocava em
agremiações dançantes e carnavalescas, sendo a mais destacada a de nome Kananga
do Japão, na qual seu pai frequentava e fez um de seus estandartes.
Apesar dos compromissos profissionais, o
sambista encontrava tempo para frequentar a Casa da Tia Ciata, local do
nascimento do samba, onde se fazia samba feito música, composição melódica, e
não dança de grupo. O samba mais famoso composto naquela casa foi “Pelo
telefone”.
Considerado oficialmente como o primeiro
samba gravado, e apesar de ser registrado apenas por Donga, foi um sucesso e
teve a contribuição de vários sambistas, inclusive de Sinhô, o que gerou seu
descontentamento e muitas brigas musicais com o grupo da Tia Ciata, formado por
Donga, Pixinguinha, Hilário, China e João da Baiana.
A briga mais famosa entre eles começou
após a provocação de Sinhô, através da música “Quem são eles”, uma alusão
direta ao grupo. Como resposta, Donga fez o samba “Fica calmo que aparece”,
Hilário fez o samba “Não és tão falado assim” e Pixinguinha e China fizeram o
samba “Já te digo”, uma crítica emblemática e sagaz a Sinhô, que tinha em um de
seus versos, a seguinte frase: ele é alto, magro e feio, é desdentado. Ele é
alto, magro e feio, é desdentado. Ele fala do mundo inteiro e já está
avacalhado no Rio de Janeiro.
Nosso sambista era temperamental, emotivo,
vaidoso, intratável, brigão, pernóstico, malandro, porém não era mau e tinha
uma aguçada musicalidade, compondo aproximadamente cento e cinquenta músicas,
sendo que dois terços delas fizeram sucesso na época, o que lhe rendeu o título
de “rei do samba”. Dentre as músicas de sucesso, a mais conhecida é “Jura”, que
ele fez ao ver um homem desconhecido passar com a mulher de quem ele gostava.
Sinhô tinha fama de plagiador, ladrão de
samba, e a história musical o consagrou pela seguinte frase: “samba é que nem
passarinho, é de quem pegar”. Na verdade, naquela época não havia
profissionalismo, e como eu já citei anteriormente, o samba “Pelo telefone” foi
composto em improviso por várias pessoas, entretanto Donga o registrou apenas
em seu nome e no de Mauro de Almeida. Poderíamos então considerar Donga um
ladrão de samba?
Sabemos que Sinhô plagiou algumas músicas,
tais como “Pé de anjo” baseada na música “Jenny” e as músicas “Dor de cabeça”,
“Ora vejam só” e “Gosto que me enrosco”, em que os estribilhos pertenciam a
Heitor dos Prazeres, que por esse episódio passou a chamá-lo de “rei dos meus
sambas”.
Graças a sua fama de grande pianista,
Sinhô conquistou amizades com pessoas de diversas origens. Dentre elas podemos
destacar o bandido Sete Coroas, sobre o qual o compositor fez uma música com a
intenção de glorificá-lo, mas tornou-o ainda mais temido pela população.
Atribui-se aos contatos de Sinhô com
políticos de grande influência, como o prefeito Prado Júnior e o urbanista
Alfred Agache, a não demolição de uma favela, após a composição da música “A
favela vai abaixo” e dos vários pedidos do sambista ao prefeito.
A grande
contribuição de Sinhô para a música é ter sido o pioneiro do samba amaxixado,
primeiro estilo do samba, que ainda não era o samba tradicional do Estácio, mas
sim um samba ainda vacilante, como diz o pesquisador José Ramos Tinhorão.
Sandro Cunha é professor e amante do samba
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