O professor José Marcelino fala aos jovens na Esplanada |
"Como é bonita a juventude".
Com essa frase me faço presente novamente neste veículo de comunicação.
Sei que há tempos não escrevo por aqui e nem em lugar algum.
Não o faço por ausência de assunto, mas por pura falta de inspiração.
São tempos difíceis, como vocês sabem. Tempos onde o coração entristece e a pena seca.
E se isso é verdade para muitos ainda cheios de vida e disposição, imaginem vocês para um velho cansado como eu.
Ânimo me faltou tanto para colocar minha pena em ação quanto para minhas andanças pela cidade. Rumino certo mal estar com uma Ribeirão Preto capaz de entregar 70% de seus votos a uma besta (fera).
Aliás, em termos de voto, o ribeirão-pretano é sui generis, mas isso ficará para uma outra história.
Mas sempre é tempo para uma injeção de energia como a que tive nesta última semana com a linda manifestação de estudantes em defesa dessa ferramenta tão bela chamada educação pública.
Educação pública da qual sou fruto e à qual vi nascer lá pelos anos 1930.
Bom, o fato é que na última quarta-feira me pus de pé fui à Esplanada acompanhar a manifestação. Sentei-me em um banco próximo ao relógio de onde eu outrora, por tantas vezes e em tantas ocasiões, sentara para mirar a Praça XV e as pessoas.
Foi então que eles chegaram. Barulhentos, cantando, gritando em sua esperança e coragem juvenil.
Encheram a Esplanada.
Sentados no chão, ouviram um excelente menino chamado José Marcelino, professor da USP, discorrer sobre os problemas atuais da educação e do país.
O som do microfone era fraco, não chegava até os ouvidos desse velho, mas nem precisava, a cena já era linda por si.
Foi neste momento que proferi a frase que dá início a esse texto: "como é bonita a juventude".
A Esplanada era deles, de todas as cores e tipos. Estavam ali, mais uma vez, respondendo à necessidade da hora.
Eu que já vivi duas ditaduras, e tantos e tantos avanços e retrocessos, sei bem a importância da juventude nesses momentos agudos onde defender as coisas boas são necessárias.
De repente, tive a inspiração para escrever.
A Esplanada era deles mas o Theatro, não.
Era isso.
Era o retrato da cidade, o retrato do país, o retrato de sempre.
Já escrevi aqui que tenho com o Theatro Pedro II uma relação um tanto distanciada (*leiam: O Teatro Carlos Gomes e uma Praça Vazia), pois me faz recordar a tragédia do Carlos Gomes.
Desde que foi reformado, no início dos anos 1990, o espaço é frequentado pelo pessoal da hight society. O povo, que diariamente passa pelo centro e pela Esplanada, sempre esteve ausente do Pedro II.
A relação entre o ribeirão-pretano e o Teatro é de admiração a distância. E a distância aumenta todas as vezes que a desigualdade social e a concentração de riqueza crescem, como agora.
Aliás, povo, infelizmente, é o que sempre faltou ao ambiente cultural de Ribeirão Preto, com boas e raras exceções.
O Theatro e a cidade são envolvidos por uma aura que mistura o passado dos barões do café com a despretensão da elite "cult" que o cerca e a domina hoje. Ambos "donos legítimos" dos espaços, pelo menos no sentimento do povo, que se sente um pouco estranho dentro deles.
O Theatro e a cidade são envolvidos por uma aura que mistura o passado dos barões do café com a despretensão da elite "cult" que o cerca e a domina hoje. Ambos "donos legítimos" dos espaços, pelo menos no sentimento do povo, que se sente um pouco estranho dentro deles.
Mas, afinal de contas, qual é a história do Theatro Pedro II? Ele sempre foi assim?
Não tenho tanta idade para dizer que vi tudo in loco mas, nem sempre.
Sua concepção se deu em 1928 e sua inauguração em 1930. E, claro, representava a Ribeirão Preto da "belle époque" cafeeira, quando Ribeirão era chamada de "cidade do entretenimento". Fruto dos cassinos e da vida noturna, comandada pelo francês Francisco Cassoulet e suas meninas (o "moulin rouge" do sertão).
Era a época onde a mística afirma que os "barões do café" acendiam cigarro em notas de "mil réis" e onde a Cervejaria Paulista (sob o comando de Meira Júnior) investiu num monumento que completaria um arco cultural em torno da Praça XV, tendo do outro lado da Praça o também lindo (e já demolido, arre!) Teatro Carlos Gomes.
Ocorre que 1930 marca exatamente o ano do início da bancarrota dos cafeicultores e o monumental Pedro II serviu por um curto período a uma elite já decadente e que vivia mais de aparecer do que ser.
Os próprios arredores da praça XV ganharam ares populares, com a entrada do comércio onde antes eram somente os casarões do café.
Segundo nos ensina Rubem Cione, magnífico historiador da cidade, a memória dos tempos dos coronéis já não interessava mais nos idos dos anos 1940 e a Prefeitura não gastaria dinheiro para manter suas estruturas.
As décadas da "modernidade"(quando a perda de relevância em nível nacional fez a cidade olhar para si mesma), iriam reservar outro destino ao Pedro II. Se bem que um destino melhor do que o outro, mais antigo e com arquitetura mais sóbria, do escritório Ramos de Azevedo, o Teatro Carlos Gomes, derrubado em 1946.
Mas já estou eu novamente derramando mágoas no texto.
O que importa à esta história é que a estrutura predial do Pedro II sobreviveu à sanha demolidora que tomou conta de Ribeirão nos anos 40, 50 e 60, mas o "glamour" do café acabou.
Era a época onde a mística afirma que os "barões do café" acendiam cigarro em notas de "mil réis" e onde a Cervejaria Paulista (sob o comando de Meira Júnior) investiu num monumento que completaria um arco cultural em torno da Praça XV, tendo do outro lado da Praça o também lindo (e já demolido, arre!) Teatro Carlos Gomes.
Ocorre que 1930 marca exatamente o ano do início da bancarrota dos cafeicultores e o monumental Pedro II serviu por um curto período a uma elite já decadente e que vivia mais de aparecer do que ser.
Os próprios arredores da praça XV ganharam ares populares, com a entrada do comércio onde antes eram somente os casarões do café.
Segundo nos ensina Rubem Cione, magnífico historiador da cidade, a memória dos tempos dos coronéis já não interessava mais nos idos dos anos 1940 e a Prefeitura não gastaria dinheiro para manter suas estruturas.
As décadas da "modernidade"(quando a perda de relevância em nível nacional fez a cidade olhar para si mesma), iriam reservar outro destino ao Pedro II. Se bem que um destino melhor do que o outro, mais antigo e com arquitetura mais sóbria, do escritório Ramos de Azevedo, o Teatro Carlos Gomes, derrubado em 1946.
Mas já estou eu novamente derramando mágoas no texto.
O que importa à esta história é que a estrutura predial do Pedro II sobreviveu à sanha demolidora que tomou conta de Ribeirão nos anos 40, 50 e 60, mas o "glamour" do café acabou.
A partir dos anos 50, Ribeirão Preto começa a passar por uma reestruturação pressionada pelo avanço da indústria do automóvel, que além do sistema ferroviário (que será tema de um artigo específico), investiu contra um passado superado em nome da "modernidade".
Isso, caro leitor, eu posso dizer que vi pessoalmente.
Por ironia, os anos que englobam as décadas de 50, 60 e 70 foram os únicos onde o povo de fato frequentou o Teatro (e não era para ver teatro). O Pedro II passou a ser usado pelo povo, no seu salão de jogos e nos bailes de carnaval no seu sub-solo (a "caverna do diabo" ou a "panela de pressão"), além do cinema que ali funcionou.
Isso, caro leitor, eu posso dizer que vi pessoalmente.
Por ironia, os anos que englobam as décadas de 50, 60 e 70 foram os únicos onde o povo de fato frequentou o Teatro (e não era para ver teatro). O Pedro II passou a ser usado pelo povo, no seu salão de jogos e nos bailes de carnaval no seu sub-solo (a "caverna do diabo" ou a "panela de pressão"), além do cinema que ali funcionou.
Não que nessas décadas tenha havido uma vida cultural fértil na cidade, pois não houve. Mas eram os anos de uma juventude em ebulição no mundo e a vida social da cidade era feita no centro, incluindo os bairros próximos à região central. Ou seja, todo mundo vivia o centro da cidade.
Eu namorei, noivei e me casei no centro da cidade.
Políticos, artistas, estudantes, enfim, todos viviam a esquina da Única, a Sociedade Dante Alighieri, a Casa de Portugal (na praça Tiradentes, hoje estacionamento público), o Mercadão, as ruas José Bonifácio, Saldanha Marinho e São Sebastião, o cine Centenário, a Praça XV , o Pinguim (na sua sede antiga) e, claro, o Teatro Pedro II.
Com o tempo, a vida social do centro foi se acabando, só restou a vida comercial. O centro se tornou um local de passagem e compras e o Pedro II foi sendo totalmente abandonado. Sem falar da "Baixada" (tema de um futuro texto).
Essa época começou a revelar a vertente excludente de nossa era que alguns brilhantes jovens analistas chamam de neoliberal. A vida em praça pública, o uso comum dos espaços está sendo trocado por Shoppings Centers e condomínios fechados assim como as rodas de conversa estão sendo substituídas pelas tecnologias via celular.
Eu namorei, noivei e me casei no centro da cidade.
Políticos, artistas, estudantes, enfim, todos viviam a esquina da Única, a Sociedade Dante Alighieri, a Casa de Portugal (na praça Tiradentes, hoje estacionamento público), o Mercadão, as ruas José Bonifácio, Saldanha Marinho e São Sebastião, o cine Centenário, a Praça XV , o Pinguim (na sua sede antiga) e, claro, o Teatro Pedro II.
Com o tempo, a vida social do centro foi se acabando, só restou a vida comercial. O centro se tornou um local de passagem e compras e o Pedro II foi sendo totalmente abandonado. Sem falar da "Baixada" (tema de um futuro texto).
Essa época começou a revelar a vertente excludente de nossa era que alguns brilhantes jovens analistas chamam de neoliberal. A vida em praça pública, o uso comum dos espaços está sendo trocado por Shoppings Centers e condomínios fechados assim como as rodas de conversa estão sendo substituídas pelas tecnologias via celular.
Há alguns anos, quando o Pedro II completou 84 anos, eu ouvi a então Secretária da Cultura, digna representante da elite zona sul, se referir a esta época como "uma fase decadente do Pedro II". Bom, correto, mas decadente porque o poder público não dava nenhuma bola para ele e não porque quem o frequentava na época era o povo.
A verdade é que nessa fase popular, o povo utilizava o Pedro II como era possível e até quando foi possível: um incêndio atingiu o prédio em 1980 e quase o destruiu.
Aqui cabe abrir um parêntese.
A verdade é que nessa fase popular, o povo utilizava o Pedro II como era possível e até quando foi possível: um incêndio atingiu o prédio em 1980 e quase o destruiu.
Aqui cabe abrir um parêntese.
Ribeirão tem 3 teatros de renome: o Pedro II (no centro) e dois no Morro de São Bento (o Arena e o Municipal), ambos de 1969, no conhecido processo de "modernização" da cidade. Em todos eles se apresentaram os mais importantes artistas e são, de fato, patrimônio histórico e cultural da cidade, além de lindos.
Mas este velho pergunta ao leitor mais atento: quando foi que Ribeirão Preto teve uma política cultural popular que abrangesse a utilização desses três próprios municipais? Quando que o teatro, como arte, foi algo que integrasse um projeto amplo de cultura popular?
Aqueles que trabalham com teatro são heróis abnegados que lutam todo dia quase sem apoio nenhum. E o povo não tem, quase que de forma alguma, o teatro e os espetáculos culturais à sua disposição.
Fecha parêntese.
Tombado em 1982, o Pedro II só conseguiu ser reformado entre 91 e 96, com nova cúpula, sala dos espelhos e tudo mais.
O que se esperava era que não só o Pedro II restaurado mas todo o ambiente cultural pudesse ter uma nova cara na cidade. A construção de um calçadão podia ter marcado uma nova etapa de resgate da vida social no centro.
Mas, infelizmente, isso não aconteceu.
No ano de 1996, o projeto de continuidade de uma administração progressista em meio à aridez daqueles tempos foi derrotado e Ribeirão Preto tomou outro rumo. O centro não foi recuperado e o funcionamento do Pedro II não se encaixou em um projeto de recuperação da região.
Por isso, o Pedro II, nas suas noites de espetáculo, é frequentado por pessoas que quase nunca frequentam o centro. Os carrões ficam nos estacionamentos particulares e no máximo, ao final do espetáculo, vão ao Pinguim (alguns, como eu, vão ao "Dr. Linguiça").
Tristemente, com peças de teatro e espetáculos como óperas e concertos, o povo fica de fora e o Pedro II volta a ser uma bolha elitista imersa em um centro popular e decadente.
Eu sou um velho ranzinza, não consigo aceitar que o espaço cultural de uma cidade seja pensado de forma restrita, de forma a não absorver expressões populares. Ou será que a arquitetura do Pedro II e do "quarteirão paulista" não combina com o povo? Antes, o Teatro era patrimônio da Cervejaria Paulista, mas hoje é um patrimônio público e deve ser isso, público. E mais, deve estar englobado em um amplo projeto de recuperação do centro, onde não apenas a ACI e os poderosos lobistas da construção civil e os "cults" devem opinar, mas o povo também deve participar e opinar.
O Teatro Pedro II permanece apartado da cidade à qual pertence, assim como o povo de Ribeirão Preto permanece apartado da cidade em que vive.
Não sei de onde virão, mas Ribeirão Preto precisa de novos oxigênios políticos, Ribeirão Preto precisa se discutir, se enxergar, para quem sabe no aniversário de 100 anos do Pedro II todos possam estar de fato participando ativamente de um ambiente cultural realmente democrático, na Esplanada, dentro dele e em todo lugar.
Quem sabe alguns dentre esses jovens sentados no chão lutando pela educação?
Foi nisso tudo que voltei pensando após acompanhar a efervescência dos estudantes na Esplanada, não sem antes tomar o excelente suco de maracujá no "Dr. Linguiça" e um cafezinho na "Única".
Volto em breve.
Saudações.
Gusmão de Almeida
Um comentário:
Gostei muito. É a segunda vez que li o Sr. Gusmão e senti uma nostalgia do que não conheci.
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