Imagem do vídeo/experimento de 90 segundos da cerveja Coors exibido a 18 pessoas logo antes de dormir seguindo as intruções da pesquisadora Deirdre Barrett, de Harvard |
Empresas como a Microsoft já desenvolvem projetos de incubação de sonhos
De acordo com artigo publicado esta semana na revista Science, marcas de Xbox, a Coors e Burger King se uniram cientistas para testarem, por meio de clipes de áudio e vídeo, anúncios de "Engenheiro" em sonhos de consumidores utilizados. Esta semana, um grupo de 40 pesquisadores dos sonhos recuou em uma carta online pedindo a regulamentação da manipulação de sonhos comerciais.
"A
publicidade de incubação de sonhos não é um truque divertido, mas uma ladeira
escorregadia com consequências reais", escrevem no site op-ed EOS. "Nossos
sonhos não podem se tornar apenas mais um playground para anunciantes
corporativos."
O
artigo lembra que a busca para moldar as visões noturnas remontam a tempos
antigos, que não é de hoje que as pessoas usam imagens, sons ou outras pistas
sensoriais para moldar suas visões noturnas. Pessoas de todo o mundo antigo já
utilizavam rituais e técnicas para mudar intencionalmente o conteúdo de seus
sonhos, mediante oração, pintura, uso de drogas e meditação. Entretanto, com o
desenvolvimento da ciência moderna, com a possibilidade de identificação no
estágio do sono onde a maior parte do sonho ocorre (REM) monitorando ondas
cerebrais, movimentos oculares e até roncos, hoje sabe-se que estímulos
externos como sons cheiros, luzes e fala podem alterar o conteúdo dos sonhos.
Em 2021,
os pesquisadores se comunicaram diretamente com sonhadores lúcidos — pessoas
que estão cientes enquanto sonham — fazendo com que respondam a questões e resolvam problemas matemáticos
enquanto dormiam.
"As
pessoas são particularmente vulneráveis [à sugestão] quando dormem", diz
Adam Haar, cientista cognitivo e doutorando no Instituto de Tecnologia de
Massachusetts, coautor da carta.
Haar
inventou uma
luva que rastreia padrões de sono e direciona seus usuários
a sonhar com assuntos específicos tocando pistas de áudio quando a pessoa chega
a uma fase de sono suscetível. Ele afirma que foi contatado por três empresas
nos últimos dois anos, inclusive pela Microsoft. As duas outras companhias são
aéreas. Elas desejam sua ajuda em projetos de incubação de sonhos. Ele ajudou
com um projeto relacionado ao jogo, mas diz que não se sentia confortável em
participar de campanhas publicitárias.
A Science lembra o trabalho da pesquisadora
de sonhos da Universidade de Harvard, Deirdre Barrett. Recorda que a estudiosa
também atraiu a atenção corporativa em um estudo de 1993 quando 66 estudantes
de seus estudantes universitários participaram de uma aula sobre sonhos onde
selecionaram um problema de relevância pessoal ou acadêmica, escreveram e
pensaram sobre ele todas as noites por pelo menos uma semana antes de dormir. No
fim do estudo, quase metade afirmou ter
sonhos relacionados ao problema. Outro trabalho parecido,
publicado em 2000 na própria Science,
e lembrado pela revista, remete a neurocientistas de Harvard que pediram às
pessoas para jogar várias horas do jogo de computador Tetris por
3 dias. Neste estudo descobriu-se que pouco mais de 60% dos jogadores disseram ter
sonhos com o jogo.
O artigo lembra que em 2021, Barrett prestou
consultoria a Molson Coors Beverage Company para uma campanha publicitária
online que ocorreu durante o Super Bowl. Seguindo suas instruções da
pesquisadora, Coors, 18 pessoas (12 delas atores pagos) assistiram a um vídeo
de 90 segundos com cachoeiras
fluindo, ar fresco da montanha e cerveja Coors logo antes
de dormir. De acordo com um vídeo do YouTube
documentando o esforço, quando os participantes acordaram do
sono REM, cinco relataram sonhar com cerveja Coors ou seltzer. (O resultado
permanece inédito.)
Barrett disse à Science que
não considera a intervenção uma verdadeira "experiência", e ela
reconheceu em um
post recente no blog que o anúncio da empresa usou terminologia
científica "com tons [de] experimentação de controle da mente",
contra seu conselho.
Antonio
Zadra, pesquisador dos sonhos da Universidade de Montreal que assinou a
declaração alerta para o perigo da incubação de sonhos.
"Podemos
ver as ondas formando um tsunami que virá, mas a maioria das pessoas está
apenas dormindo em uma praia sem saber", diz ele.
O
neurocientista de Harvard Robert Stickgold, que comandou o estudo de
Tetris, é ainda mais enfático: "Eles estão vindo para
seus sonhos, e a maioria das pessoas nem sabe que pode fazê-lo."
Os escritores de cartas afirma que,
como não há regulamentações especificamente para lidar com publicidade em
sonhos, as empresas podem um dia usar alto-falantes inteligentes como a Alexa para detectar os estágios de sono das pessoas e
reproduzir sons que possam influenciar seus sonhos e comportamentos.
"É
fácil imaginar um mundo em que alto-falantes inteligentes — 40 milhões de
americanos atualmente os têm em seus quartos — se tornem instrumentos de
publicidade passiva e inconsciente da noite para o dia, com ou sem nossa
permissão", diz a carta, que os escritores enviaram à senadora americana
Elizabeth Warren (D-MA).
Leia a carta na íntegra:
Cena do filme distópico "Inception", de Christopher Nolan, citado pelos pesquisadores na carta. |
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