A economista Laura Carvalho, professora da Faculdade de Economia, Contabilidade e Administração da USP, organizou uma lista de perguntas e respostas sobre a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 241, que limita o crescimento dos gastos públicos. De
forma didática, ela tira as principais dúvidas sobre o assunto e ajuda a
desconstruir alguns mitos em relação ao tema.
"Organizei 10 perguntas e respostas sobre a PEC 241, com base na minha apresentação de ontem na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Espero que ajude aqueles que estão sendo convencidos pelo senso comum. O orçamento público é muito diferente do orçamento doméstico”
Confira:
1. A PEC serve para estabilizar a
dívida pública?
Não. A crise fiscal brasileira é
sobretudo uma crise de arrecadação. As despesas primárias, que estão sujeitas
ao teto, cresceram menos no governo Dilma do que nos dois governos Lula e no
segundo mandato de FHC. O problema é que as receitas também cresceram muito
menos – 2,2% no primeiro mandato de Dilma, 6,5% no segundo mandato de FHC, já
descontada a inflação. No ano passado, as despesas caíram mais de 2% em termos
reais, mas a arrecadação caiu 6%. Esse ano, a previsão é que as despesas subam
2% e a arrecadação caia mais 4,8%.
A falta de receitas é explicada
pela própria crise econômica e as desonerações fiscais sem contrapartida
concedidas pelo governo e ampliadas pelo Congresso. Um teto que congele as
despesas por 20 anos nega essa origem pois não garante receitas, e serve para
afastar alternativas que estavam na mesa no ano passado, como o fim da isenção
de 1995 sobre tributação de dividendos, o fim das desonerações e o combate à
sonegação. A PEC garante apenas que a discussão seja somente sobre as despesas.
A PEC 241 também desvia o foco do
debate sobre a origem da nossa alta taxa de juros – que explica uma parte muito
maior do crescimento da dívida, já que se refere apenas às despesas primárias
federais. Uma elevação da taxa de juros pelo Banco Central tem efeito direto
sobre o pagamento de juros sobre os títulos indexados à própria taxa Selic, por
exemplo – uma jabuticaba brasileira.
A PEC é frouxa no curto prazo,
pois reajusta o valor das despesas pela inflação do ano anterior. Com a
inflação em queda, pode haver crescimento real das despesas por alguns anos
(não é o governo Temer que terá de fazer o ajuste). No longo prazo, quando a
arrecadação e o PIB voltarem a crescer, a PEC passa a ser rígida demais e
desnecessária para controlar a dívida.
2. A PEC é necessária no combate
à inflação?
Também não. De acordo com o Banco
Central, mais de 40% da inflação do ano passado foram causados pelo reajuste
brusco dos preços administrados que estavam represados (combustíveis, energia
elétrica…). Hoje, a inflação já está em queda e converge para a meta. Ainda
mais com o desemprego aumentando e a indústria com cada vez mais capacidade
ociosa, como apontam as atas do BC.
3. A PEC garante a retomada da
confiança e do crescimento?
O que estamos vendo é que o corte
de despesas de 2015 não gerou uma retomada. As empresas estão endividadas, têm
capacidade ociosa crescente e não conseguem vender nem o que são capazes de
produzir. Os indicadores de confiança da indústria, que aumentaram após o
impeachment, não se converteram em melhora real. Os últimos dados de produção
industrial apontam queda em mais de 20 setores. A massa de desempregados não
contribui em nada para uma retomada do consumo. Que empresa irá investir nesse
cenário?
Uma PEC que levará a uma
estagnação ou queda dos investimentos públicos em infraestrutura física e
social durante 20 anos em nada contribui para reverter esse quadro, podendo até
agravá-lo.
4. A PEC garante maior eficiência
na gestão do dinheiro público?
Para melhorar a eficiência é
necessário vontade e capacidade. Não se define isso por uma lei que limite os
gastos. A PEC apenas perpetua os conflitos atuais sobre um total de despesas já
reduzido. Tais conflitos costumam ser vencidos pelos que têm maior poder
econômico e político. Alguns setores podem conquistar reajustes acima da
inflação, e outros pagarão o preço.
5. A PEC preserva gastos com
saúde e educação?
Não, estas áreas tinham um mínimo
de despesas dado como um percentual da arrecadação de impostos. Quando a
arrecadação crescia, o mínimo crescia. Esse mínimo passa a ser reajustado
apenas pela inflação do ano anterior. Claro que como o teto é para o total de
despesas de cada Poder, o governo poderia potencialmente gastar acima do
mínimo. No entanto, os benefícios previdenciários, por exemplo, continuarão
crescendo acima da inflação por muitos anos, mesmo se aprovarem outra reforma
da Previdência (mudanças demoram a ter impacto). Isso significa que o conjunto
das outras despesas ficará cada vez mais comprimido.
O governo não terá espaço para gastar
mais que o mínimo em saúde e educação (como faz hoje, aliás). Gastos congelados
significam queda vertiginosa das despesas federais com educação por aluno e
saúde por idoso, por exemplo, pois a população cresce.
Outras despesas importantes para
o desenvolvimento, que sequer têm mínimo definido, podem cair em termos reais:
cultura, ciência e tecnologia, assistência social, investimentos em
infraestrutura, etc. Mesmo se o país crescer…
6. Essa regra obteve sucesso em
outros países?
Nenhum país aplica uma regra
assim, não por 20 anos. Alguns países têm regra para crescimento de despesas.
Em geral, são estipuladas para alguns anos e a partir do crescimento do PIB, e
combinadas a outros indicadores. Além disso, nenhum país tem uma regra para
gastos em sua Constituição.
7. Essa regra aumenta a
transparência?
Um Staff Note do FMI de 2012
mostra que países com regras fiscais muito rígidas tendem a sofrer com manobras
fiscais de seus governantes. Gastos realizados por fora da regra pelo uso de
contabilidade criativa podem acabar ocorrendo com mais frequência.
O país já tem instrumentos de
fiscalização, controle e planejamento do orçamento, além de metas fiscais
anuais. Não basta baixar uma lei sobre teto de despesas, é preciso que haja o
desejo por parte dos governos de fortalecer esses mecanismos e o
realismo/transparência da política fiscal.
8. A regra protege os mais
pobres?
Não mesmo! Não só comprime
despesas essenciais e diminui a provisão de serviços públicos, como inclui
sanções em caso de descumprimento que seriam pagas por todos os assalariados.
Se o governo gastar mais que o teto, fica impedido de elevar suas despesas obrigatórias
além da inflação. Como boa parte das despesas obrigatórias é indexada ao
salário mínimo, a regra atropelaria a lei de reajuste do salário mínimo
impedindo sua valorização real – mesmo se a economia estiver crescendo.
O sistema político tende a privilegiar
os que mais têm poder. Reajusta salários de magistrados no meio da recessão,
mas corta programas sociais e investimentos. Se nem quando a economia crescer,
há algum alívio nessa disputa (pois o bolo continua igual), é difícil imaginar
que os mais vulneráveis fiquem com a fatia maior.
9. A PEC retira o orçamento da
mão de políticos corruptos?
Não. Apesar de limitar o tamanho,
são eles que vão definir as prioridades no orçamento. O Congresso pode
continuar realizando emendas parlamentares clientelistas. No entanto, o
Ministério da Fazenda e do Planejamento perdem a capacidade de determinar
quando é possível ampliar investimentos e gastos como forma de combate à crise,
por exemplo. Imagina se a PEC 241 valesse durante a crise de 2008 e 2009?
10. É a única alternativa?
Não. Há muitas outras, que passam
pela elevação de impostos sobre os que hoje quase não pagam (os mais ricos têm
mais de 60% de seus rendimentos isentos de tributação, segundo dados da Receita
Federal), o fim das desonerações fiscais que até hoje vigoram e a garantia de
espaço para investimentos públicos em infraestrutura para dinamizar uma
retomada do crescimento. Com o crescimento maior, a arrecadação volta a subir.
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