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sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Prefeitura derruba casa na Comunidade das Mangueiras

 

Argumentos de representantes da sociedade civil não foram suficientes para convencer o poder executivo de marcar mais uma remoção em Ribeirão Preto em plena pandemia.
Fotos: Filipe Augusto Peres


Ignorando os argumentos de representantes da sociedade civil, governo Nogueira realizará a remoção na próxima terça-feira

#DespejoZero

Eram pouco mais de 6 horas da manhã quando a Prefeitura de Ribeirão Preto, por meio do Chefe de Divisão da Fiscalização Geral Luciano José Alves da Silva, a mando do Diretor da Fiscalização Geral, Antônio Carlos Muniz, o Coronel Muniz, nesta quinta-feira (8), sem apresentar mandado judicial ou qualquer tipo de documento, sem a presença de assistente social e Conselho Tutelar foi à Comunidade das Mangueiras, localizada na região oeste do município, para realizar mais uma reintegração de posse durante a pandemia de covid-19.

“Não é a primeira vez que estamos convivendo com esta situação. É antigo. Este ano já foram 8 ou 9 e mais uma vez eles (a prefeitura) estão aqui sem uma equipe técnica que poderia mapear a população em situação de vulnerabilidade que estava aqui, que precisam daqui”, afirmou o advogado e integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB/Ribeirão Preto, Douglas Marques.


A chegada da fiscalização e da guarda municipal sem aviso prévio

 

Ainda pela manhã, Edson Santos, da Direção Regional da UMM/RP (União dos Movimentos de Moradia) relatava que a fiscalização havia vindo cedo, sem aviso prévio, pegando mais uma vez os moradores de surpresa no local.

“Hoje, Muniz (Coronel) e Luciano vieram à Comunidade das Mangueiras e quando chegamos já tinham feito a demolição de uma casa.

 

Um dos objetivos da fiscalização era a demolição de uma cozinha comunitária construída pelos próprio moradores para alimentar mais de 500 famílias que vivem em completa situação de vulnerabilidade.

“A população não tem nem onde morar direito. Se não somos nós atuarmos por nós mesmos ninguém atua. É desumano isso aí. O governo do estado tinha de se posicionar em cima de Ribeirão Preto”, afirmou Renato, liderança da Comunidade das Mangueiras.


Diretor da Fiscalização Geral, Coronel Muniz foi pessoalmente ao local quando soube que uma negociação para que se suspendesse temporariamente a remoção estava em curso.


Por volta das 10 horas, com as presenças dos vereadores Adauto Marmita (PROS) e Luis Antônio França (PSB), um acordo havia sido selado entre os advogados da comunidade, lideranças da UMM, lideranças comunitárias, representantes da Comissão de Direitos Humanos da OAB, o chefe de divisão da fiscalização geral Luciano José Alves da Silva e o Promotor de Justiça, ligado à Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanos, Wanderley Baptista Trindade Júnior para que se suspendesse a reintegração e que uma comissão fosse formada para conhecer o projeto junto à comunidade que a prefeitura afirma possuir para a área. Entretanto, após a conversa mediada pelo vereador França, o Diretor da Fiscalização Geral, o Coronel Muniz, após a saída da Guarda Municipal, desceu pessoalmente ao local e afirmou que haveria a demolição no dia, que nenhum acordo havia sido realizado. Questionado por militantes que estavam no local sobre os direitos das pessoas e a falta de representantes da assistência social e do Conselho Tutelar, o coronel foi enfático: “A minha função aqui para preservar a área”. Houve tensão no local. O promotor de justiça Wanderley Trindade foi chamado ao local. Após a sua chegada, todos os envolvidos foram realizar uma reunião na Secretaria de Planejamento e Gestão Pública do município.

 

A reunião

 

Representantes da sociedade civil ligados aos movimentos de moradia, partidos políticos, Comissão de Direitos Humanos da OAB/Ribeirão Preto, moradores da comunidade das mangueiras, ativistas e vereadores se reuniram por volta de 12:00 para decidirem o que fazer em relação a reintegração de posse na Comunidade das Mangueiras.

Renato, liderança comunitária da Comunidade das Mangueiras fez um breve histórico da comunidade e lembrou que a área está abandonada pelo poder público.

“Lá foi declarado a construção de uma praça a 3 anos atrás com o valor de milhões. Nós temos relatos e provas de mato, entulho de dois metros de altura. Três anos abandonado. Temos prova viva de pote cheio de escorpião e rato. Os tratores passaram embaixo, não sabiam que tinha esgoto e passaram quebrando o esgoto enquanto a água ficava minando embaixo da terra. [...]

 

Renato ainda relatou que uma reunião foi feita com representantes da prefeitura em que esta garantiu-lhes ter o projeto, o dinheiro, mas não disse quando o faria. Outro ponto levantado pela liderança comunitária foi a ação realizada pela prefeitura após o encontro com os moradores locais. ,

“Levaram um trator lá, só, e uma caçamba e disseram que iam começar a obra. Dissemos que o pessoal não estava aguentando, que estava passando necessidade. Abrimos uma cozinha voluntária para podermos ajudar a população de lá a comer porque muitos estavam no básico, do básico, do básico. Sobre moradia digna, eu preciso só de quatro metros construído, um telhado que não chova, água para beber e eu cuido dos meus filhos porque eu trabalho.


Mesmo tendo muitas crianças presentes, mais uma vez o Conselho Tutelar não estava presente.


Por fim, Renato questionou a intenção da prefeitura de retirar os moradores do local para construírem uma praça no lugar. Ele lembrou que a ocupação já existe por lá faz 62 anos e este era um local de má conservação da fazenda onde aterraram até uma mina que existia ali. O descaso do poder público com o meio ambiente também não foi esquecido.

“Todas as árvores que estão lá foi a comunidade quem plantou. “

Integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Douglas Marques cobrou o cumprimento do protocolo.


O advogado Douglas Marques, da Comissão de Direitos Humanos da OAB/Ribeirão Preto cobrou do promotor de justiça que os protocolos necessários para que uma reintegração de posse possa ocorrer sejam cumpridos, algo que não tem ocorrido durante a gestão do governo de Duarte Nogueira.

“Eu vou cobrar protocolo para reintegração de posse. Vamos sentar e construir isso. É isso que estou pedindo para Vossa Excelência”.

 

Outra liderança comunitária das Mangueiras, Ângela, lembrou que a comunidade espera desde a época em que a urbanização realizada no Jardim Progresso foi concluída pelo asfaltamento das principais ruas da comunidade.

“Não foi feito. Promessas. Quem fez foi a comunidade”.

 

Após ter ouvido o promotor Wanderley Trindade afirmar que faltam boas lideranças nos movimentos sociais, nas comunidades, Angela, liderança comunitária das Mangueiras contra-argumentou a fala do representante do Ministério Público e mostrou que a falta de boas lideranças se dá no lado do poder executivo. A liderança lembrou que foram feitos os projetos para começarem dia 29/07, Na semana seguinte, no começo do mês de agosto iriam começar a conclusão do projeto da praça, da academia ao ar livre, da horta comunitária.

“Promessa! Trator foi, passou, limpou e sumiu. Aí, os moradores tem que ficar esperando a prefeitura”?


Em sua fala, Ângela, ainda trouxe a tona todo o descaso do poder público municipal com a população da Comunidade das Mangueiras.

“Nós estamos cobrando moradia, precisamos de um teto. Teve problema de pandemia e foi pedido à Saúde para estar indo lá ver o caso de uma família inteira e não apareceu ninguém. Ninguém. Sabe quem foi solidário às pessoas que estavam doentes? A comunidade. Não teve Saúde, não teve prefeitura, não teve poder público, não teve ninguém que foi lá socorrer alguém. Alimento? A prefeitura não mandou uma cesta básica para nós. Agora, o senhor vem cobrar de nós boa liderança? O senhor me desculpe da forma como vou dizer, mas aqui em Ribeirão Preto nós temos muito pau mandado. Faz isso, vai lá e faz. Faz aquilo, vai lá e faz. Aí, cobram da gente, a boa liderança?  

Liderança Comunitária, Angela dá o seu entendimento sobre boa liderança.

A liderança comunitária reforçou a fala de Renato e falou, também, da falta de apoio alimentar do governo Nogueira aos moradores das Mangueiras.

“Tivemos pessoas que não tinham o que comer. Juntamos a comunidade e são servidas refeições duas a três vezes na semana para essas pessoas que precisam. Cadê o poder público? O senhor está me dizendo de boa liderança? A gente para ter boa liderança precisava ter um bom prefeito, os acompanhantes do prefeito serem ponta certa... Vocês estão cobrando as pessoas erradas. Estão cobrando de nós que moramos na comunidade? Vocês teriam de cobrar primeiro dos grandões, não de nós. Quem precisa de moradia somos nós. O prefeito tem a casa dele, o senhor tem a sua casa, nós não temos”

Vereador Adauto Marmita (PROS)

O vereador Adauto Marmita (PROS) lembrou que antigamente o município possuía política habitacional e que isto não ocorreu durante a gestão Nogueira. Especificamente sobre a situação da Comunidade das Mangueiras, o vereador lembrou que foi morador da área e que a área sempre foi ignorada pelo poder público.

“Vocês estão falando da praça. Eu falo porque eu faço requerimento, eu ando. Aquela terra que vocês fizeram na praça, o talude, estava entrando em casa de morador que não era da favela. Está faltando infraestrutura para eles”.


O vereador ainda criticou a falta de sensibilidade do poder executivo que insiste em despejar famílias em plena pandemia de covid-19. Também falou do aumento considerável da miséria e da volta do Brasil ao mapa da fome. “

“Tem um monte de gente sendo despejado, um monte de gente passando fome. E vou falar uma coisa: a fome aumentou. Para trás, nós não víamos as crianças pedindo pão na padaria. Hoje eu vejo ‘Ô tio, tem uma sobra?’ O lado mais pobre sofre. Não adianta falar que tem um planejamento. Não é o momento de tirar essas pessoas de lá”

 

.”


Liderança da UMM, Edson (Cebola) fez um encaminhamento aos presentes na mesa.


Edson Santos, o Cebola, integrante da União dos Movimentos de Moradia fez um encaminhamento claro ao Secretário de Planejamento e Gestão Pública, Edsom Ortega.

“O Ortega disse que tem alguns terrenos que podem ser usados para fazerem os lotes urbanizados. Eu se fosse o Ortega, nesses lotes, providenciaria a regularização das comunidades que estão em andamento e já ia fazendo o planejamento dos lotes urbanizados para as pessoas que, possivelmente, já estão cadastradas, possam ser remanejadas. Eu sou da União dos Movimentos de Moradia, então eu ando as comunidades. Tem pai que me chama de canto e chora porque não sabe onde colocar os filhos.”

 

Juninho Itaú, também integrante da UMM, lembrou a recente aprovação pela Câmara Municipal, a pedido do poder executivo, mapeamento de 50 milhões de metros quadrados pertencentes à Prefeitura de Ribeirão Preto para venda, servindo os interesses da especulação imobiliária. Áreas que poderiam ser destinadas para a construção e cessão de terrenos para as pessoas sem teto na cidade.

“Nós temos uma cidade injusta. Morar, em Ribeirão, é um privilégio. Prova disso é que 50 milhões de metros quadrados foram demarcados para venda à especulação imobiliária. É inegável que Ribeirão Preto é um monopólio da especulação imobiliária”.

Itaú também lembrou a inércia do governo Nogueira em atender as 11.000 famílias que vivem em situação de vulnerabilidade no município. E foi além: mostrou que além de não ter uma política alimentar que atenda os mais pobres, o governo Nogueira ainda irá destruir iniciativas da sociedade civil que visam levantar comida para a boca de quem precisa, caso decida derrubar a Cozinha Comunitária da Comunidade das Mangueiras.

“O Ortega disse que Ribeirão Preto possui 11.000 famílias morando em comunidades. Eu desafio o Guido a catar uma lista agora e mostrar que ele entregou cestas básicas para 10% dessas famílias. Quem está mantendo as comunidades é a sociedade civil. É a ajuda das pessoas. Inclusive, a cozinha (comunitária) atende muita gente. Então, eu entendo que seria uma perda enorme derrubá-la. Aonde que elas vão comer?”


Juninho Itaú questiona o destino que será dado à praça pelo poder público.


Juninho também questionou se a construção da praça é a melhor alternativa para a resolução do problema de moradia naquele local.


“Fui vendo aqui que está havendo conflito de informação. Aquela área onde estão ocupando é de 33.000 metros quadrados. Daria para fazer, no mínimo, 300 lotes urbanizados de 80 metro quadrados. Será que é isso, que não seria necessário fazer uma outra conversa com essa população?”


Advogado de mais de uma dúzia de comunidades urbanas, Fernando Tremura reforçou a fala de Juninho Itaú.

Advogado de mais de uma dúzia de comunidades urbanas em Ribeirão Preto, atuando junto aos movimentos de moradia, Fernando Tremura reforçou a fala de Juninho  sobre a construção de lotes no local e questionou se, de fato, está havendo um diálogo entre o poder público e a população local para resolver a questão do problema de moradia.

“Nós vamos construir ali uma área de lazer, que o Ortega colocou ali, um campo de futebol porque, palavras dele, seria mais fácil, depois, derrubar e construir habitação. Só que pelo que estou percebendo, e aí eu não sei como está sendo feito este diálogo com a comunidade, que, pelo jeito, com essa comunidade não foi discutido isto. Talvez, a melhor saída, a saída que este povo está esperando é o lote urbanizado que pode ser naquele mesmo local.”

 

O vereador Luiz Antônio França (PSB) também questionou a falta de diálogo do poder executivo com os moradores que sofrerão com a remoção na Comunidade das Mangueiras e propôs que se amplie o diálogo em benefício da população, seja pela Câmara Municipal, seja pela Prefeitura, seja pelo Ministério Público.

 

“Está faltando diálogo com esta comunidade porque se existe uma proposta de moradia ali ou fazer a praça, essas pessoas precisam ser ouvidas. A praça é benefício para eles, a moradia é benefício para eles. Então, como é que eu chego lá às 6:00 da manhã com trator em polícia para benefício deles? Está faltando diálogo. O que eu proponho para a gente encaminhar aqui? Eu proponho que a administração suspenda temporariamente esta ação em benefício dessas pessoas para ver o que se pode fazer com essas famílias, ver exatamente a área. Tem uma confusão de área, a cozinha vai sair?, determinar a área em que se vai fazer essa intervenção e, aí sim, com o apoio de todo mundo, definir o que tem de ser feito para o benefício de todos que estão ali.”

Vereador Luis Antônio França defendeu a suspensão da reintegração e uma abertura ao diálogo para que se possa chegar a uma decisão coletiva.


Gabriel, estudante de medicina da USP, e ativista social com trabalho realizado junto à população da Comunidade das Mangueiras ressaltou o perigo de se despejar pessoas na rua em plena pandemia de covid-19. O estudante propôs que, para não colocar as famílias que ali residem em risco, é necessário realizar uma audiência pública.

“Não façam nenhuma desapropriação sem antes fazerem uma audiência pública”

O outro lado

Em sua fala, Edsom Ortega afirmou que a prefeitura dialoga com a população mas que a questão de não fazer a reintegração de posse está fora de cogitação. Para o Secretário de Planejamento e Gestão Urbana uma coisa é fazer reintegração judicial a qual diante do quadro de pandemia, Edsom se declara contra. Entretanto, para Ortega, outra coisa é realizar reintegrações em ocupações surgidas durante a pandemia.

Wanderley Trindade e Edson Ortega durante a reunião.


Ao final da reunião, ficou decidido que o prazo para que as famílias deixem a área é até segunda-feira pois na terça a fiscalização irá até a Comunidade das Mangueiras. No caso da cozinha comunitária, a sua remoção está em suspenso para que se possa fazer uma análise mais detalhada.


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Um comentário:

Cláudia disse...

Parece que, para esta gestão, nem todas as vidas importam.😢

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