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domingo, 16 de abril de 2017

O último gol de Garrincha, no Palma Travassos



Olá, caros. 

Mais uma vez me desculpo pela demora em voltar a escrever neste espaço, mas sempre julgo prudente o fazê-lo em momentos mais amenos, pois amenos são os temas aqui tratados. Porém, como me parece que momentos amenos são sonhos de velho, resolvi botar minha pena em ação assim mesmo.

Outro dia fui ao aniversário do Comercial F.C., lá na Joia de concreto armado. Cheguei de mansinho, me assentei em uma das várias mesinhas lá dispostas, vi a movimentação, os jovens da torcida organizada, ouvi a bandinha do Marista, fiz uma reverência em frente à enorme foto do Piter e me retirei.

Há décadas não visitava o Palma Travassos.

O fiz pelo mesmo caminho de sempre, da época em que, moço, eu caminhava de minha casa, na rua Casimiro de Abreu, seguindo pela Henrique Dumont até a Joia, onde assisti a jogos memoráveis. Naquela época eu ainda parava na ponte do Retiro Saudoso para cumprimentar amigos pescadores que por lá ficavam ou para tomar água, vejam vocês, em uma mina ali existente..

Minha história sempre foi de alguma forma ligada ao Comercial. 

Embora possa parecer, não sou tão antigo a ponto de, infelizmente, ter chegado a ver jogos no antigo estádio da Rua Tibiriçá, nem de conhecer a famosa sede de fundação, em 1911, na rua General Osório e, muito menos, acompanhar os grandes clássicos municipais (os primeiros!!) realizados entre Comercial e Atlético Gymnasial, nos campinhos que existiam nas atuais praças Luis de Camões e 7 de Setembro. Eram os anos 1915, 1916, quando Ribeirão Preto ainda falava italiano, como sempre gosto de frisar.

Também não sou tão velho para ter acompanhado a histórica excursão ao Recife, em 1920, onde o Comercial permaneceu invicto e saiu de lá com o famoso apelido de Leão do Norte, expressão contida no hino e que motivou outro apelido: Bafo.

Mas vi, muitas vezes, o querido Bafo jogar e vencer adversários grandes da capital no estádio do Campo da Mogiana, inclusive o Santos de Pelé. Aliás, foi ali, naquele campo, com as arquibancadas de madeira construídas por Oscar de Moura Lacerda, da histórica rua 1o de Maio, na Vila Virgínia, que a história do Bafo foi resgatada após os anos de inatividade vindos da fusão com a Recreativa na crise de 1929. Também foi ali que eu, modestamente, por algum tempo, me orgulhei de compor a linha média do time amador dos Ferroviários e, por duas ou três vezes, preencher o time do Comercial nos treinos ali realizados.

Quanta história...

Que dizer do título da segunda divisão em 1958 e que inspirou a corajosa ideia de construir um estádio maior? Sonho conquistado a partir da doação do terreno por Francisco de Palma Travassos, em 1961. Que dizer do time de 1966, quarto lugar no paulista, que venceu o Palmeiras por 3 a zero no jogo que inaugurou os refletores?

Eu estava lá!!

Que dizer dos 5 a 4 contra o poderoso São Paulo em 1986 no Morumbi? Os 'menudos' do Cilinho dançaram bonito. Eu já idoso ouvi pelo rádio e chorei. O único time a enfiar cinco no Tricolor no seu estádio!

Que dizer dos tempos (que eu vivi!!) quando nós moradores da Vila Virgínia e da Vila Seixas chamávamos os da Vila Tibério de "eles". Minha mãe, senhores, moradora da Vila Virgínia, chamava os botafoguenses da Vila Tibério de "eles"!!

Quanta história...

Mas no caminho para ir à comemoração dos 104 anos, em um sábado desses passado, lembrei-me de uma das vezes mais especiais em que me dirigi à Joia. Foi num distante 23 de março de 1972, uma quinta-feira à noite. Foi um amistoso entre Comercial e Olaria, do Rio de Janeiro. Mas por que ir ao estádio ver um amistoso desses e por que foi especial? 

Porque neste dia estaria em campo aquele que ficara conhecido como a Alegria do Povo. O bicampeão mundial Mané Garrincha, o maior jogador do mundo depois de Pelé.

Sim, reconheço que Pelé foi melhor, mas Mané é Mané. Ganhou sozinho a Copa do Mundo de 1962! Simples no falar, simples no viver, complexo na arte de jogar. Anjo de pernas tortas. Mané sempre foi, para mim, um dos maiores representantes da alma do povo brasileiro.

E era a este gigante que eu estava indo reverenciar na noite de 23 de março de 1972 em um jogo no estádio do meu amado Comercial!

Mané entrou em campo com a camisa listrada azul e branco do Olaria. As cerca de 10 mil pessoas presentes ovacionaram. Eu estava na arquibancada do fundo, que nos jogos oficiais era destinada aos torcedores adversários.

Aos 38 anos, Mané estava visivelmente fora de forma, já não tinha mais um corpo de atleta e a força que sempre o consagrou em suas investidas contra os "joões", mas o Olaria, em uma boa jogada de propaganda, trouxe Mané de volta ao futebol após o mesmo ter se despedido em um jogo da seleção no Maracanã em 1970. E, com Mané vestindo as cores do clube, saíram em excursão pelo Brasil. Um dos locais escolhidos: Ribeirão Preto. Adversário: Comercial F.C.

Nada estava "combinado com os russos", como certa vez Mané perguntou para Vicente Feola. O jogo foi a sério e o Comercial saiu na frente. Mas, na metade do segundo tempo, veio um ataque pela esquerda, no gol da entrada, e, num chute forte cruzado, nosso goleiro Paschoalin deu rebote e a redonda foi parar no pé direito do gênio: gol!

Não sei o que Paschoalin pensa disso, acredito que tenha orgulho mesmo tendo sofrido o gol, mas eu me lembro que, naquele instante, chorei.

Foi o último gol da carreira de Garrincha, marcado contra o Comercial, no Estádio Palma Travassos, em 23 de março de 1972. Por razões do destino, foi a última vez que fui ao Palma Travassos ver um jogo e lembro que saí de lá com a alma em festa, pois meu time querido estava com a sua história definitivamente ligada ao maior de todos, à Alegria do Povo, a Mané Garrincha.

Foi um gol tomado, claro, mas podemos considerar quase um carinho que um gênio maior fez nas redes da Joia e na história do Comercial.

Obrigado Comercial pelos 104 anos e obrigado Mané por entrar na nossa história.

PS: no dia em que estive por lá no aniversário de 104 anos procurei mas não encontrei nenhuma placa fazendo alusão a este acontecimento histórico. O Comercial podia dar este presente ao seu torcedor, ao futebol e à memória de Garrincha instalando ali uma placa.

Meus respeitos e até a próxima.

Gusmão de Almeida.


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