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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A Fiúsa vale mais que a D. Pedro? Quem decide isso?


Estudiosos no assunto afirmam que a segregação sócio-espacial, o fenômeno onde as classes sociais se separam cada vez mais dentro de uma área urbana, é cada vez maior e mais rápida, com todos morando cada vez mais longe do centro: os pobres relegados aos bairros mal servidos de equipamentos públicos e os ricos se fechando em condomínios de "alto padrão".

O conceito de cidade, onde o indivíduo se enxerga residindo em um bairro onde todos percorrem e dividem o mesmo espaço livremente (e onde todos podem se encontrar e conviver, seja em uma conversa no mercadinho, cortando o cabelo na esquina, no ponto de ônibus) e que seja interligado, também livremente, a outros bairros e ao centro da cidade, está acabando ou se tornando, no máximo, uma realidade para uma parcela da população para a qual não há outra alternativa: os mais pobres.

Cada vez mais o conceito de cidade interligada não faz mais parte dos planos de quem tem maior poder aquisitivo.

E a culpa disso é da administração pública, refém do poder econômico e da pressão da especulação imobiliária.

Hoje, Ribeirão Preto é uma cidade altamente excludente e dividida. Há, claramente, duas cidades, dois conceitos de aquisição e utilização do espaço urbano: o dos pobres e o dos ricos.

Como se chegou a isso?


Até o início da década de 1960, Ribeirão Preto era uma cidade que vivia o Centro e mesmo a grande mudança que se operou na cidade nos anos 40 e 50, de migração das pessoas da zona rural para o perímetro urbano, não alterou esse quadro. Tudo era próximo ao centro, sejam os bairros populares tradicionalmente organizados ao longo e em função da via férrea (Vila Tibério, Vila Virgínia, Campos Elíseos, Ipiranga, Tanquinho), sejam os bairros em vias de serem pontos comerciais (Jardim Paulista e Campos Elíseos), sejam os locais mais tradicionais da elite (entorno da Avenida Nove de Julho).

Mas a maior ocupação do perímetro urbano fez surgir um novo e poderoso componente: a especulação imobiliária. Os ricos compravam inúmeros imóveis ou cortiços para alugarem ao número cada vez maior de trabalhadores urbanos. Mas isso pouco durou, pois o automóvel fez com que as vias de passagem necessitassem ser alargadas e as avenidas e ruas largas expulsaram os pobres para cada vez mais longe do centro da cidade. Surge, então, a típica estrutura das sociedades industriais: bairros pobres afastados com inúmeras sub-moradias e baixa infra-estrutura urbana, bairros "nobres" com acesso mais facilitado por vias largas e um centro da cidade decadente servindo apenas como local de passagem para o trabalhador que vai e vem do seu trabalho conduzido por um transporte coletivo precário.

Ribeirão Preto já era assim em 1980 quando o "novo" processo de ocupação passa a predominar: os "conjuntos habitacionais", localizados em áreas antes rurais e que agravaram ainda mais o problema.
Os financiamentos públicos, tipo BNH, fazem os recursos dos Estado serem canalizados para as empreiteiras e essas constroem os "conjuntos", com qualidade duvidosa, nenhuma infra-estrutura urbana, transporte coletivo minguado e o longo tempo do financiamento garante o retorno do "investimento" com lucro. Como a esfera pública é pautada por quem tem dinheiro e quem tem dinheiro tem poder, as cidades ficaram (e estão cada vez mais) sendo conduzidas ao sabor dos interesses especulativos do capital.

Geralmente funciona assim: o "conjunto habitacional" é lançado e ocupado sem nenhuma estrutura. Aos poucos as "melhorias" são feitas: um posto de saúde, uma escola, a abertura de comércio, linhas de ônibus e aí começa a "valorizar" o local. Logo essa "valorização" acaba expulsando os mais pobres entre os pobres para sub-moradias ao redor (Ribeirão Preto tem um dos maiores índices de expansão de favelas do Brasil desde 1990). E o processo é contínuo. Essa concentração populacional nesses "bolsões" em áreas determinadas (em Ribeirão Preto, mais de 70% da população mora em "conjuntos" e bairros pobres nas zonas norte, oeste e leste da cidade) geram uma infinidade de problemas, incluindo a violência, que vai fazer efeito na outra ponta da nossa história.

Quem decide a "valorização" imobiliária e a localização das "áreas nobres" é o mercado, o capital, pressionando o poder público. Por exemplo, em 1960 a ligação entre Ribeirão e Bonfim era feita por uma estrada de terra ocupada por chácaras, numa região muito menos valorizada do que a rua Henrique Dumont no Jardim Paulista na época. Vinte cinco anos no tempo e a coisa se inverte. A avenida Presidente Vargas ganha notoriedade, principalmente depois da abertura do primeiro Shopping da cidade e amplia a "área nobre" para além da Nove de Julho. Era o início do "glamour" da zona sul. O poder público, pautado pela força da pressão financeira, é o instrumento que vai criar e ampliar a enorme diferenciação estrutural e social entre a áreas "valorizadas" e "desvalorizadas" da cidade.

Nas áreas chamadas "nobres" o que mais pega é a questão da violência, sempre enfrentada na base do "policismo": os ricos exigem a polícia nos seus bairros o tempo todo e cobram ações "duras" do poder público para conter a "bandidagem" nos seus locais de origem. Os mais ricos entre os ricos (agora nem tanto) fogem para os condomínios fechados e há até aqueles que exigem da Prefeitura que torne os seus bairros condomínios fechados ou as suas ruas vilas fechadas, como tentaram recentemente os moradores da City Ribeirão e um projeto já aventado na Câmara de Vereadores.

Imagina o que seria se a associação de moradores do Simioni solicitasse a mesma coisa da Prefeitura? Seria um escândalo. Mas na zona sul é considerado "normal" um pedido esdrúxulo desse.

Ribeirão Preto é uma das cidades mais excludentes do país. Começa no péssimo transporte coletivo, que já exclui uma massa de pessoas do acesso à sua cidade. Depois há o predomínio do automóvel. E, por fim, a escassez de locais de lazer e cultura, junto a um centro da cidade ainda em franca decadência.

O comércio no centro ainda resiste, ao contrário do comércio nos bairros populares, cada vez mais pressionados pela violência e dificuldade de acesso das pessoas. Enquanto o comércio no Boulevart, Presidente Vargas e adjacências ainda consegue crescer frente os Shoppings, o comércio nas avenidas D. Pedro, Pio XII, Luzitana, 13 de maio, Mogiana e nas ruas General Câmara, Javari, Demétrio Chaguri e outras tantas definha ano a ano, na esperança de projetos de melhoria e ampliação que nunca chegam.

Como se o comércio e o emprego gerado nesses lugares não fosse importante.

Hoje Ribeirão Preto só cresce para a zona sul, apenas os grandes empreendimentos imobiliários. Os bairros populares estão esquecidos.

Como mudar isso? Será que as cidades estão fadadas a se tornarem cada vez mais excludentes, com uma divisão total entre ricos e pobres, onde morar num bairro "normal" onde as pessoas caminhem livremente será algo estranho e destinado aos "pobres" que não conseguem morar nos "paraísos" dos condomínios fechados?

Bom, a Constituição Federal define no artigo 170 a "função social" da propriedade e o Estatuto das Cidades define os mecanismos que a sociedade tem de planejar melhor a organização e função dos espaços no perímetro urbano. E tudo passa por duas coisas básicas: informação e organização.

A Prefeitura é um órgão administrativo que funciona sob pressão e em favor de interesses. Os mais fortes e organizados sobrevivem. É assim. Seus principais mecanismos de atuação são as leis e a gestão tributária. A organização social e popular deve agir sobre isso. O que deseja a população sobre a ocupação do espaço urbano e o futuro dos seus bairros? Como o movimento organizado atuará nos debates do Plano Diretor que acontece Câmara de Vereadores? O que é o IPTU progressivo e como usá-lo para melhorar as condições dos bairros populares? O que deseja a população sobre a aplicação dos tributos? O orçamento participativo existe e é uma lei esquecida pela administração desde 2004. Como retomá-lo?

Por fim, surgirá uma força política em Ribeirão Preto capaz de dialogar com o povo e liderar um projeto de cidade integrada, inclusiva, onde os seus destinos sejam debatidos por todos e onde o gabinete do Prefeito seja um local de acesso fácil para qualquer um e não apenas para o lobby dos poderosos?

Blog O Calçadão


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