Abstenções, brancos e nulos somaram 41% no segundo turno, confirmando insatisfação com sistema eleitoral no País
A crise política que levou ao impeachment da ex-presidente
Dilma Rousseff e reduziu a presença do PT de 638 para 254 prefeituras, entre
2012 e 2016, foi responsável também por fazer desta eleição a mais rejeitada
pelo eleitor brasileiro desde a redemocratização.
O chamado "não voto" (abstenções, brancos e nulos)
somou 41,24% do eleitorado no segundo turno, conforme dados preliminares do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No mesmo turno em 2012, a soma havia sido de
33,4%. Foi o mais alto índice de desistência nas disputas municipais. Somente
as abstenções, que na primeira rodada eleitoral deste ano havia atingido
17,58%, saltou para 21,55% no pleito encerrado no domingo 30.
O resultado impõe, na avaliação de cientistas políticos
ouvidos por CartaCapital, a necessidade de o País debater uma reforma política
com redução de partidos, mais tempo de campanha e maior engajamento da
sociedade na definição de programas eleitorais.
"O resultado dessa eleição é um sinal amarelo que se
acende para todas as forças políticas. Tanto para a esquerda, que foi
rechaçada, quanto para os liberais ou conservadores, que venceram mas não
receberam um cheque em branco", avalia o professor da Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP) William Nozaki.
Ele sugere que o alto desinteresse confirma a rejeição ao
sistema eleitoral. “A crise de representação se consolida nesta eleição, porque
o eleitor escolheu não participar do processo eleitoral”, afirma.
Já o cientista político Rafael Araújo, professor da PUC-SP e
da FESP-SP, avalia que a alta pulverização partidária, com o crescimento de
legendas como o PRB (de 85 para 105 prefeituras, computando o Rio de Janeiro) e
o PHS (de 16 para 37, incluindo Belo Horizonte), demonstra que a população
confirma a crise política "como um problema e não reconhece no voto uma
solução".
"A classe política precisa criar novos vínculos com a
população", pondera Araújo. Segundo ele, os eleitores precisam entender
que votar não pode ser apenas uma obrigação. "A população precisa
amadurecer e entender como funciona a burocracia e o processo jurídico de
Estado", ressalta "Nesta eleição, ela se isentou e disse: 'preciso
que alguém tome conta de mim’."
Minirreforma
Para Nozaki, a crise de representa que ceifou o mandato de
Dilma alterou a lógica do "não voto", antes restrito a setores da
classe média de centros urbanos. A dissidência eleitoral ganha terreno, agora,
na periferia e no interior do País, escancarando a falta de representatividade.
“Os partidos têm de reinventar programas e canais de diálogo com a sociedade”,
sugere.
Não à toa, a rejeição aos candidatos foi bastante expressiva
entre os cariocas. No Rio de Janeiro, 46,93% do eleitorado optou pela
abstenção, branco ou nulo. O senador Marcelo Crivella (PRB) foi eleito com 1,7
milhão de votos, contra mais de 2 milhões de abstenções, brancos e nulos.
Em Porto Alegre, o ‘não voto’ ganhou até jingle, o “Anula
Lá”.A paródia sobre a música de campanha presidencial de Lula em 1989, que
recebeu apoio do PT e do PSOL, foi um dos fatores que levaram a capital gaúcha
a registrar 44,29% de abstenções, brancos e nulos.
Nelson Marchezan Júnior (PSDB) foi eleito com 60,5% dos
votos no domingo, mas 383.751 eleitores (44,29% do total) optaram pelo 'não
voto'. Enquanto Alexandre Kalil (PHS) foi eleito com uma diferença inferior a
114 mil votos.
Em São Paulo, o prefeito eleito João Doria (PSDB) venceu no
primeiro turno. O tucano, porém, obteve 11.117 votos a menos que o total de
abstenções, brancos e nulos.
Araújo interpreta os números como resultado de dois
movimentos: a despolitização facilitada pelo discurso anticorrupção e a
minirreforma eleitoral tocada pelo ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha
(PMDB).
Especialista na relação entre mídia e política, o professor
da PUC aponta que a construção de um discurso segundo o qual o período do PT no
comando o País foi o mais corrupto tem impacto nos índices tão elevados de
rejeição ao modelo político. “É complexo para o eleitor compreender que ter
mais apuração policial não é o mesmo que ter mais corrupção. Mas foi isso que
levou a população à rua para tirar foto com a polícia e depois se recursar a
participar da eleição”, diz Araújo.
Já a redução do tempo de campanha de 90 para 45 dias, após a
minirreforma de Cunha, favoreceu a rejeição aos candidatos ao reduzir o tempo
de debate e apresentação de propostas, avalia Araújo. “A reforma pode ter sido
feita como um cálculo para manter as pessoas afastadas de um envolvimento com o
processo eleitoral”, afirma.
Nozaki também credita à minirreforma parte da esvaziada
participação do eleitorado. “O clima já estava marcado por certa aversão ao
processo eleitoral e o tempo curto (de campanha) contribuiu para jogar água no
moinho da despolitização”, diz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário