Foto Paulo Honório |
Mefistófeles, no “Fausto” de Goethe, disse: “Sou uma parte daquela força, que sempre quer o mal e sempre cria o bem.” Talvez os neoliberais ficassem contentes se lhes atribuíssem essa sentença. Mas, infelizmente, isso não é possível: trata-se daquela força, que sempre quer o mal e sempre cria o mal.
Pela argumentação à la Mefistófeles, o sacrifício do trabalhador, impresso no ensaio da atual reforma trabalhista que foi a flexibilização das leis do trabalho nos anos de 1990, levaria a mais emprego. Mas, em 1994, quando FHC assumiu, o índice de desemprego era de 8,3%. Quando saiu, em 2002, era de 12,2%, de acordo com o IBGE. Durante os seus dois mandatos, aproximadamente quatro milhões de indivíduos ingressaram não no mercado de trabalho, mas na lista de desempregados.
Por outro lado, para uma parte dos capitalistas, a dialética mefistofeliana atuou ao contrário: certamente que o objetivo – não declarado – da retirada de direitos era e é o de baratear a mão-de-obra para aumentar os lucros. Tratava-se de aumentar os lucros. Mas, como o consumo depende dos salários, e o crescimento do consumo, o país cresceu pouco, a uma média de 2,3% do PIB ao ano, também conforme dados do IBGE, durante os governos de FHC. Assim, muitos capitalistas viram os seus lucros desaparecerem e muitos ainda tiveram que fechar as portas.
Houve, por certo, quem ganhou, mas abordaremos isso em outro artigo, sobre as “vantagens do atraso” para certos capitalistas do país, àqueles que mantêm seus privilégios à custa do atraso.
O emprego cresceu, em realidade, no período em que houve uma política de valorização do salário mínimo, no período em que se colocou um freio à flexibilização dos direitos, durante os mandatos de Lula e o primeiro mandato de Dilma. Lula recebeu o país com uma taxa de desemprego de 12,2% e o entregou com uma taxa de 6,8%. Já em 2014, no fim do primeiro mandato de Dilma, tal taxa recuou para 4,8%. Milhões de empregos foram criados na medida em que os salários subiam.
Seja em razão do fim do ciclo de alta das commodities, seja pela gestação do golpe de Estado – a oposição não aceitou o resultado das presidenciais de 2014 – ou ainda pelos descaminhos econômicos do segundo mandato de Dilma, que para enfrentar agrave crise econômica de origem externa, a mais grave desde 1929, apelou mais uma vez aos neoliberais, seja por todos esses motivos, o desemprego voltou a aumentar durante o segundo mandato de Dilma, o que não invalida a correlação entre extraordinário crescimento do emprego e crescimento – ainda que não tão extraordinário – do salário no período que vai de 2003 a 2014. Esse declínio apenas indica que aquelas políticas não eram mais suficientes a partir do aprofundamento dos efeitos da crise.
Novamente, como se a história não existisse, os defensores da reforma trabalhista, vigente desde novembro de 2017, isto é, o governo golpista de Temer, os partidos da base aliada (entre eles PSDB, MDB, DEM), os capitalistas e a grande imprensa repetiram o mantra da retirada de direitos para o aumento do emprego.
Tal reforma representa o maior ataque aos direitos do trabalho desde o surgimento da moderna política brasileira, isto é, desde a Revolução de 1930. Ela não apenas retirou direitos – basta pensar na permissão irrestrita das terceirizações, nas rescisões por “acordo”, nos contratos intermitentes, na possibilidade de redução do intervalo intrajornada e até na permissão de trabalho de grávidas e lactantes em ambiente insalubre – mas enfraqueceu um dos principais instrumentos para a conquista de direitos que os sindicatos ainda hoje representam. Ademais, limitou o acesso à justiça, em contradição com o disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição, ao instituir a existência de honorários sucumbenciais, além dos periciais, em combinação com a limitação da gratuidade da justiça.
A OIT já havia alertado baseada em um estudo em 20 países da OCDE de que não há evidências de que reformas no mercado de trabalho como a brasileira produzam mais emprego. Seus efeitos diretos são a precarização do trabalho e ao aumento da desigualdade. Os dados recentemente divulgados pelo IBGE são cristalinos: a taxa de desocupação cresceu no primeiro trimestre pós-reforma, que vai de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, atingindo 12,6% (em novembro de 2017 era de 12%), o que significa mais de 550 mil pessoas desempregadas, que somam o total assombroso de 13,1 milhões de desempregados no país, conforme números sabidamente conservadores.
A reforma trabalhista é tão boa para o trabalhador e para o país quanto era a escravidão para o escravo e a colonização para o colonizado (historiadores pós-modernos, atenção: é uma ironia). É uma contrarreforma e é preciso combatê-la, inclusive em razão de suas diversas ilegalidades, em razão do ataque que representa a princípios constitucionais, notadamente a dignidade da pessoa humana, a proteção do trabalho, do próprio direito do trabalho, cujo um dos princípios é a vedação ao retrocesso.
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