Imagem: Esquerda Caviar
Na sessão desta terça-feira, 26/09/2017, a Câmara Municipal de Ribeirão Preto aprovou o PL 52/17 de autoria da vereadora Gláucia Berenice (PSDB) intitulado 'Infância sem Pornografia' cujo escopo afirma a intenção de "estabelecer diretrizes no âmbito da educação pública do município de Ribeirão Preto".
Tirando os artigos que trazem argumentos e regulamentações já existentes em leis federais ou acordos internacionais ratificados pelo Brasil, que protegem e garantem a formação integral de crianças e adolescentes, o restante da lei é claramente uma atuação do fundamentalismo religioso na política pública.
Artigos como o 2o, que interfere na liberdade de cátedra e na autonomia educacional em estabelecer o projeto pedagógico da escola, garantido por lei, e o 3o, que estabelece como 'pornográfico' imagens de "órgãos genitais", conflitam diretamente com a temática da sexualidade em sala de aula, tão importante na conscientização e na informação sobre gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis.
Segundo o Diretor Estadual da Apeoesp, Fábio Sardinha, "o projeto é uma ameaça aos educadores, inclusive estabelecendo punição caso a tal lei seja desrespeitada. Tentamos debater com a vereadora, evitando essa aprovação de afogadilho, buscando realizar um debate mais amplo envolvendo a sociedade civil, mas a vereadora deixou claro que não tinha obrigação de consultar ninguém para encaminhar um projeto de lei".
A aprovação deste projeto é mais um flerte da Câmara de Ribeirão Preto com o avanço de propostas obscurantistas que ganham espaço na sociedade brasileira atual. Segundo Danilo Valentim, da APROFERP (Associação dos Profissionais da Educação de Ribeirão Preto), "em alguns pontos, vejo semelhança deste projeto com o 'Escola sem Partido', como no artigo que defende a punição do professor que não cumprir o que está previsto nesta lei. Tudo isso é muito preocupante. O projeto tem vários pontos inconstitucionais e a Secretaria Municipal de Educação, através da Prefeitura, tem obrigação de entrar como uma ação direta de inconstitucionalidade".
Em março deste ano ocorreu um seminário, também na Câmara Municipal, sob organização do vereador Boni (Rede), que discutiu o 'Escola Sem Partido'. Na ocasião, lideranças populares, professores e outros manifestantes contrários ao projeto foram impedidos de usar da palavra para fazer o contraponto ao projeto em debate.
O projeto 'Escola Sem Partido' vem sendo colocado em várias Câmaras de Vereadores e Assembleias Legislativas Brasil afora, juntamente com o questionamento sobre a inclusão da identidade de gênero nos planos municipais e estaduais de educação, mostrando um movimento coordenado do campo dito 'conservador' e/ou 'religioso' que se organiza inclusive com forte atuação nas redes sociais.
Sobre o 'Escola Sem Partido', em reportagem da Brasil de Fato, a Professora Rosilene Correa (Sinpro-DF), afirma: “Na prática, o Escola sem Partido vai liquidar os avanços em direitos humanos que tivemos nos últimos anos. Se um aluno homossexual ou de uma religião não cristã for discriminado por outro que apoia suas afirmações em ideias religiosas, o professor não poderá intervir. Pois estaria questionando valores religiosos”.
Sob o argumento de 'impedir a afronta às convicções religiosas e morais' dos alunos, o Escola sem Partido atua para emparedar a atuação docente, criminalizando conteúdos considerados 'esquerdistas', ou seja, promove uma verdadeira 'partidarização' da educação através da censura a temas não aceitos pelos 'conservadores'.
Na mesma reportagem da Brasil de Fato, o professor de Ética e Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) e ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, afirma: “A escola não tem incumbência de doutrinar a pessoa nem de respeitar a doutrinação religiosa da família. A escola educa. E para educar ela tem de transmitir conhecimento que tem base científica”, afirmou.
E, para completar a atual situação de avanço obscurantista e fundamentalista sobre as políticas de Estado, o STF deve retomar a votação da ADI 4439 que discute as diretrizes do ensino religioso nas escolas. Entidades ligadas às igrejas protestantes e católica lutam para que o ensino seja confessional, rompendo com a prática de um ensino religioso que dá um sentido mais amplo, debatendo apenas o histórico e o estudo comparativo das principais doutrinas de cada religião.
Há expectativas de que a votação será apertada no STF, cabendo, inclusive, o voto de minerva à Presidente Carmem Lúcia.
Vivemos, indiscutivelmente, um tempo onde um neo-macartismo dá as mãos ao avanço do fundamentalismo religioso, ameaçando não só os avanços nas políticas de direitos humanos pós-Constituição de 1988 mas também as próprias liberdades democráticas com respeito e proteção às minorias e à diversidade cultural.
Neste momento, as forças progressistas e defensoras da diversidade e dos direitos humanos estão na defensiva e precisam, com urgência, se articularem.
Blog O Calçadão
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