A existência ou inexistência de funções públicas e seus respectivos servidores responsáveis pelo planejamento e execução das mesmas dizem muito a respeito da visão de mundo da classe política majoritária, dos governantes e da sociedade que delegou poder a eles.
O
carrasco é uma função pública que pode nos remeter à imagem na Idade Média das forcas,
das guilhotinas. Mas infelizmente os carrascos ainda existem nos países/estados
onde existe a pena capital com o entendimento de que o término da vida de
alguém é o desaguar da realização da justiça. Devem ter hoje outros nomes
eufemísticos. Desde as primeiras formatações de Estado o uso exclusivo da força
e da aplicação da pena capital compete ao governante da vez e do funcionário
público – carrasco. Outrora valorizado, protegido, detentor de benefícios
compensatórios de estigmatizada profissão, a mesma foi sendo extinta em vários
países após um salto civilizatório derivado do pós-guerra e a discussão de
novos marcos regulatórios para os sistemas de justiça que nascem sob égide dos
direitos humanos. Saímos da barbárie da espetacularização da morte como justiça
para a justiça com esperança de ressocialização. Se funciona ou não é outra
conversa.
A
sociedade brasileira investiu muito nas últimas décadas para que o acesso à
educação pública e de qualidade fosse um importante fator no combate à
desigualdade social. Com o provimento de robustos recursos públicos que possam
garantir o funcionamento perene de um sistema de alimentação escolar, a refeição
corrobora com a redução da desigualdade num contexto onde estamos à volta com
desemprego em alta e muitas famílias em situação de insegurança alimentar. Na
ponta, a funcionária pública responsável pela execução do preparo do alimento é
a cozinheira. Uma função valorosa, em prol da vida está sob ameaça por processos
de alteração de relações de trabalho, em especial, a terceirização.
Vendendo
a terceirização como panaceia, vários governantes alegam que a principal
vantagem da terceirização é a redução de custos pelo não pagamento de encargos
trabalhistas. Ora, se o setor público tem que contratar empresas terceirizadas
que deverão honrar com suas respectivas obrigações trabalhistas, o processo de
terceirização, por si só, não tem a magia de fazê-las desaparecer de nosso
sistema previdenciário e tributário. Então onde ocorre a redução dos custos
para o governo de maneira que não afete a margem de lucro da empresa
terceirizada contratada? Na redução geral de salários e benefícios aos
trabalhadores terceirizados.
Constam
do rol de aspectos negativos já observados nos contratos terceirizados, além da
remuneração menor aos trabalhadores, a alta rotatividade da mão-de-obra, a
elevada quantidade de afastamentos por acidente de trabalho, a não garantia de
contratação pelo setor público da melhor empresa terceirizada, uma vez que o
critério primordial de escolha é pelo menor preço, além da possibilidade do não
envolvimento do trabalhador terceirizado com a cultura organizacional de seu
local de trabalho de fato dada a falta de perspectiva de permanência nesse tipo
de relação trabalho, baixa motivação e reconhecimento, e a quase inexistência
de canais de participação e colaboração mais pró-ativa. Isso posto, cabe
indagar. Quem paga a conta pela queda de qualidade do serviço prestado a partir
da celebração generalizada de contratos terceirizados pelo setor público? O
primeiro prejudicado, óbvio, é o próprio usuário. Mas se extrapolarmos para um
período mais longo, inter-geracional até, quem paga a conta é a sociedade como
um todo por gerar um povo menos saudável, menos escolarizado, menos preparado
para o mercado de trabalho e para a convivência social cidadã.
Os
contratos com empresas terceirizadas celebrados pelo setor público não ocorrem
por acaso. Nascem como mais um mecanismo do neoliberalismo de acesso aos
recursos públicos gerenciados pelo Estado. Trata-se de uma imposição ideológica
do Estado como gestor utilizando-se para balizar todas as relações
institucionais como relações empresariais. Para o alcance de tal objetivo é
fundamental o enfraquecimento da organização da classe trabalhadora via
fragmentação e da disseminação do lenga-lenga do funcionamento ineficiente do
Estado e redução do tamanho do mesmo. Na
cidade de Ribeirão Preto - SP ficou explícito o círculo vicioso entre empresas
terceirizadas e lideranças políticas com o advento da operação da polícia
federal denominada Sevandija.
As
cozinheiras das escolas públicas em geral são pessoas benquistas junto à
comunidade escolar. Para além do preparo
dos alimentos interagem e conhecem várias crianças pelo nome, as estimulam a
ter alimentação saudável, equilibrada, sabem das restrições alimentares de
outras etc. Nas planilhas do Estado gestor entra o atendimento
educador-humanizado?
Em Ribeirão Preto está em curso o projeto de extinção do cargo de cozinheira no setor público municipal. Diferentemente da extinção do cargo de carrasco que se deu por vários lugares por um avanço civilizatório estamos longe de uma situação social alimentar que extingue a função da cozinheira de uma escola pública hoje presente em vários lugares no Brasil, diante da realidade de vários alunos que mistura insegurança alimentar com má alimentação geradora de obesidade. A sociedade que se abdica de sua responsabilidade e permite a transformação do alimento de crianças e adolescentes em business promove o aprofundamento das desigualdades sociais.
Blog O Calçadão.
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