Estudo técnico para escolha do livro para licitação cita termos da parceria. Educação alega que acordo só foi firmado após licitação.
para o Blog O Calçadão, 01 de dezembro de 2021.
A Prefeitura
Municipal de Ribeirão Preto firmou, em outubro, um acordo de cooperação
com a Editora da Universidade de Cambridge (Cambridge University Press, CUP).
O acordo é assinado pelo Secretário da Educação, Felipe Elias Miguel,
pelo professor e assessor pedagógico de língua inglesa, José Ricardo de
Oliveira Cunha, e pelo Diretor da Editora da Universidade de Cambridge no
Brasil, João Sabino Madureira Neto. A parceria visa a capacitação de
professores e a realização de outras atividades relacionadas e não contempla
a transferência de recursos financeiros. Contudo, o Blog O Calçadão
apurou que o acordo previa a adoção de material didático (saiba mais aqui).
Esse
material didático foi adquirido agora em outubro por meio de licitação. O
edital de licitação 338/2021, tinha como objeto aquisição de livros
didáticos de língua inglesa para o ano letivo de 2022, mas especificava as
marcas dos livros a serem adquiridos:
Livro |
Aluno |
Professor |
Game Changer Level 1 Student's Book and Workbook with Digital Pack |
3005 |
44 |
Game Changer Level 2 Student's Book and Workbook with Digital Pack |
3044 |
45 |
Game Changer Level 3 Student's Book and Workbook with Digital Pack |
2845 |
41 |
Game Changer Starter Student's Book and Workbook with Digital Pack Editora: Cambridge University Press |
3148 |
45 |
American Guess What! 1A Combo with Online Resources. Editora: Cambridge University Press |
14742 |
273 |
Total
parcial |
26.784 |
448 |
Total |
27.232 |
Art. 7o As licitações para a execução de
obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em
particular, à seguinte sequência:
§ 5o É vedada a realização de licitação cujo
objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e
especificações exclusivas, salvo nos casos em que for tecnicamente
justificável, ou ainda quando o fornecimento de tais materiais e serviços for
feito sob o regime de administração contratada, previsto e discriminado no ato
convocatório.
Art.
15. As
compras, sempre que possível, deverão:
§
7o Nas compras deverão ser observadas, ainda:
I
- a especificação completa do bem a ser adquirido sem indicação de marca;
Também
fere os incisos II e XVI, alínea a, item 1, do art 3º do Decreto Municipal
80/2020:
Art.
3º. Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:
II
- bens e serviços comuns - bens cujos padrões de desempenho e qualidade
possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações
reconhecidas e usuais do mercado;
XVI
- termo de referência - documento que de verá conter:
a)
os elementos que embasam a avaliação do custo pela administração pública, a
partir dos padrões de desempenho e qualidade estabelecidos e das condições de
entrega do objeto, com as seguintes informações:
1.
a definição do objeto contratual e dos métodos para a sua execução, vedadas
especificações excessivas, irrelevantes ou desnecessárias, que limitem ou
frustrem a competição ou a realização do certame;
Por outro lado, o §5º do art 7º também estabelece que tais licitações são possíveis
quando for tecnicamente justificável. Para o advogado e especialista em
licitações, Rodrigo Camargo, há possibilidade de compra de livro
didático específico, inclusive com inexigibilidade de licitação, pois há
jurisprudência no Supremo Tribunal Federal, STF, e em órgãos de controle, desde
que a compra seja amparada por um estudo com rigor técnico. Para o
especialista, quando a Prefeitura renuncia ao rigor técnico do PNLD (Plano
Nacional do Livro Didático) deve ter o mesmo rigor em seu estudo técnico
formado por especialistas para a escolha do livro.
O Blog O Calçadão
conseguiu, via Lei de Acesso à Informação, LAI, acesso aos
documentos desse processo, que inclui o estudo técnico, pareceres jurídicos e
outros documentos.
A necessidade de estudo técnico para a licitação foi apontada
inclusive pela Procuradora Geral do Município, Ana Maria Seixas Paterlini,
quando acionada para análise e manifestação.
“Ressalta-se, no entanto, que não obstante a escolha
de determinado livro didático esteja no campo do poder discricionário da
autoridade pública, ela deve estar baseada em estudo técnico
conclusivo que a justifique. Nesse sentido, a escolha da autoridade competente
pelo livro de inglesa específico está baseada no estudo técnico preliminar
realizado pela equipe pedagógica, fls. 69/78, firmada por três servidores, mas
sem a indicação dos correspondentes cargos públicos, o que se sugere seja
complementado, em atendimento ao §§ 5º e 6º do art. 7º da Lei nº 8.666/93” (Parecer
nº 860/2021).
Esse
Estudo Técnico Preliminar da SME foi realizado em agosto e é assinado
por três servidores: Cláudia Maria Remonti (PEB III – Secretária
Adjunta), José Ricardo De Oliveira Cunha (PEB III – Assessor pedagógico) e Jeremias
Ricardo Carvalho (PEB III – Chefe da divisão de gestão pedagógica).
Ele apresenta uma consideração inicial em que
defende o ensino de língua inglesa desde as séries iniciais e em seguida, a
justificativa para a compra do livro. Para tanto, apresenta que a rede irá
utilizar a metodologia “CLIL” – “Content and Language Integrated Learning”
(Aprendizado Integrado de Conteúdo e Linguagem) “aquela que melhor
se adequa a todas essas demandas, sendo hoje uma das metodologias mais
amplamente difundidas e empregadas em diversos contextos educacionais nacionais
e internacionais” (Estudo Técnico preliminar). Também apresenta como
justificativa o processo de avaliação do conhecimento com base no Quadro
Europeu Comum de Referência (Common European Framework of Reference, CEFR).
A
partir desses dois critérios, o estudo da SME diz que encontrou na
Editora da Universidade de Cambridge as qualificações:
ao buscar por uma editora que pudesse tanto
viabilizar o fornecimento de materiais didáticos de qualidade reconhecida e em
consonância com a abordagem metodológica escolhida, como também disponibilizar
o acesso para os professores de língua inglesa da Rede a cursos de formação e
de capacitação linguística e metodológica para sua melhor implantação e
execução, a Secretaria Municipal da Educação encontrou na Editora da
Universidade de Cambridge (CUP) todos esses elementos citados, além de outros a
serem destacados posteriormente. (Estudo Técnico Preliminar)
Contudo, esse mesmo estudo não especificou,
em nenhum momento, quais outras editoras foram procuradas, consultadas ou
analisadas (se é que existiriam), nem tampouco por qual ou quais motivos e
critérios elas foram excluídas do processo. O que fica evidente no estudo é que
houve um diálogo entre a SME e a CUP até no sentido de orientação, conforme
vemos a seguir:
“Falando mais especificamente desses materiais, a
editora ofereceu diversas coleções e títulos, que foram cuidadosa e criteriosamente
analisados e selecionados, levando-se em conta os referenciais educacionais e
pedagógicos norteadores desta Rede - dentre os quais, a BNCC (Base Nacional
Comum Curricular) e o Referencial Curricular da Rede Municipal de Ribeirão
Preto - juntamente com o maior alinhamento possível com a metodologia “CLIL”, que norteará
todo o trabalho pedagógico em consonância com os referenciais supracitados, e
sem abrir mão da já citada autenticidade dos conteúdos linguísticos em língua
inglesa”. (Estudo Técnico Preliminar)
Em outro trecho do documento, fica evidente
que a SME mantinha um diálogo com a Editora da Universidade de Cambridge,
já em agosto, durante a realização do Estudo Técnico o que pode torna-lo parcial
ao buscar definir o livro didático mais adequado a ser adotado na rede
municipal de Ribeirão Preto. O estudo traz inclusive cláusulas do acordo de
cooperação que a Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto viria firmar com CUP
depois:
a Editora da Universidade de Cambridge
(CUP) já se colocou à disposição para promover ações em conjunto com a
Secretaria Municipal da Educação, com vistas a complementar este processo
de formação continuada. Tanto para os professores regentes, como também para os
especialistas, a Editora da Universidade de Cambridge (CUP) ajudará na
capacitação e desenvolvimento dos mesmos, para que possam melhor se preparar
para a implementação da metodologia, assim como da operacionalização dos
materiais didáticos. (Estudo Técnico
Preliminar)
No próprio estudo, que é datado de 11 de
agosto de 2021, já são citados os serviços que seriam oferecidos pela
CUP na parceria entre a Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto e a CUP que
viria a ser firmada apenas em 25 de outubro: “Teste online de nivelamento; Curso
online assíncrono para desenvolvimento e aprimoramento linguísticos; Capacitação
síncrona online dos materiais que serão adotados” (Estudo Técnico Preliminar).
Por fim, vale destacar que o estudo aponta
uma estreita relação entre os conteúdos dos livros da CUP e os conteúdos
cobrados no exame de proficiência de Cambridge (óbvio, não?!):
“Vale a pena ressaltar que todos os exames de
proficiência linguística de Cambridge foram criteriosamente pensados e
desenvolvidos com base no QECR, documento norteador que serve de referência
para a autenticidade e validade de diversos outros exames de proficiência de
língua estrangeira”. (Estudo Técnico
Preliminar)
O estudo destaca a importância que é ter um
exame de proficiência de Cambridge, mas não menciona que há tantos outros
exames de proficiência aceitos por empresas e universidades em programas de
pós-graduação, como por exemplo:
- TOEFL (Test of English as a Foreign
Language);
- IELTS (International English
Language Testing System);
- TOEIC (Test of English for International Communication);
Não questionamos a defesa do ensino de língua
estrangeira nas séries iniciais (importante para rede municipal!), nem tampouco
a boa qualidade dos materiais da Editora da Universidade de Cambridge
(inegável). O que se questiona aqui é a ausência de outras editoras no
processo que podem/poderiam oferecer materiais didáticos de qualidade
equivalente aos materiais (e serviços) oferecidos pela CUP criando uma
competição saudável que poderia trazer benefícios aos cofres públicos.
Segue uma lista de editoras possíveis:
- · Editora da
Universidade de Oxford (Oxford University Press)( https://global.oup.com/brasil/);
- · Person
English (https://www.pearson.com/english/digital-tools/pearson-english-portal.html);
- · Richmond (https://www.richmond.com.br/catalogo/); (estes inclusive com menção direta ao
método CLIL)
- · Macmillan
Education (http://www.macmillan.com.br/catalogo.php)
A Prefeitura foi cuidadosa em realizar uma
compra de livros por meio de pregão eletrônico, aponta Camargo, mas isso não
significa que necessariamente houve observância dos princípios constitucionais
relacionados ao dinheiro público como economicidade, eficiência, pois houve uma
especificação do produto o que restringiu competição no processo licitatório o
que poderia tornar o preço mais caro. O especialista também aponta que a
parceria entre a Prefeitura e a CUP não foi exatamente ‘sem custos’, uma vez
que houve aquisição de grande quantidade de material didático da própria
editora. Nesse sentido, Camargo ressalta que deve ‘haver um controle rígido’,
seja da Câmara Municipal de Ribeirão Preto, responsável por fiscalizar o
executivo, seja pelos órgãos de controles, “se foi vantajoso para o município, se
foi vantajoso para a educação municipal a escolha desse sistema... no sentido
econômico e de eficiência”.
O Outro lado
Em nota enviada ao Blog O Calçadão, a SME
afirma que a parceria foi realizada após a aquisição do material didático
realizada por meio de processo licitatório. A SME também afirma que teve
parecer favorável ao acordo e que tem autonomia para escolha do material. (veja
nota completa abaixo)
Nota da SME sobre a Parceria com a CUP e a
licitação dos livros da CUP
A Secretaria da Educação informa que a
aquisição do material didático foi realizada por meio de processo licitatório e
o acordo de cooperação com a editora foi firmado após o certame. Esclarecemos
ainda que o acordo de cooperação, sem custo, possui Parecer Jurídico favorável
da Procuradoria Geral do Município e consiste na capacitação dos professores da
rede. Os dois processos são públicos.
Informamos também que a Secretaria Municipal
da Educação, de acordo com o artigo 70 da LDB, tem autonomia para a escolha do
material didático da sua rede. Secretaria
da Educação
Um comentário:
E agora????
PSDB...NADA ACONTECE!😷👀🖤
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