Ser um Homem feminino ou Isso é tão anos 60
ou Feminismo Amnésico ou
Trá trá trá
Eu evitei falar sobre esse assunto, mas quero usá-lo como possibilidade de reflexão. Organizei um grupo de estudos sobre Clarice Lispector, baseado no livro 'Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres', juntamente com a Professora Dra Lucília Abrahão. Sou apaixonado por este livro e gostaria
de discutir algumas questões contemporâneas como o feminino/feminismo/queer.
de discutir algumas questões contemporâneas como o feminino/feminismo/queer.
Pois bem. O curso iniciou-se em 17 de janeiro e é um sucesso. Inscrições lotadas e lista de espera enorme. Um pouco antes do curso se iniciar uma moça que eu não conheço, mas que tinha inúmeros amigos em comum comigo, escreveu no facebook que "você percebe que um curso sobre feminismo já tem grandes chances de naufragar quando o mediador é um homem. Sério, gente, um homem pra mediar um curso sobre feminismo?".
Chamei a tal moça para conversar por inbox porque me interessava entendê-la um pouco mais. Nessa conversa ela afirmou que meu lugar nessa questão era sentado ouvindo o que as mulheres tinham a dizer e só.
Discordo veementemente. Isto mostra uma desinformação profunda sobre o significado da palavra 'feminismo', sobre suas raízes e histórico. Essa prática é muito comum no atual movimento feminista e é um dos grandes responsáveis pela confusão sobre os termos.
Feminismo é sobre a luta pelos direitos iguais entre os gêneros. Já femismo é uma outra coisa totalmente diferente, que acredita na superioridade das mulheres sobre os homens. Assim como o machismo acredita que os homens são superiores às mulheres. É importante esclarecer essas questões porque vejo muita gente desinformada opinando sobre os assuntos e transformando isso numa verdadeira guerra entre os sexos.
Isso é tão anos 60!!
Uma coisa que não vejo ninguém discutindo é como vamos construir uma sociedade juntos: HOMENS e MULHERES!
Essa corrente que separa os gêneros entre o opressor e a vítima é extremamente conservadora e não dá conta da singularidade da vida cotidiana. Isto mesmo. Ser feminista não é apenas um discurso, mas uma prática. Uma prática que, aliás, tem muito mais a ver com suas escolhas diárias do que com o que você grita no protesto na rua ou nas redes sociais.
Cynthia Semíramis, doutoranda em Direito pela UFMG, escreveu: " Tratar homens como opressores, manipuladores e inimigos a priori rotula as partes e impede o diálogo e a mudança de mentalidade. Isso não ajuda em nada a ampliar o debate sobre discriminação de gênero. Mas atende muito bem a quem quer brincar de novela e criar um inimigo para ser combatido. Gostaria muito que se lembrassem que não é tudo tão fixo assim: a resistência à reivindicação de direitos existe tanto por parte de homens quanto de mulheres. e as conquistas de direitos das mulheres sempre tiveram apoio masculino ( muitas vezes eram somente eles decidindo, como no direito de voto feminino ). Enquanto parte do movimento feminista ficar na presunção de que homem é sempre opressor, não vai ter diálogo nem mudança de mentalidade ou conquista de direitos. Ou seja, um mundo muito pior para as mulheres. É esse o objetivo? Espero que não".
O que me incomodou no discurso da tal menina no facebook foi exatamente isso. Ela me julgou sem nem ao menos conhecer meu trabalho, sem nem ao menos ter participado do grupo de estudos. Julgou-me tão somente por eu ser um homem ( sub-texto: inimigo ). Como parte da minha tentativa de diálogo com a moça, fiz-lhe uma pergunta provocativa: Se eu fosse um transexual poderia ser mediador do grupo? Ao que ela afirmou que sim. Essa é a contradição. Entendem? O que é feminino? O que é masculino? Tudo isso que a gente supõe ser uma coisa ou outra é uma construção cultural. Está aí o movimento Queer para desconstruir essa binaridade de gêneros. Essa naturalização é criminosa e é preciso olhar essa questão não só sobre o prisma da sexualidade.
É muito mais que isso!
A filósofa Beatriz Preciado afirma que esta divisão entre os gêneros é fictícia. "Um fantasma onde alguém pode se instalar e viver confortavelmente". É justamente essa a reflexão que seria necessária para os nossos tempos. Mas ninguém quer falar sobre isso. É muito mais 'Cool' escrever que homens são só opressores e que mulheres são somente suas vítimas.
Mas a quem interessa esse raciocínio? A quem interessa esse feminismo amnésico (termo roubado de Beatriz Preciado ), que desconhece suas raízes? Que esqueceu que os primeiros feministas foram alguns homens que o discurso médico considerou anormais por haver perdido seus atributos 'viris'. Que espécie de feminismo é esse que se esqueceu daqueles homens acusados de feminizarem-se ao se aproximar das sufragistas? A quem interessa esse feminismo que não é reflexivo, nem sobre direitos, mas que se contenta em apontar sua metralhadora cheia de mágoas e trá trá trá?
Mateus Barbassa é ator e diretor de Teatro.
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