Foto: Paulo Honório |
No nosso país, dentro de um ambiente de muito ódio,
destruição de biografias e mentiras de todo tipo, vale recorrer ao espírito de
São Francisco de Assis, à sua famosa oração pela paz e à sua saudação de Paz e
Bem. Era um ser que havia purificado seu coração de toda a dimensão de sombra,
tornando-se “o coração universal…porque para ele qualquer criatura era uma
irmã, unida a ela por laços de carinho” como escreveu o Papa Francisco em sua
encíclica ecológica (n.10 e 11). Por onde quer que passasse, saudava as pessoas
com o seu” Paz e Bem”, saudação que ficou na história especialmente dos frades
que começam suas cartas desejando Paz e Bem.
Construiu laços de paz e de fraternidade com o Senhor irmão
Sol, e com a senhora Mãe Terra. Essa figura singular, seja talvez uma das mais
luminosas que o Cristianismo e o próprio Ocidente já produziram. Há quem o
chame de o “ultimo cristão” ou o “primeiro depois do Único” quer dizer, de
Jesus Cristo.
Seguramente podemos dizer: quando o Cardeal Bergoglio
escolheu nome de Francisco quis sinalizar um projeto de sociedade pacifica, de
irmãos e irmãs, reconciliados com todos os irmãos e irmas da natureza e de
todos os povos. A mesmo tempo, pensou numa Igreja na linha do espírito de São
Francisco. Este era o oposto do projeto de Igreja de seu tempo que se expressava
pelo poder temporal sobre quase toda a Europa até a Rússia, por imensas
catedrais, suntuosos palácios e grandes abadias.
São Francisco optou por viver o evangelho puro, ao pé da
letra, na mais radical pobreza, numa simplicidade quase ingênua, numa humildade
que o colocava junto à Terra, no nível dos mais desprezados da sociedade
vivendo entre os hansenianos e comendo com eles da mesma escudela.
Para aquele tipo de Igreja e de sociedade, confessa
explicitamente: “quero ser um ‘novellus pazzus’, um novo louco”: louco pelo
Cristo pobre e pela “senhora dama” pobreza, como expressão de total liberdade:
nada ser, nada ter, nada poder, nada pretender. Atribui-se a ele a frase:
“desejo pouco e o pouco que desejo é pouco”. Na verdade era nada. Considerava-se
“idiota, mesquinho, miserável e vil”.
A despeito de todas as pressões de Roma e as internas dos
próprios confrades que queriam conventos e regras nunca renunciou ao eu sonho
de seguir radicalmente o Jesus, pobre junto com os mais pobres.
A humildade ilimitada e a pobreza radical lhe permitiram uma
experiência que vem ao encontro de nossas indagações: é possível resgatar o
cuidado e o respeito para com a natureza? É possível uma sociedade sem ódios
que inclua a todos, como ele o fez: com o sultão do Egito que encontrou na
cruzada, com o bando de salteadores, como lobo feroz de Gúbbio e até com a irmã
morte?
Francisco mostrou esta possibilidade e sua realização. ao
fazer-se radicalmente humilde. Colocou-se no mesmo chão (húmus=humildade) e ao
pé de cada criatura, considerando-a sua irmã. Inaugurou uma fraternidade sem
fronteiras: para baixo com os últimos, para os lados com os demais semelhantes,
independente se eram Papas ou servos da gleba, para cima com o sol, a lua e as
estrelas, filhos e filhas do mesmo Pai bom.
A pobreza e a humildade assim praticadas não têm nada de
beatice. Supõem algo prévio: o respeito ilimitado diante de cada ser. Cheio de
devoção, tirava a minhoca do caminho para não ser pisada, enfaixava um galhinho
quebrado para que se recuperasse, alimentava no inverno as abelhas que esvoaçam
por aí, famintas.
Não negou o húmus original e as raízes obscuras de onde
todos viemos. Ao renunciar a qualquer posse de bens ou de interesses ia ao
encontro dos outros com as mãos vazias e o coração puro, oferecendo-lhes apenas
o Paz e Bem, a cortesia, e o amor cheio de e ternura.
A comunidade de paz universal surge quando nos colocamos com
grande humildade no seio da criação, respeitando todas as formas de vida e cada
um dos seres pois todos possuem um valor em si mesmo, antes de qualquer uso
humano. Essa comunidade cósmica, fundada no respeito ilimitado, constitui o
pressuposto necessário para fraternidade humana, hoje abalada pelo ódio e pela
discriminação dos mais vulneráveis de nosso país. Sem esse respeito e essa
fraternidade dificilmente a Constituição a Declaração dos Direitos Humanos
terão eficácia. Haverá sempre violações, por razões étnicas, de gênero, de
religião e outras.
Este espírito de paz e fraternidade, poderá animar nossa
preocupação ecológica de salvaguarda de cada espécie, de cada animal ou planta,
pois são nossos irmãos e irmãs. Sem a fraternidade real nunca chegaremos a
formar a família humana que habita a “irmã e Mãe Terra”, nossa Casa Comum, com
cuidado.
Essa fraternidade de paz é realizável. Todos somos sapiens e
demens mas podemos fazer com que o sapiens em nós humanize nossa sociedade
dividida que deverá repetir:” onde há ódio que eu leve o amor”.
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