Cineastas reforçaram o papel histórico que o filme vem desempenhando ao redor do mundo.
Fotos e texto: Filipe Augusto Peres
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Durante debate realizado pelos
SESC e o Cine Clube Cauim no último dia 22, em Ribeirão Preto, os diretores do
premiado e prestigiado filme Bacurau (2019) falaram com o público e abordaram
as questões políticas, sociais e históricas que envolveram a construção do
roteiro e a sua respectiva ressonância ao redor do mundo.
Em uma parceria Cine Clube Cauim
e SESC, entre os dias 21 e 22 de janeiro, o Cine Clube Cauim exibiu, com casa
lotada nos dois dias, passando de 800 pessoas no maior cinema de Ribeirão
Preto, o prestigiado e premiado filme, Prêmio do Juri, no Festival de Cannes,
em 2019, “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, sendo que no
dia 21 ocorreu a exibição com a presença dos diretores seguida de um bate-papo
com eles no dia seguinte.
Cineastas falaram sobre a importância do contexto social, político e histórico em que o Brasil, o mundo passa atualmente para explicar a ressonância de Bacurau. |
Contexto Social e Político do Brasil e do Mundo
No dia 22, durante a conversa com
o público, os cineastas falaram sobre questões técnicas e, principalmente,
sobre as questões políticas que contextualizaram o lançamento e a divulgação do
filme durante todo o ano de 2019. Já em sua primeira fala, Kleber Mendonça
Filho afirmou a importância de grandes espaços como o Cauim, capaz de juntar
grandes aglomerações para debater obras culturais, para debater a sociedade, o país:
“Aglomerações como essa, onde as pessoas se juntam para trocar ideias, falar
sobre a cultura, falar sobre país, falar sobre a sociedade são, absolutamente,
essenciais, sempre. Mas no momento, particular, que a gente está passando no
Brasil, acho que elas são ainda mais importantes”.
Juliano Dornelles |
Para a construção do roteiro de
Bacurau, Juliano Dornelles, apesar de ter dito que o texto base foi escrito em
2009, admitiu que este foi modificado diversas vezes devido às mudanças constantes
do contexto social e histórico quando falou sobre a filmagem de Bacurau: “a
gente se divertiu muito, o roteiro passou por diversas transformações. A gente
acompanhou muito o que estava acontecendo ao nosso redor, no mundo, prestou
muita atenção e, em 2019 o filme fica pronto, é exibido no Festival de Cannes e
ganha prêmio do Júri. O resto da história imagino que vocês já saibam”.
Ainda sobre a importância de
estar atento ao que acontece na sociedade, Kleber Mendonça reforçou a fala JD e
afirmou que a escrita do roteiro de Bacurau, por não ter sido isolada, pôde
captar o grau de absurdo do mundo nos últimos dez anos:
[...] “Bacurau, a gente estava
conectado sempre e ao estar conectado era como se nós estivéssemos recebendo o
grau de absurdo que o mundo começou a entrar. Não estou dizendo que o mundo
nunca foi absurdo, não, mas acho que de dez anos para cá e, com todo esse
acesso de comunicação, de desenvolvimentos políticos (que não só no Brasil, são
também nos EUA, na Europa), a gente começou a observar uma realidade que se
aproximava muito de uma ficção. Inclusive, o roteiro de Bacurau era muito mais
absurdo 6 anos atrás do que ele é hoje, em 2020. A gente fica percebendo isso
durante a escrita do roteiro, principalmente quando Donald Trump foi eleito
Presidente dos Estados Unidos. Eu lembro do ano em que ele foi eleito e lembro
dos meses que antecederam a eleição e sempre aparecia como algo que não ia
acontecer, como um grande absurdo, um tipo de situação que faz parte de um
livro ou filme de ficção científica. Só que em 2016, de fato, ele foi eleito.
Foi aí que nós entendemos que o nosso roteiro tinha passado para um outro
estágio, não por causa do roteiro mas por causa do mundo ao redor do roteiro”.
Sobre o Brasil, dentro deste
contexto absurdo, Kleber afirmou que quando o filme estreou, em 2019, o país já
estava mergulhado em uma situação política absurda: O filme tem tido uma
ressonância muito grande na sociedade: “Eu acho que há uma combinação quase
atmosférica entre uma obra cinematográfica e o que acontece na sociedade”.
Visão preconceituosa do
Sul/Sudeste com o Nordeste
Entendendo que tanto jornalistas como
artistas estão inseridos dentro de um contexto social, os cineastas, enquanto cidadãos
nordestinos, também abordaram o preconceito, a visão estigmatizada que a
imprensa, o cinema reproduz quando retratam o Nordeste. Sobre esta questão,
Dornelles afirmou:
“A gente, como nordestino, presenciou
algumas coisas que incomodaram, que deram alguma raiva no Festival de Cinema de
Brasília (2009), uma série de filmes sempre com um olhar, basicamente,
problemático em relação aos seus objetos, que são as pessoas desses filmes que
vivem em lugares afastados ou em uma região diferente das dos diretores, dos
realizadores, e esse olhar de cima pra baixo sentindo um certo exotismo, tratando-as
como se fossem pessoas simples (não complexas). [...] Isso não começou naquela
semana, naquele festival. Isso vem da nossa história, do Brasil sobre como a
representação dessas pessoas vem sendo feita pelo jornalismo, pelas
telenovelas, por tudo isso. A gente começou a se divertir com a ideia das
pessoas surpreenderem de forma radical. Esse foi o ponto de partida. E (o
preconceito) é algo que a gente ainda continua vendo se repetir. Não parece que
tenhamos caminhado para uma evolução”.
Reforçando a crítica à ideia
estigmatizada de Nordeste, Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles lembraram
um fato natural da região em que está situada a cidade de Parelhas-RN, local em
que o filme foi rodado. KM começou relatando a chuva colossal que se abateu
sobre a cidade assim que a equipe de produção chegou:
“Quando escolhemos Parelhas-RN
não chovia há 7 anos e tinha um look completamente seco, que é um look
clássico do sertão. Quando a equipe de produção chegou lá na primeira
semana, a maior chuva em 7 anos [...]”
Complementando a fala, Juliano afirmou
que o que seria um problema muito grande para outros diretores, para eles não
foi. O cineasta disse que ao ver o sertão verde achou mais bonito e ressaltou
que a paisagem que se apresentou após a chuva, por fugir do imaginário que se
faz da sub-região da Região Nordeste, foi considerada uma sorte pois trouxe um
sertão que também existe.
Em cima disso, Kléber Mendonça questionou:
“O que é o sertão? O sertão é aquele lugar da teledramaturgia e do cinema novo
ou o sertão é o sertão? O sertão é, na verdade, um lugar seco mas que, também,
chove. E, quando chove, a natureza é voraz. Por exemplo, choveu um dia e, de
repente, você via animais que você não sabia que estavam lá. Então, a relação
da água com o sertão faz parte do sertão e nós decidimos colocar isso no filme”.
Relação de Bacurau com a
História
Em uma de suas falas, JD justificou
o estrondoso sucesso de Bacurau ao redor do mundo devido a conexão que o filme
possui com história:
“Pensando sobre como Bacurau tem
tanta conexão com o que acontece no mundo, Bacurau é um filme que se volta
muito para a história, olha muito para o passado e esses erros do passado sendo
repetidos. Enfim, aí discutimos Guerra do Vietnã (também chamada de Guerra de
Resistência contra a América pelos vietnamitas – observação do blogue), como
o exército americano não se interessou em entender quem eram aquelas pessoas e
terminaram se dando mal. Eles não conversaram com os franceses sobre isso pois eles
já tinham ocupado aquele território quando este ainda era chamado de Indochina (outro
nome para a Guerra de Resistência contra a América é Segunda Guerra da
Indochina – observação do blogue). Todos esses elementos da história,
da humanidade, não só do Brasil, influenciaram, junto com essa coisa da
representação, junto com a coisa da gente ser do Nordeste e pensar em fazer um
tipo de filme que não era permitido fazer”.
Perguntas
A luta pela terra e a perseguição do Governo Bolsonaro a sem terras, indígenas e quilombolas
A luta pela terra e a perseguição do Governo Bolsonaro a sem terras, indígenas e quilombolas
Após as falas, em um determinado
momento do debate sobre o filme, quando questionados por uma militante do
Partido dos Trabalhadores sobre a perseguição que o governo Bolsonaro tem realizado
às populações do campo (quilombolas, sem terras e indígenas), lembrando o
assassinato do militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o acampado
Luis Ferreira da Costa, do Acampamento “Marielle Vive!”, em Valinhos-SP,
durante um protesto pacífico por água, em que os militantes do MST distribuíam
alimentos orgânicos a quem passava pelo local, por um bolsonarista, se houve
algum tipo de inspiração nas lutas do campo pela terra para a escrita do roteiro
do filme, Kléber Mendonça Filho respondeu:
“Eu sou filho de uma
historiadora. [...] Ela estudou, exatamente, o que aconteceu no Brasil, quando
a escravidão foi abolida, em 1888, quando a população negra se viu livre. Na
verdade, não aconteceu nada. O Brasil não fez nada para receber os novos
cidadãos brasileiros que não eram mais escravos. Então, eu cresci ouvindo
histórias da História sobre a questão da terra no nosso país e é uma história
extremamente violenta que não para, ela simplesmente continua. O início do meu
primeiro filme “O som ao redor” (2013) começa com fotos da Ligas Camponesas,
nos anos 60, em Pernambuco, na Paraíba. Para mim, esta é uma questão constante
e sempre (eu e o Juliano) discutimos a questão da terra, a questão da violência
da terra. Há, inclusive, uma menção (no filme) que sempre me emociona, que é o
nome do João Pedro Teixeira quando todos os nomes estão sendo lidos na cena do
alto falante. João Pedro Teixeira é o “Cabra Marcado para Morrer” (1984), do
Eduardo Coutinho, um dos grandes filmes feitos neste país na história do cinema
brasileiro. Então, a questão da terra é um tema recorrente para mim e é um tema
que eu quero retratar no futuro, talvez de maneira mais frontal do que em
Bacurau”
Ressonâncias de Bacurau: Golpe
de 2016 e Governo Bolsonaro
Quando questionados sobre a recepção
que o mundo tem tido em relação ao filme, Juliano Dornelles afirmou que as reações
são várias, das mais diversas formas:
“Ano passado eu fui para 20
países e as pessoas estão ligadíssimas no filme, ligadíssimas no Brasil, algo
que 3, 4 anos atrás era bem diferente, vamos combinar porque essa coisa do
Golpe (sobre o governo da então Presidenta Dilma Roussef, em 2016, retratado
recentemente no, agora indicado ao Oscar na categoria de melhor documentário, “Democracia
em Vertigem, de Petra Costa” – observação do blogue), que nós denunciamos em
Cannes... as pessoas ainda não estavam ligadas. Uma outra coisa que chama a
atenção é que mais da metade das perguntas eram direcionadas à questão política
do Brasil, sobre Bolsonaro e eu dizia que um filme demora para ser
escrito. O filme não é uma resposta a Bolsonaro. Bolsonaro é uma piada”,
encerrou.
Kléber Mendonça Filho |
Papel da Cultura de denúncia social
e desconstrução de senso comum em tempos de perseguição pelo Governo Bolsonaro
Sobre o papel que os cineastas têm
tido em responder sobre o que tem acontecido no Brasil desde o Golpe de 2016,
Kléber Mendonça Filho ressaltou a importância da arte neste tempo turvo:
“Nós temos nos tornado representantes da nação
brasileira. As pessoas querem tentar entender o que se passa no nosso país, não
só através de Bacurau mas através de nós. Essa é uma situação muito peculiar,
muito irônica, em um momento em que o artista do Brasil está sendo atacado,
está sendo desvalorizado. Há um paradoxo, aí, quando o artista, como aconteceu
comigo, entra numa recepção, na China, e um representante do governo não tem
convite para aquela recepção. Isto para mim é muito irônico porque o artista
tem um valor que vem da arte que é feita e (atualmente) tem-se a ideia de
desconstruir, destruir a ideia do artista no Brasil. Isso é uma coisa que eu
queria falar. A outra coisa, parecida com essa, aconteceu no Festival de Nova
Iorque, numa sala maior que essa, ainda, mas a sensação visual é muito
parecida. Tinha muita gente depois da sessão e lá atrás, no lado esquerdo, um
senhor americanopegou o microfone e disse assim: ‘Eu queria só tirar uma dúvida,
os americanos são os vilões? Por quê?’ E eu disse: Por que não?”
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