domingo, 6 de março de 2016
Por quê há epidemia de Dengue e Zika em Ribeirão Preto? Leonardo Sacramento
Ribeirão Preto é uma cidade de porte médio para grande. Contudo, sente os efeitos de uma epidemia de dengue e zika. Normalmente, a Prefeitura, por meio de sua publicidade, tende a responsabilizar a população, alegando que ela não cuida de eliminar os criadouros. O que em parte pode até ser verdade, mas em parte, significativa, é discurso falacioso e tendencioso.
Recentemente a Prefeita criou uma lei que, supostamente, instituiu um dia de combate ao mosquito Aedes aegypti, 'obrigando' escolas a ministrarem conteúdos de 'conscientização' com as crianças e jovens.
Mas o que significa tal medida? A meu ver, uma iniciativa que descontextualiza os problemas e seus reais condicionantes.
Devo dizer que não sou contra que crianças e jovens saibam o que é um criadouro. Mas, ao longo dos anos, noto que este assunto esgotou, porque focar no combate monocausal aos criadouros ganha aparência de mentira. E entendo que escola deve se pautar na busca pela verdade, que só pode ser conseguida por meio de uma análise concreta e histórica da realidade.
Primeiramente, Ribeirão Preto possui uma péssima gestão sobre o lixo. Quem afirma categoricamente este fato (que todos sentem) é a Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
Mas vamos aos condicionantes históricos? Em Ribeirão Preto o lixo é gerido por uma família, que financia campanhas para Prefeito e vereadores. Esse financiamento tem por objetivo comprometer as posições dos políticos eleitos com as posições políticas e econômicas da empresa Leão & Leão e família.
Como exemplo, há alguns anos atrás, a Prefeitura Municipal, seguindo ordens da empresa e da família, decidiu romper ou não renovar o contrato que estabeleceu com uma organização de catadores de reciclados. Por quê? Porque a empresa e a família se opuseram ao programa, uma vez que separar lixo reciclável de lixo comum diminui a massa de lixo, fazendo com que a empresa receba menos do erário público.
Disso se segue que Ribeirão Preto não possui uma política de resíduos sólidos e reciclagem porque isso contraria interesses privados da empresa e família proprietária.
Aliado a esse contexto de privatização do lixo, Ribeirão Preto tem muitos terrenos baldios e casas sem moradias. Por quê? Porque Ribeirão Preto não expande segundo uma lógica urbanística planejada. Expande-se roboticamente seguindo a lógica da especulação imobiliária. E esse fato é simples de ser constatado, basta voltarmos à história da cidade.
Ribeirão Preto iniciou-se onde hoje chamamos pejorativamente de baixada. No início da cidade, a elite habitava a rua José Bonifácio, considerada a rua cujo os imóveis eram mais valorizados. Com a imigração e o crescimento em habitantes, essa elite migrou para a parte alta do centro e avenida Nove de Julho. Com o crescimento estrondoso da cidade, na segunda parte do século 20, essa elite preconceituosa e provinciana (Le Monde, 2014) migrou para a zona sul, após a inauguração do Ribeirão Shopping no início dos anos 80. Agora, essa mesma elite migra para além da rodovia, onde se encontram condomínios de alto padrão e o Iguatemi Shopping.
Nesse processo, a classe trabalhadora migrou para as zonas oeste e norte, sem planejamento e seguindo a lógica da especulação imobiliária (rico na zona sul e pobre na zona norte), com habitações, muitas vezes, precárias, em um flagrante processo de favelização.
Quem visita hoje os bairros acima da Nove de Julho percebe que há mais casas para alugar e vender do que com moradores. Isso é visível até próximo do Ribeirão Shopping. Enquanto isso, a construção de casas populares na zona norte dá-se cada vez mais afastada do centro, porque a Prefeitura, seguindo interesses privados de grandes construtoras e imobiliárias, prefere, deixando áreas e mais áreas sem a utilização social do solo.
Ribeirão Preto é a cidade da especulação imobiliária. Essa é a única regra urbanística que existe e, por isso, o Plano Diretor sempre naufraga.
No Censo do IBGE de 2010, em Ribeirão Preto havia 16 mil imóveis vagos e 7745 casas que dizem ser de uso ocasional, perfazendo um total 23745 casas não ocupadas por moradores dentro do perímetro urbano. Em 2012, uma pesquisa para aferir a quantidade de habitantes em moradias precárias contabilizou 25 mil cidadãos.
Não adianta responsabilizar as pessoas por ocupações e moradias precárias quando a política pública existente favorece a desocupação de moradias para aluguéis.
Então o resultado é o seguinte: casas abandonadas na zona sul e terrenos baldios na zona norte. Aliada a esse dado há a péssima gestão do lixo.
Importante constatar que a forma como a cidade cresceu e a má gestão do lixo não são improvisações políticas ou obra do acaso. Pelo contrário, são resultado de políticas deliberadas que seguem interesses privados, em detrimento dos interesses públicos.
Nesse exato momento, o discurso de crise da Prefeitura e a liminar concedida a ela (afinal, ela foi favorecida), permite que não se contrate agentes de endemias, médicos e enfermeiros. Prefere, como alternativa viável, (e que abastece empresas financiadoras da mídia), a propaganda.
O que permite esse contexto? Financiamento de campanhas e a responsabilização do indivíduo por meio de propagandas e campanhas de 'conscientização' quando na verdade o problema é histórico e foi construído por políticos e por sua elite "provinciana".
Exatamente por isso que me recuso a participar de programas de 'conscientização' sobre o Aedes aegypti, pelo menos da forma como a Prefeitura prefere. Se participo, prefiro transmitir aos alunos todos os fatos aqui relatados, a fim de que não se responsabilizem politicamente por algo que não participaram, uma vez que a participação popular para a construção da cidade lhes é vedada pelas elites financiadoras de campanhas e por seus funcionários eleitos.
Leonardo Sacramento é professor da rede Municipal e Secretário-Geral da APROFERP
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