Marcelo Botosso*
“Só há uma coisa a
dizer ao Sr. João Goulart: Saia!”
(Do Editorial do CORREIO DA MANHÃ, de 01 de
abril de 1964)
Em 31 de março de 1964, o general Mourão Filho,
então comandante da IV Região Militar, apoiado pelo II e IV Exércitos e vários
governadores de Estado, entre eles o governador da Guanabara, Carlos Lacerda,
mobilizava as tropas de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro onde se
encontrava o Presidente da República. A mobilização visava a deposição do
governo constitucional do Presidente João Goulart, liderança esquerdista
forçosamente identificada com o bloco soviético naqueles tempos de
bipolarização mundial.
Em 1o de abril – e não foi mentira – o
golpe de Estado era fato consumado. João Goulart e outros brasileiros partiriam
para o exílio sendo que o primeiro só voltaria anos mais tarde na obscura
condição de cadáver. Para as elites civis, o 1º de abril é insistentemente
classificado como golpe militar na intenção de se eximirem de sua parcela
de responsabilidade pela quebra da constitucionalidade democrática e o
posterior regime de exceção instaurado.
Para frear os avanços que a classe trabalhadora
brasileira vinha galgando, sobretudo a partir da Revolução de 30, violar a
ordem constitucional foi a saída e isso certamente não se faria sem o recurso
da força. Se o golpe de 1964 inaugura um Estado militarizado, este não pode ser
compreendido apenas como uma edificação intrínseca dos círculos militares.
As elites civis brasileiras já davam indícios de
seus descontentamentos quanto aos rumos populares que o Brasil tomara.
Reconhecer a conquista do direito à cidadania do nosso povo trabalhador, em
grande parte negra e mulata, deixara de ser caso de polícia e passara ser caso
de política. Isso para as nossas elites, fundamentalmente a liberal e
capitalista, herdeiras de um recente passado escravocrata, era uma tarefa mais
que indigesta. Mesmo com a morte do presidente Getúlio Vargas, 1954, movida por
fortes pressões de seus implacáveis opositores, a UDN (União Democrática
Nacional), agremiação político-partidária liderada por Carlos Lacerda, não se
inquietou na tentativa de varrer do país o legado nacional-trabalhista
de Vargas ainda que para isso fosse necessário recorrer a um estado de
beligerância militar com improváveis consequências. As elites nacionais se
associando ao imperialismo estadunidense, apoiadas por setores da sociedade
civil, a Igreja Católica e tendências conservadoras das Forças Armadas, há
tempos confabulavam nesse sentido.
Mas a materialização da intenção golpista ocorreria
somente 10 anos após a morte do presidente Vargas, época de nossa história
republicana em que o acirramento das contradições de classe e ideológicas
parecia chegar na sua plenitude.
Portanto seria errôneo classificar apenas de militar
o golpe de Estado concretizado em 1964, haja vista a intensa participação civil
naquele evento. Em uma simples designação é possível ocultar intenções com
nefastas consequências, principalmente para aqueles que pretendem se aventurar
na compreensão de nossa história. Exemplo emblemático desta situação é o termo
“populismo” amplamente utilizado na historiografia que – como atualmente
admitem consagrados autores - mais prejudicou a classe trabalhadora do que a
ajudou. Portanto fica a advertência quanto à titulação do movimento ocorrido no
ano de 1964: civil-militar parece
ser a maneira mais precisa de se adjetivar o contexto histórico aqui tratado e que
completa hoje 53 anos.
*Bacharel, licenciado e mestre em História pela Universidade
Estadual Paulista - UNESP, autor de vários títulos acadêmicos, entre eles o
livro “FALN, a guerrilha em Ribeirão Preto” publicado pela Holos Editora.
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