A crise e a polarização política não pararam de se agravar, mas o cansaço dos cidadãos e a ausência de uma alternativa clara atuaram como elemento desmobilizador
A má saúde de ferro do Governo Michel Temer se submete nesta
quarta-feira a outro teste decisivo. E os prognósticos são de que a gestão
convalescente conseguirá superá-lo, embora vá continuar respirando por
aparelhos. A Câmara dos Deputados votará se aceita dar prosseguimento à
denúncia apresentada contra Temer pelo procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, que acusa o presidente de corrupção passiva. Um voto favorável
significaria que Temer seria afastado do cargo por até seis meses. Para isso é
necessário o apoio à denúncia de dois terços da Câmara –342 dos 513 deputados–
um objetivo que parece inalcançável para os adversários do presidente.
Os brasileiros assistirão nesta quarta-feira a uma liturgia
bem conhecida, muito semelhante à que há 14 meses resultou na destituição da
presidenta anterior, a petista Dilma Rousseff. O julgamento do Congresso
alcança agora aquele que era o vice-presidente de Rousseff, Michel Temer, que
aproveitou o impeachment de sua então aliada para tomar o poder e formar um
novo Governo, de centro-direita. Ao contrário de sua antecessora, que foi
submetida a um julgamento meramente político, contra Temer paira agora uma
denúncia penal, já que é acusado de cobrar, através de intermediários, subornos
de um dos maiores empresários do país. Mas a Constituição brasileira impede a
abertura de um processo contra um presidente sem o aval de uma maioria
qualificada de deputados da Câmara, que, como em abril do ano passado,
desfilarão um a um para anunciar o motivo de seu voto. No entanto, desta vez se
pretende evitar um espetáculo como o então vivido, quando os parlamentares
justificaram sua posição com argumentos que foram do ridículo (um chegou a
dedicar o impeachment aos agentes de seguros) ao sinistro (o político de
extrema direita Jair Bolsonaro votou evocando o nome do militar que durante a
ditadura torturou a então guerrilheira Rousseff).
A crise e a polarização política vividas em maio de 2016 não
pararam de se agravar nesse período. Mas, ao contrário da época do impeachment
de Rousseff, as ruas não fervem com protestos. Apesar de Temer já ter superado
os índices de impopularidade de sua antecessora –tem míseros 5% de apoio,
segundo as últimas pesquisas–, o cansaço dos cidadãos e a ausência de uma
alternativa clara ao atual presidente atuaram como elemento desmobilizador. Os
deputados puderam sentir a opinião de seus eleitores nas duas últimas semanas,
já que as férias parlamentares de meio de ano lhes permitiram se retirar para
seus respectivos feudos, longe da bolha política de Brasília. Os contrários a
Temer forçaram o adiamento da votação para depois desse recesso, na esperança
de que o contato com a rua e com a indignação popular pela corrupção sem limite
ajudasse os aliados do Governo a refletirem. No entanto, o presidente não ficou
quieto e tudo indica que tem margem suficiente para superar o teste.
Temer, curtido durante décadas nos porões da política
brasileira e de seu intrincado jogo de interesses, recorreu a todas as suas
habilidades para tentar deter o ataque. Atendeu a multimilionários pedidos de
dinheiro requeridos por alguns deputados para seus respectivos territórios,
apesar de que tais concessões põem em perigo o ajuste fiscal, um dos grandes
objetivos proclamados pelo Governo. Cedeu às pretensões de um dos lobbies mais
influentes do Congresso, a chamada bancada ruralista, distribuída entre vários
partidos e que encarna os interesses dos grandes negócios agrários. Para ganhar
seu voto foram feitos gestos como abrir a porta a novos desmatamentos na
Amazônia ou o freio à demarcação das terras indígenas, cobiçados pelos
latifundiários e pelas indústrias de setores como o da energia.
Embora em um sistema político como o brasileiro, com cerca
de 30 partidos e sem disciplina de voto, sempre possa surgir uma surpresa,
Temer parece prestes a sair vivo. Entre seus opositores alguns defendem que a
melhor maneira de desgastá-lo é não comparecer na votação desta terça-feira
para impedir que possa ser realizada por falta de quórum (é necessária a
presença de 342 deputados). Isso deixaria Temer "sangrando", segundo a
expressão cunhada por muitos parlamentares, com a ameaça da denúncia pairando
sobre ele indefinidamente. E com a possibilidade de que o procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, transformado na nêmesis do presidente, apresente uma
nova denúncia, como já insinuou. Janot –vilipendiado em público por Temer– tem
pouco tempo porque seu mandato acaba em 17 de setembro. Mas ele mesmo o avisou,
recorrendo a um provérbio oriental: "Enquanto houver bambu, vai ter
flecha".
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