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quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Judiciário paulista demora para julgar casos de racismo

 


Dados atualizados até setembro de 2024 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelam que o sistema judiciário do estado de São Paulo enfrenta maior lentidão quando precisa lidar com casos de racismo, o que, combinada com barreiras burocráticas e estruturais, compromete a busca por justiça.

Processos Pendentes e Tempo de Tramitação

Atualmente, 329 processos de racismo permanecem pendentes no estado de São Paulo, segundo o CNJ e o tempo médio de tramitação é de 174 dias. Nos casos que avançam para a fase de julgamento, a espera é, em média, de 124 dias.

E, destacando os entraves burocráticos e estruturais, após a sentença, a baixa dos casos pode levar até 283 dias. 

Comparando-se com outros tipos de crimes, a disparidade no tempo de tramitação é evidente. Casos de furto têm, em média, 90 dias até o julgamento, enquanto processos relacionados a lesão corporal levam cerca de 110 dias. Essa discrepância evidencia a falta de celeridade no tratamento de casos de racismo.


Taxa de congestionamento e atendimento à demanda

A taxa de congestionamento em casos de racismo é alarmante. Segundo o CNJ, 68,3% dos processos acumulam-se sem resolução (métrica bruta), enquanto a métrica líquida é de 67,7%. Isso significa que a cada três processos de racismo, dois permanecem não resolvidos, reforçando a sobrecarga do sistema.


O índice de atendimento à demanda é outro ponto crítico: apenas 41,9% dos novos casos são solucionados no mesmo período em que entram no sistema. Em 2024, por exemplo, foram registrados 365 novos casos de racismo, mas a resposta do Judiciário não acompanhou esse crescimento.

A Proposta da ONU

A Organização das Nações Unidas (ONU), em seu documento 'Guidelines for Addressing Discrimination in Justice Systems', recomenda a criação de tribunais especializados em discriminação racial. Esses tribunais, inspirados nos modelos já existentes para violência doméstica, têm o potencial de garantir julgamentos mais rápidos e sensíveis às necessidades das vítimas.

"A criação de tribunais especializados em discriminação racial, semelhantes aos estabelecidos para casos de violência doméstica, pode melhorar a resposta do sistema de justiça a essas questões, garantindo julgamentos mais rápidos e sensíveis às necessidades das vítimas”, destaca o documento da ONU.

O Impacto da Lentidão Judicial nas Vítimas

Para as vítimas de racismo, a demora no sistema judicial vai além do tempo de espera por uma decisão. Ela representa a perpetuação da injustiça e a sensação de impunidade em relação a crimes que atingem diretamente sua dignidade. A morosidade reforça o descrédito no sistema e dificulta o enfrentamento de questões estruturais.

Roberto Barros, membro do Blog O Calçadão, fundador dos Diálogos Subversivos, PHD, docente universitário, ex-membro do coletivo Abayomi de Ribeirão Preto aponta 3 razões relativas à lentidão judiciária quando trata da resolutividade do crime de motivação racial.

"Esse aspecto da lentidão judiciária no que diz respeito a resolutividade do crime de motivação racial encontram 3 possíveis flancos de razões. A primeira seria de ordem cultural-política. No final do ano de 1960 dois ativistas norte americanos, Stokely Carmichael e Charles V. Hamilton, do movimento Black Power introduziram um conceito conhecido como racismo institucional. Esse conceito simboliza qualquer sistema de desigualdade que se baseia em raça e que pode ocorrer em instituições como órgãos públicos governamentais, corporações empresariais privadas e universidades (públicas ou particular). No entanto, o racismo institucional é a consequência do que o professor Dr. Silvio Almeida preconizou em sua obra, publicada em 2009, chamada de racismo estrutural. O racismo estrutural é entendida pelo autor como a forma de discriminação baseada em percepções sociais pejorativas, que foram normalizadas e socializadas pelas estruturas sociais e políticas. Essa violência se expressaria nas relações políticas, econômicas, jurídicas, midiáticas, educacionais, religiosas e familiares. Portanto, o fato do sistema judiciário ter tanta dificuldade de ser resolutivo e célere nesses tipos de violência; reflete a estrutura racista do próprio sistema de justiça. Como um pêndulo, a forma de percepção da estrutura social inflige na forma de operação das instituições. O segundo flanco seria de ordem filosófica. Na filosofia de Merleau-Ponty, a racionalidade emerge do corpo e dos seus sentidos biológicos, afetivos, sociais e históricos. O corpo é a condição e base para a existência, sendo que a percepção do mundo e a sua criação dependem dele. Portanto, a ausência de certos corpos e afetos de determinados espaços interferem na constituição da própria individualidade. A ausência de corpos negros em espaços de decisão e visibilidade jurídica, remove o afeto existente desse setor a experiência desse grupo étnico. Isso converge para a consequência dessas ausências que é entendida por Achille Mbembe com o termo necropolítica. Para o autor, a necropolítica é o poder de ditar quem deve viver ou morrer com base no biopoder e suas tecnologias de controle, como o sistema do capital. Portanto, se entendermos a vida e a morte como presença e ausência, o que existe é o que se é visto (presente) o que não existe, não é visto (ausência). A morte pode ser física ou simbólica. Portanto, a falta de discussão étnico social na própria graduação e o constante epistemicídio existente, faz com que as demandas do povo negro tornem-se ausentes e, dessa forma às instituições estatais não operam a acudir os grupos que em todos sentidos são invisibilizados. O ordenamento jurídico torna-se moroso para à violência que vitima um estrato étnico social invisível (ausente). Por fim, o 3o flanco é de ordem política. Sendo o sistema judiciário moroso para resolução das violências racistas estruturais, cabe ao poder público criar condições e políticas públicas integradas que visem mitigar essa segunda violência que os negros e negras sofrem nesse país: a de ser desconsiderados. Cabe entender que a lógica material que promove essa morte (seja física ou simbólica) contra os negros e negras, é o sistema do capital, que induz a ideia fragmentada na classe trabalhadora e; com isso causa uma miopia social e aprofunda o racismo ao estabelecer uma ideia de hierarquia étnica onde os negros e negras estariam sujeitados aos interesses da etnia caucasiana. Portanto, as políticas públicas precisariam ajustar esses aspectos, promovendo para além das justas cotas, a inserção do negro e negra dentro desses espaços de visibilidade. A integração dessas pautas e o estabelecimento de uma rede de comunicação democrática, ajudaria a essas denúncias serem avaliadas mais rapidamente, ao alertar o sistema judiciário para resolução da mesma. Políticas de informatizar as denúncias e de aumentar a transparência pública, seriam medidas políticas que ajudaria e resolver esses problemas postos".

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