Não há saída de uma crise política que não seja por meio de um banho de legitimidade. Por isso, é um imperativo que passemos a defender e exigir que qualquer novo chefe do executivo seja legitimado pelo voto popular.
O dia de ontem (17) foi o momento de mais um plot twist no
cenário político brasileiro. Quem começou a se acostumar com um clima de sitcom
que passou a dominar a política nacional desde a queda do avião do Ministro
Teori não esperava tamanha reviravolta que aconteceria no Brasil com a
divulgação de uma conversa na qual o atual governante do país, Michel Temer,
pediu pra um empresário manter a mesada do Eduardo Cunha para garantir seu
silêncio. Para assegurar que o clima nos palácios de Brasília é muito mais
próximo do de um livro do Mario Puzo, há também a conversa do derrotada nas
últimas eleições, Aécio Neves, falando que o responsável por buscar certa
quantia em dinheiro seria alguém fácil de matar antes de virar delator, seu primo.
A situação é grave. Os que há um ano comemoravam a ascensão
do Michel Temer ao poder anunciaram ontem, com um tom um pouco melancólico, o
fato que pode pôr fim de forma definitiva à junta governamental que tomou conta
do palácio do Planalto. Sem dúvidas, a situação do governo ficou insustentável,
por isso, é mais do que urgente que passemos a discutir uma solução para o
agravamento da crise. Os que juram que estão vivendo a maior normalidade
constitucional já passam a entoar: “não há saída fora do texto constitucional.
Temer tem que sair e temos que fazer uma eleição indireta”. Ora, é fato que o
texto constitucional prevê que, se houver vacância do cargo de presidência e
vice-presidência da república, deve ser realizada eleição indireta para o tempo
restante do mandato (art. 81, § 1º CF − em que pese haver quem sustente que não
é exatamente isso que a Constituição). No entanto, a Constituição Federal
também estabelece que o procedimento de impedimento de um presidente ou
presidenta deve existir apenas frente ao cometimento de crime de
responsabilidade. Além disso, é preciso ressaltar, que esse dispositivo pode (e
deve) ser modificado por PEC, afinal, não faz parte de nenhuma cláusula pétrea
da nossa constituição.
Não há dúvidas que o pacto de 1988 foi rompido e a
normalidade constitucional suspensa pelos que hoje estão vendo seu barco
naufragar. Utilizaram o procedimento do impeachment como uma maneira de
realizar uma eleição indireta, ou seja, de exercer o poder de veto à escolha
soberana das urnas de 2014. Em 2016, senadores e senadoras, deputados e
deputadas, empresários e empresárias, jornais impressos e televisivos, cassaram
os votos de 54 milhões de brasileiros e brasileiras e impuseram ao Brasil um
projeto e uma junta governamental dos derrotados nas urnas. Desse modo, desde
aquele golpe, não vivemos a normalidade constitucional.
A via correta, seguindo a normalidade constitucional, para
superarmos esse momento dantesco que assolou a política brasileira seria, em
verdade, a anulação da farsa ocorrida em 2016 e a declaração de invalidade de
todos os atos cometidos pelo governo ilegítimo que está prestes a cair. Afinal,
não houve crime de responsabilidade praticado pela presidenta Dilma Rousseff e,
ainda mais grave, transformaram o impeachment em um instrumento de veto ao voto
popular. Houve, naquele momento, sem o menor pudor e com a torcida de alguns
juristas e jornalistas, um rompimento da lógica da nossa ordem constitucional.
De lá pra cá “todo poder emana do povo” desde que a decisão seja referendada pelo
Congresso Nacional. A única saída que poderia retomar a normalidade
constitucional, portanto, não são as eleições indiretas, como defende alguns, e
sim que o cumprimento por parte do STF de seu papel de guardião da
constituição, o que significaria o abandono de se papel de Pôncio Pilatos e,
finalmente, a anulação da votação daquele fatídico dia que feriu de morte a
nossa Constituição e a nossa tão jovem democracia. Mas, convenhamos, isso não
está nas possibilidades reais.
Não há saída de uma crise política que não seja por meio de
um banho de legitimidade. Por isso, é um imperativo que passemos a defender e
exigir que qualquer novo chefe do executivo seja legitimado pelo voto popular.
Isso mesmo. Aquela categoria que perdeu toda a sua importância quando um
Congresso Nacional destituiu uma presidenta eleita que não havia cometido
qualquer crime de responsabilidade. Ou restituímos o valor do voto popular, ou
estaremos pregando a manutenção da barbárie, do estado de coisas
inconstitucional, do momento destituinte, das saídas políticas por acordos por
cima, do esgotamento da fórmula “todo poder emana do povo”. Não há saída desse
momento que não passe pela manifestação da vontade do povo.
Por isso, está na hora de ocuparmos cada centímetro das ruas
para impedir que mais uma solução por cima seja imposta ao povo brasileiro,
garantirmos que não se repita a fórmula da barbárie de 1964 de alçar ao poder
uma instituição árbitra responsável por tocar reformas não referendadas nas
urnas. Por isso, se na década de 1980 enterramos a pretensão de poder dos
militares, hoje é hora de dar um basta a qualquer possível articulação do
judiciário, do empresariado e, finalmente dos derrotados em 2014. E isso só
conseguiremos com a vitória da reivindicação por eleições diretas. Para isso, é
essencial que exijamos que o Congresso Nacional faça tramitar os Projetos de
Emendas Constitucionais que estabelecem essa saída, afinal, só o povo pode
decidir seus governantes, não um congresso responsável por destituir uma
presidenta eleita.
Magnus Henry da Silva Marques é mestre em Direito
Constitucional pela Universidade de Brasília, graduado em Direito pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, advogado, membro do Instituto de
Pesquisa em Direitos e Movimentos Sociais.
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