Marcelo Domingos fez uma análise do poder público com a periferia durante o programa Análise da Semana, do Blog O Calçadão. |
Para o mestre e pesquisador, o apartheid racial existente em Ribeirão Preto pode ser percebido tanto sincronicamente, caminhando nos bairros e percebendo a mudança da tonalidade de pele à medida que se afasta do centro-zona sul, como diacronicamente, por meio de uma análise histórica
Marcelo Domingos, mestre em Enfermagem e Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP/Ribeirão Preto) com a tese “Análise do racismo institucional em saúde sexual e reprodutiva em um município no interior de São Paulo”, militante do movimento negro participou da Análise da Semana nesta segunda-feira (19) e falando sobre a necessidade de se colocar a periferia no centro de um projeto popular para Ribeirão retomou tese da vereadora assassinada pela milícia, Marielle Franco (PSOL/RJ) sobre a instalação das unidades pacificadoras no Rio de Janeiro e fez um paralelo com a periferia de Ribeirão, mostrando que a periferia no país se organiza a partir da ausência do Estado.
Durante
o programa, o ativista pelo movimento negro afirmou que a periferia também se
dá globalmente, do país em relação aos países europeus que integram o G7 e Estados
Unidos; e citou o exemplo sobre como deve se dar a participação do Brasil na Cúpula
do Clima1, que será realizada a partir do dia 22 deste mês,
convocada pelo presidente estadunidense Joe Biden, que servirá para anunciar a
volta dos EUA ao Acordo de Paris2 . Para Marcelo, a participação
tupiniquim será periférica, subalterna:
“(É preciso) entender, também, o nosso país, Brasil, enquanto uma perifera deste ‘Norte’ do mundo, a forma como nós nos organizamos. A relação do Brasil em relação a outros países. Daqui a alguns dias vai acontecer a Cúpulado Clima, a qual vai ter essa relação de Estados Unidos e Europa enquanto centro e o Brasil enquanto periferia do mundo”.
Além
da experiência enquanto militante do movimento negro e cientista, Marcelo
também mostrou uma perspectiva concreta, de vida na periferia. Criado no Tanquinho,
bairro considerado industrial, localizado perto da Vila Carvalho, perto do
Quintino, o mestre destacou que a violência na periferia caminha junto à falta
de equipamentos públicos e fez um recorte sobre a ausência do Estado em
diferentes governos em Ribeirão Preto.
“Eu fui criado no Tanquinho. (O tanquinho) é um bairro criado para ser industrial mas que tem bastante residências. Na época que os meus familiares mudaram para lá, a cidade meio que acabava ali. Não existia, ainda, Quintino, Simioni, então ali era a periferia e continua sendo a periferia, pois a cidade continua crescendo mas os problemas ainda são os mesmos, de ver a transformação do bairro, de ver desde pequeno a questão da violência, a falta de equipamento público. Me vem muitas coisas para debater este tema (da periferia)”.
Marcelo citou que a ausência de políticas públicas para quem vive na periferia integra
parte de uma política de gentrificação na cidade. Para MD, há um apartheid
racial na cidade que pode ser percebido tanto sincronicamente, caminhando nos bairros
e percebendo a mudança da tonalidade de pele à medida que se afasta do centro-zona
sul, como diacronicamente, por meio de uma análise histórica, e citou o caso da
Av. Portugal, do bairro Santa Cruz, o qual no início do Século XX era um bairro
negro.
"(Existe) um apartheid racial entre as zonas Oeste, Norte e Leste em relação a zona sul. O Ailson falou sobre a questão das ruas mas eu falo sobre a questão das pessoas que ocupam estas ruas. Eu digo que a tonalidade da pessoa vai mudando. Se você for no Parque Ribeirão vai encontrar muito mais pessoas negras do que se você for no Shopping Iguatemi. Então, tem um apartheid racial e social”.
e
lembrou que esta gentrificação ribeirão-pretana dialoga com a gentrificação
mostrada pela vereadora assassinada pela milícia carioca em 2018, Marielle
Franco (PSOL/RJ), em sua tese de mestrado, “UPP – A Redução da Favela a Três Letras: uma análise da política deSegurança Pública do Estado do Rio de Janeiro",a qual demonstrou que as Unidades
Pacificadoras (UPPs), enquanto política de segurança pública adotada no estado
do Rio de Janeiro, “reforçam o modelo de Estado Penal”.
“A Marielle Franco vai pesquisar a UPP no Rio de Janeiro, essa situação da violência, como se dá a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora, e vai fazer um pouco dessa discussão da marginalidade, de como se constrói esse sujeito marginal através desses programas da mídia hegemônica como Datena, esses ‘Alertas’ da vida ao mesmo tempo que se constrói esse sujeito que tem de ser exterminado como se a periferia tivesse de ser exterminada, tivesse de estar cada vez mais longe como se passasse um rolo compressor para que aquilo ficasse visível para certa parte da sociedade".
e
citou que a ausência de políticas públicas para quem vive na periferia integra
parte de uma política intencional na cidade. Para MD, há um apartheid
racial na cidade que pode ser percebido tanto sincronicamente, caminhando nos bairros
e percebendo a mudança da tonalidade de pele à medida que se afasta do centro-zona
sul, como diacronicamente, por meio de uma análise histórica, e citou o caso da
Av. Portugal, do bairro Santa Cruz, o qual no início do Século XX era um bairro
negro.
“Ribeirão Preto é uma cidade já antiga. Eu e a Adria3 estávamos estudando um pouco o assentamento da população negra em Ribeirão Preto ao longo dos anos e a Avenida Portugal, o bairro Santa Cruz foi um bairro negro no início do século XX e como foi se dando esse processo de gentrificação, de afastamento da população negra do centro para a periferia, sempre para mais periferia. E isto casa muito com a tese da Marielle”.
O
mestre em enfermagem deu como exemplo desta inclusão, o abandono do parque Rubem Cione, no Jardim Paiva, em
contraponto ao parque Olhos d’Água, localizado no bairro Jardim Olhos D’Água
“Outro dia eu fui naquele parque “Olhos D’Água”. É só você ir lá para ver que a cidade é dicotomizada. Existem duas Ribeirão, uma onde o sol brilha e outra onde o sol não brilha. É a questão dos equipamentos, do investimento”
E
salientou o tratamento dado às periferias pelos vários governos municipais como
contraponto dos bairros planejados da Zona Sul da cidade.
“A gente fazia o Sarau Preto no Centro Cultural (no Quintino) a quase dez anos atrás e hoje é o mesmo Centro Cultural, talvez ate pior. Nós fazíamos várias coisas e parece que a periferia, ao invés de dar um passo para a frente ao longo dos, regrediu”.
Marcelo
também destacou como os espaços na periferia, com o passar do tempo, a partir
de uma ausência do Estado, são ocupados e organizados pela população que foi
deixada à margem pelo poder público:
“A ausência do Estado faz com que a periferia se organize de alguma forma ou de outra. Às vezes através da criminalidade, às vezes através da organização outra que não é a do Estado, para resolver os seus próprios problemas, suas próprias questões. Existe um completo abandono”.
E deu
como exemplo a falta de espaços vazios na periferia a partir da percepção
concreta da realidade.
“Eu
jogava futebol e treinava no Jardim Aeroporto em um campo que está cheio de
mato, agora. A gente pegava uma van Leva e Traz que passava no Jardim Iara e ia
para o Jardim Aeroporto, era uma van gratuita. Eu morava no Tanquinho e tinha
que subir até a Av. Brasil para pegar essa van e aproveitava e ‘fazia um tour’
pelo Jardim Iara. O Jardim Iara, quando era adolescente, tinha os espaços para
ter áreas de lazer, tinha possibilidade de construção de praças, de construção
de equipamento social, mas a prefeitura não tem um plano. Não é que a periferia
é desocupada. Não existe um plano social, um plano econômico, um plano
educacional para quem mora na periferia e aí a periferia se organiza pois ela necessita
se organizar, sobreviver. Hoje você passa no Jardim Iara não tem mais área
aberta, a necessidade da pessoa por moradia é maior que a necessidade por
lazer. A moradia vem em primeiro lugar. Primeiro você mora num lugar para
depois pensar em buscar equipamentos de lazer.”
Clique no link abaixo para ver o programa na íntegra:
Participação de Marcelo Domingos no programa Análise da Semana, do Blog O Calçadão
Clique sobre as palavras em destaque dentro do texto para ler sobre:
- posição oficial do governo estadunidense sobre a cúpula e como este se coloca em situação de liderança
- A análise da participação brasileira, pelo jornal Brasil de fato
- Matéria do G1 sobre o abandono do parque Rubem Cione, já em 2014.
- Matéria publicitária do G1 sobre o lançamento do bairro Jardim Olhos D’Água, em 2017
- A tese na íntegra da ex-vereadora e socióloga Marielle Franco, pela Universidade Federal Fluminense, intitulada “UPP – A Redução da Favela a Três Letras: uma análise da política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro”, de 2014.
Notas
1.
Cúpula
do Clima: Cúpula convocada pelo governo estadunidense de Joe Biden
que contará com a participação de 40 líderes mundiais para debater os esforços que
as grandes economias mundiais terão de implementar com o intuito de enfrentar a
crise climática. Antecipará algumas questões relacionadas a Conferência das
Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26) em novembro, em Glasgow,
Escócia.
2.
Acordo
de Paris: aprovado em dezembro de 2015, 175 países assinaram o
documento, que tem força de lei internacional e prevê determinações
obrigatórias e recomendações às nações signatárias.
3.
Adria
Maria - covereadora pelo Mandato Popular Judetti Zili/PT, em
Ribeirão Preto
Nenhum comentário:
Postar um comentário