A intenção do governo Bolsonaro, que é a continuidade dramática do golpe de 2016, que restituiu o neoliberalismo extremo no país, é destruir a educação enquanto um direito social e as universidades como instrumentos do pensamento e da inclusão social.
Acompanhe os números terríveis que colocam o funcionamento das universidades federais em risco.
As universidades federais chegaram ao limite. A verba disponível para investimentos e manutenção em 2021 caiu ao patamar de 2004. No entanto, o Brasil agora tem mais que o dobro de alunos de 17 anos atrás. Por isso, algumas das mais importantes instituições, como UFRJ e Unifesp, já falam em interrupção das atividades a partir de julho.
De acordo com o Painel do Orçamento Federal, estão livres em 2021 R$ 2,5 bi para as 69 universidades e 1,3 milhão de estudantes. Esse valor é praticamente o mesmo que o orçamento de 17 anos atrás (com os valores atualizados pelo IPCA). No entanto, naquele momento, eram 574 mil alunos e 51 instituições
Os gastos discricionários vão desde as contas mais básicas, como água, luz, limpeza e segurança, como para pagamento de bolsas, compra de insumos para pesquisa e reformas prediais. Com um orçamento muito baixo, alunos mais pobres perdem a ajuda que os garante nas universidades, pesquisas são interrompidas e, agora que as universidades estão no limite, contas de água, de luz e de limpeza podem não ser pagas.
Além deles, há os gastos obrigatórios, a maior parte do orçamento, que são salários e outras verbas cujos gastos são determinados por lei.
— Com o que temos disponível para gastos discricionários hoje, a UFRJ para de funcionar em julho. As aulas só continuam porque estão remotas. Mas todos os serviços da universidade, como os hospitais e as pesquisas, incluindo o desenvolvimento de uma vacina de Covid-19, serão interrompidos — afirmou a reitora da universidade, Denise Pires Carvalho.
Além dos R$ 2,5 bilhões livres, o orçamento das federais também prevê R$ 1,8 bi que podem ou não ser desbloqueados ao longo do ano. Caso isso aconteça, os gastos discricionários chegarão ao patamar de 2006, quando o país tinha apenas 54 universidades federais. Uma fonte ligada a reitores afirmou que há um temor de paralisação em escala nacional nas instituições.
Em nota, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) também disse que, se não houver liberação dos recursos, a unidade não terá “como arcar com o funcionamento básico a partir de julho”, e, portanto, “o risco de paralisação total é real”.
“Para se ter ideia, a principal ação orçamentária, onde se encontram alocados os recursos para funcionamento da universidade, incluindo as despesas básicas como energia elétrica, água, limpeza, manutenção, vigilância, insumos para laboratórios de graduação, entre outros, que em 2020 foi de R$ 66 milhões, hoje, na prática, é de R$ 21,1 milhões, suficientes para manutenção das atividades até o mês de julho. Isso porque estamos no modelo de ensino à distância na maior parte de nossos cursos. Se houver a obrigatoriedade do retorno presencial, não será suficiente sequer para as adaptações mínimas necessárias”, diz a reitoria da Unifesp, em nota.
Já o Pró-Reitor de Planejamento, Orçamento e Finanças (Proplan) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Fernando Marinho Mezzadri, afirma que todos os terceirizados da área de pesquisa podem ter que ser demitidos.
— Isso afeta desenvolvimento da vacina contra Covid que estamos trabalhando. Efetivamente estamos no limite, não há possibilidade de conclusão do ano dessa maneira — diz.
Serviços em risco
De acordo com o presidente da Andifes, Edward Madureira, o orçamento para 2021 devia chegar a R$ 10,4 bilhões. Segundo ele, a Universidade Federal de Goiás (UFG), da qual é reitor, já fechou o ano de 2020 no vermelho por conta da falta de verbas.
— Foram cortados quase R$ 180 milhões para assistência estudantil. Como o perfil socioeconômico de muitos alunos é de baixa renda, cortar alimentação e moradia significa mandar ele embora da universidade — afirma.
O Ministério da Educação foi procurado, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Madureira lembra ainda que também está em risco o funcionamento dos 50 hospitais universitários que possuem leitos destinados à Covid-19, além de serviços oferecidos pelas universidades como testagem e apoio à imunização. Ele informou ainda que se reunirá com o secretário-executivo do MEC, Victor Godoy Veiga, para pedir a liberação da verba contingenciada.
A volta às aulas presenciais também fica mais longe sem recursos. Em nota, a Universidade de Brasília (UnB) informou que terá que viabilizar a aquisição de insumos, como álcool em gel e equipamentos de proteção individual (EPIs). “Para lidar com o atual cenário, a UnB trabalha de forma a preservar as suas atividades-fim, postergando despesas, sempre que possível”, afirma.
A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) também prevê acabar as contas no vermelho. A instituição afirma que deve terminar o ano com dívida de mais de R$ 6 milhões, mesmo tendo ajustes que afetam todos os setores. “Entre as medidas estão a redução de materiais de consumo, serviços e projetos voltados à comunidade, corte no número e no valor da maioria das bolsas de graduação e de assistência estudantil, além de perda de 307 postos de trabalho terceirizados em 2021.”
Segundo Paulo Speller, ex-secretário de Ensino Superior do MEC (2008 a 2010), o Brasil vai na contramão mundial ao retirar investimento da educação e pesquisa justamente no momento de crise.
— Esse governo acha que o processo de formação se dá a preços de mercado muito mais baixos. Essa é uma visão limitada — avalia Speller.
Reportagem O Globo
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