É
óbvio que ninguém a favor da censura deve ser levado a sério intelectualmente.
Contudo, não basta simplesmente dizer que é preciso defender a liberdade de
expressão. Este é um caminho fácil, que não requer raciocínios mais sofisticados. Duas perguntas fulcrais: devemos sustentar a
qualquer custo a liberdade de se expressar? Quando falamos em liberdade de
expressão, na verdade, estamos falando em liberdade de quem?
Sobre
a primeira pergunta. O caso hipotético de uma manifestação neonazista nos apresenta
uma ilustração válida: deve-se resguardar o direito de expressão, mesmo quando se
trata de uma ideologia de morte? Deve-se amparar o direito daqueles que fazem, na
mídia, apologia a manifestações deste gênero?
Para
a nossa reflexão, não precisamos de casos extremados: um comunicador tem o
direito de, por exemplo, fazer piadas sobre homossexuais e mulheres em TV
aberta? Ah, dirão os defensores da liberdade, a própria audiência o puniria; as
pessoas cessariam de assistir ao programa deste apresentador e ele, por uma lei
de mercado, cairia no ostracismo. Os que defendem tal liberdade, em verdade,
apoiam-se em dois substratos metafísicos, a saber: (i) no sujeito puro do
conhecimento (acreditam que todos os telespectadores têm condições de se
defender intelectualmente e que o ser humano está isento de manipulação) e (ii)
na linguagem neutra, como veículo do ser e da verdade.
Sobre
a segunda pergunta. Não é preciso muita inteligência para perceber que não há liberdade
de expressão para as minorias (negros, indígenas, mulheres, comunidade LGBTQI+
etc.) na mesma medida em que há para os homens brancos heterossexuais. Quem
detém o “lugar de fala” (sobretudo nos meios de comunicação de massa) e, por
conseguinte, constrói o imaginário social não são os primeiros. Quando vemos
uma lésbica, por exemplo, num programa televiso, trata-se de uma exceção, de
algo a ser comemorado como uma “abertura de espaço”. É como se dissessem:
“Olha, deixamos você falar, então você nos deve um favor!”
Eis
que entramos na questão do “politicamente correto”. Ultimamente, tem-se usado
esta fórmula para disseminação de ódio e discriminação. O próprio Locke,
defensor da liberdade de expressão, apresenta em seu livro um discurso de ódio
contra os que negam a existência de Deus. Outro dia ouvi um colega professor
dizendo: “Não se pode mais fazer piada em sala de aula. Esse politicamente
correto é uma merda”. Quem conhece tal professor sabe bem as piadas que ele fazia
envolvendo homossexuais e mulheres. Metonimicamente, podemos refletir que,
quando se fala em “politicamente correto”, na verdade, tem-se em mente o
oposto. Afinal, ser politicamente correto, levando em consideração quem detém o
“lugar de fala” no Brasil é ser politicamente incorreto; é agir de maneira
contrária ao modo de pensar imposto pela ideologia dominante e excludente.
*Matheus Arcaro é mestre em Filosofia Contemporânea pela Unicamp. Pós-graduado em História da Arte. Graduado em Filosofia e também em Comunicação Social. É professor, artista plástico, palestrante e escritor, autor do romance O lado imóvel do tempo (Ed. Patuá, 2016), dos livros de contos Violeta velha e outras flores (Ed. Patuá, 2014) e Amortalha (Ed. Patuá, 2017) e do livro de poesia Um clitóris encostado na eternidade (Ed. Patuá, 2019). Também colabora com artigos para vários portais e revistas.
site: www.matheusarcaro.art.br
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