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quarta-feira, 18 de maio de 2022

Para entender a Luta Antimanicomial no Brasil

 

Cena do Documentário "O Holocausto Brasileiro"

Governo Bolsonaro cortou recursos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPs) e incentivou a abertura de hospitais psiquiátricos

Neste dia 18 de maio, lembra-se a Luta Antimanicomial. Por este motivo, o Blog O Calçadão republica o Prefácio do relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas, o qual denuncia a (re)produçao das formas de exclusão, sofrimento e de tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. Também compartilha o documentário "Holocausto Brasileiro", baseado no livro homônimo de Daniela Arbex, o qual narra os maus-tratos e o genocídio acontecido no Hospital Colônia de Barbacena que resultou em 60 mil mortes. 


Prefácio

Em nome da proteção e do cuidado, que formas de exclusão, de sofrimento e de tratamentos cruéis, desumanos e degradantes têm sido produzidas? No campo do direito à saúde mental, problematizar as lógicas e racionalidades da dimensão jurídico-política que envolve essa questão apresenta-se como um desafio permanente às instituições voltadas à promoção e proteção dos direitos humanos.
Por muitas décadas, o Brasil conferiu aos loucos e aos indesejáveis regime de segregação social e de degeneração nos manicômios e hospitais psiquiátricos.

Dezenas de milhares de mulheres, homens e crianças foram vítimas dessa prática – já nomeada como o “holocausto brasileiro”.
A experiência nos convoca à imperiosa reflexão sobre o cuidado à saúde e sobre as construções sociais relativas a determinados sujeitos. Embora hoje um amplo arcabouço legal e normativo impeça, taxativamente, a existência de instituições com características asilares promotoras de exclusão e de maus-tratos, é um desafio consolidar a compreensão de que violações de direitos não podem ocorrer, ainda que sob a justificativa do cuidado.

A potência da efetiva prática em direitos humanos está na problematização da violência e da exclusão produzidas na sociedade. Os modelos de aprisionamento necessitam ser postos em análise. Nesse sentido, é preciso desconstruir a imagem de que há um sujeito a ser corrigido.

A iniciativa, que resulta no presente relatório, orientou-se pela necessidade
de qualificar o debate acerca do modelo de cuidado ofertado a pessoas com transtornos mentais decorrentes do uso de álcool e outras drogas – um desafio que envolve gestores públicos, profissionais de saúde e instituições voltadas à promoção e proteção de direitos.

Buscando lançar luz sobre territórios ainda pouco conhecidos pelo conjunto da sociedade, a inspeção nacional identificou nas comunidades terapêuticas vistoriadas a adoção de métodos que retomam a lógica da internação, inclusive compulsória, como recurso primeiro e exclusivo de suposto tratamento, em absoluta contrariedade à legislação vigente.

Deborah Duprat (PFDC/MPF) 

Lucio Costa (MNPCT) 

Rogério Giannini (CFP)

In: Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas - 2017 / Conselho Federal de Psicologia; Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão / Ministério Público Federal; – Brasília DF: CFP, 2018.

Leia o relatório completo clicando aqui e veja o documentário "Holocausto Brasileiro" clicando aqui.

Governo Bolsonaro cortou recursos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPs) e incentivou a abertura de hospitais psiquiátricos

Em abril deste ano, em debate realizado no Comissão de Direitos Humanos do Senado (CDH), debatedores criticaram o corte de recursos da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), determinado pelo Ministério da Saúde por meio de portaria. O entendimento foi de que esta medida é um grande retrocesso na política de atendimento a pessoas com transtornos mentais, que se pauta na luta contra os manicômios. Na Comissão, eles questionaram a legalidade da portaria 596/2022 e também se manifestaram contra o edital do Ministério da Cidadania, que entendem incentivar hospitais psiquiátricos. Tramitam na Câmara e no Senado projetos de decreto legislativo para sustar as duas medidas.

O senador Humberto Costa (PT-PE), presidente do colegiado, lembrou que a reforma da atenção à saúde mental no Brasil foi resultado de uma longa luta, em vários governos, com o objetivo de respeitar os direitos das pessoas, citou os grandes avanços recentes na psicoterapia, que tornaram possível evitar a exclusão e o afastamento de pessoas da sociedade. O senador também criticou as mudanças pretendidas pelo governo de Jair Bolsonaro. Para Costa, as mudanças desejam o retorno ao modelo manicomial.

— Ao que consta, as mudanças que são pretendidas [pelo governo] almejam, em última instância, que nós retornemos àquele modelo manicomial, àquele modelo de exclusão social a que as pessoas portadoras de transtorno mental eram submetidas — argumentou.

O defensor público da União, Thales Treiger, citou a morte de Damião Ximenes — torturado e morto numa clínica psiquátrica conveniada ao SUS no Ceará —, que gerou a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, para ressaltar que a sociedade fica “obstruída” a respeito da situação dentro dos muros do manicômio, e associou a política do governo federal à falta de controle com relação à tortura.

— De um lado, há um escopo de aumentar a institucionalização, com o aumento de verbas para se criar uma estrutura, novamente, voltada para o manicômio, para a lógica manicomial e, do outro lado, há uma diminuição na assistência dessas pessoas que ficam muito tempo institucionalizadas. Fora isso, há uma mitigação de mecanismos tendentes a erradicar a tortura. A gente tem aí um caldo pronto para um retrocesso — afirmou.

Financiamento de locais de tortura

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), Leonardo Pinho, os cortes na Raps e o edital do Ministério da Cidadania são medidas que ofendem leis nacionais, tratados internacionais e diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) O presidente afirmou que os atos do governo se colocam em um contexto de desmonte de uma política de Estado, provocando regressividade de direitos.

— Nós estamos voltando a financiar locais de tortura, locais de maus tratos, locais de isolamento e exclusão social — lamentou, ao cobrar do Congresso a sustação da portaria do Ministério da Saúde.

Retrocesso abissal 

Para Haroldo Caetano, promotor de justiça de Goiás, existe um retrocesso abissal verificado hoje, e acusou o Ministério da Cidadania de apropriar-se de questões que não são suas.

— E agora se vê aí esse rearranjo, no âmbito das políticas do Ministério da Cidadania, para que hospitais psiquiátricos sejam financiados. Ora, esse tempo já passou, e nós tivemos muita dificuldade, muita luta, muita gente morrendo em manicômios pelo Brasil — disse.

Representando o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, Dayana Rosa, mostrou que a desconfiguração da Raps — verificada em várias ações desde 2017 — estimula o aumento da demanda por internação psiquiátrica e, dessa forma, o Poder Executivo “tem criado seus próprios problemas”. Ela alertou que, em 2018, inspeção do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura chamou atenção para a realidade precária das unidades de internação.

— Mais da metade não tinham nem permissão sanitária para funcionamento; 42% tinham alimentação inapropriada; 77% faziam contenção física injustificada e recorrente e, além disso, também não tinham livre acesso à comunicação com familiares — declarou.

Fonte: Agência Senado

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