Já mencionei anteriormente que minha relação com o Theatro Pedro II é, para dizer o mínimo, um tanto quanto ambígua (*leiam: O Teatro Carlos Gomes e uma Praça Vazia). Cada visita ao teatro traz à tona a melancólica lembrança da tragédia do Carlos Gomes.
Desde sua reforma no início dos anos 1990, o espaço atrai uma clientela da zona sul, aquela região que, a partir da década de 1980, se transformou na "Meca" dos condomínios "fechados". E enquanto isso, o povo, que passa diariamente pelo centro e pela Esplanada, continua a ser um mero espectador ausente do Pedro II.
O que se vê é uma relação entre o ribeirão-pretano e o Teatro que certamente se assemelha a um amor não correspondido: uma admiração à distância que só aumenta à medida que a desigualdade social e a concentração de riqueza se agravam.
Infelizmente, o "povo" sempre parece ter sido um convidado indesejado no cenário cultural de Ribeirão Preto, com algumas raras exceções que fazem nosso coração pulsar.
O Theatro e a cidade estão imersos em uma aura que evoca o passado dos barões do café, contrastando com o presente de uma classe média que se autodenomina "cult", presente até mesmo na administração do que hoje chamamos de Fundação Pedro II.
Mas, afinal, qual é a verdadeira história do Theatro Pedro II? Ele sempre foi assim?
Se não sou um sábio ancião que presenciou todo esse enredo, pelo menos posso garantir que as coisas nem sempre foram como são hoje.
Concebido em 1928 e inaugurado em 1930, o Theatro Pedro II representava a Ribeirão Preto da era da "belle époque" cafeeira, quando a cidade era conhecida como "cidade do entretenimento". Era uma época em que os cassinos e a vida noturna, sob a batuta do francês Francisco Cassoulet e suas convidadas (o "moulin rouge" do sertão), faziam as noites de Ribeirão brilharem.
Dizem que os barões do café acendiam seus cigarros com notas de "mil réis" e que a Cervejaria Paulista, sob a liderança de Meira Júnior, sonhava em construir um monumento que completaria o arco cultural ao redor da Praça XV, onde do outro lado se erguia o deslumbrante, mas já demolido e saudoso, Teatro Carlos Gomes.
Contudo, a história nos lembra que 1930 marcou o início da queda dos cafeicultores, e o suntuoso Pedro II serviu por apenas um breve período a uma elite em decadência, mais preocupada em aparecer do que realmente existir.
O entorno da Praça XV rapidamente se popularizou, transformando o que antes eram opulentos casarões do café em um comércio vibrante.
Como nos ensina o magnífico Rubem Cione, renomado historiador da cidade, a memória dos tempos dos coronéis já não interessava mais nos anos 1940, e a Prefeitura não estava disposta a investir em sua manutenção.
As décadas da "modernidade" - quando a cidade, perdendo relevância em âmbito nacional, começou a se redescobrir - reservavam outro destino ao Pedro II. Por ironia, um destino melhor do que o do mais antigo Teatro Carlos Gomes, que foi demolido em 1946.
Mas vamos deixar as mágoas de lado por um instante e prosseguir.
O que importa aqui é que a estrutura do Pedro II sobreviveu à sanha demolidora que assolou Ribeirão nas décadas de 40, 50 e 60, mas o "glamour" do café já se dissipara.
A partir dos anos 50, Ribeirão Preto começou a reestruturar-se sob a pressão da indústria automobilística, que, juntamente com o sistema ferroviário (que terá seu momento em outra oportunidade), decidiu enterrar um passado que considerava superado em nome da "modernidade". Isso, caro leitor, eu sou testemunha ocular.
Curiosamente, os anos 50, 60 e 70 foram os únicos períodos em que o povo realmente ocupou o Theatro (e, lembre-se, não era exatamente para ver peças teatrais). O Pedro II se transformou em um espaço frequentado pela comunidade, servindo como salão de jogos e palco dos famosos bailes de carnaval no subsolo - um local carinhosamente conhecido como a "caverna do diabo" ou a "panela de pressão" - além do cinema que ali funcionou.
Agora, não me entendam mal: essa não foi uma época de efervescência cultural na cidade, pois não houve. Mas aqueles foram anos de uma juventude em ebulição no mundo, e a vida social da cidade pulsava no centro, abrangendo os bairros próximos. Todo mundo vivia a cena urbana.
Eu mesmo vivi essas experiências, namorando, noivando e casando no coração da cidade.
Políticos, artistas, estudantes... Todos compartilhavam as esquinas da Única, a Sociedade Dante Alighieri, a Casa de Portugal (na praça Tiradentes, hoje estacionamento e lar do magnífico Bar do Márcio, famoso pela sua tilápia), o Mercadão, as ruas José Bonifácio, Saldanha Marinho e São Sebastião, o Cine Centenário, a Praça XV, o Pinguim (na sua antiga sede) e, claro, o Teatro Pedro II.
Com o tempo, a vida social do centro foi se esvaindo, restando apenas a atividade comercial. O centro transformou-se em um simples local de passagem e compra, enquanto o Pedro II lamentavelmente foi esquecido. E não podemos esquecer da "Baixada", que merece um texto só para ela.
Essa época revelou a faceta excludente de um presente que alguns talentosos jovens analistas denominam de neoliberal. O convívio em praça pública, o uso comum dos espaços, foi trocado por shoppings centers e condomínios "fechados", enquanto as conversas em rodas cedem lugar às interações digitais.
Toda essa popularidade que caracterizou o teatro era uma tentativa do povo de fazê-lo seu, enquanto foi possível, até que um incêndio em 1980 quase o destruiu.
Aqui, permitam-me abrir um parêntese.
Ribeirão possui três teatros de renome: o Pedro II (no centro) e outros dois no Morro de São Bento (o Arena e o Municipal), todos inaugurados em 1969, em um período que muitos chamam de "modernização" da cidade. Estes teatros receberam os mais importantes artistas e são verdadeiros patrimônios históricos e culturais, além de belíssimos.
Mas a questão que fica para o leitor mais perspicaz é: quando Ribeirão Preto teve uma política cultural verdadeiramente popular que contemplasse a utilização desses três espaços municipais? Quando o teatro, enquanto arte, se tornou parte de um projeto abrangente de cultura popular?
Aqueles que trabalham com teatro são verdadeiros heróis, diariamente lutando quase sozinhos por apoio. E o povo, em sua maioria, não tem acesso às produções teatrais e culturais.
Para agravar a situação, soube que ronda sobre a cidade a ameaça de terceirização dos teatros Municipal e de Arena. Uma verdadeira tragédia!
Fechando o parêntese.
O Pedro II, tombado em 1982, só conseguiu se reerguer entre 1991 e 1996, ganhando uma nova cúpula, uma sala dos espelhos e tudo o mais.
Esperava-se que não apenas o Pedro II, mas todo o ambiente cultural da cidade pudesse respirar novos ares. A construção de um calçadão poderia ter sido o início de uma nova fase de revitalização da vida social do centro.
Mas, lamentavelmente, isso não aconteceu.
O centro não foi recuperado, e o funcionamento do Pedro II nunca se alinhou a um projeto de revitalização da região.
Por isso, durante as noites de espetáculo, o Pedro II é frequentado por pessoas que raramente visitam o centro. Os luxuosos carrões ficam em estacionamentos particulares, e ao final da apresentação, vão, na melhor das hipóteses, ao Pinguim (outros, como eu, escolhem o "Dr. Linguiça" para um lanche “gourmet”).
Tristemente, com peças teatrais e espetáculos como óperas e concertos, o verdadeiro povo fica de fora, e o Pedro II se torna uma bolha elitista imersa em um centro popular e decadente.
Eu sou um velho ranzinza, confesso. Não consigo aceitar que o espaço cultural de uma cidade seja moldado de forma restrita, alienando as expressões populares. A arquitetura do Pedro II e do "quarteirão paulista" deveria, ao contrário, se harmonizar com o povo. Antes um espaço pertencente à Cervejaria Paulista, hoje o teatro é um patrimônio público, e deve, como tal, ser inclusivo. Mais que isso, deve se integrar a um amplo projeto de revitalização do centro, onde não apenas economistas e poderosos lobistas da construção civil tenham voz, mas o povo também deve participar e ser ouvido.
O Teatro Pedro II, assim como o povo de Ribeirão Preto, permanece isolado da cidade a qual pertence.
De onde virá essa nova energia política? Ribeirão Preto precisa discutir-se, enxergar-se, para que, quem sabe, no centenário do Pedro II, todos possam participar ativamente de um ambiente cultural verdadeiramente democrático, seja na Esplanada, dentro do teatro ou em qualquer lugar.
Essas reflexões me acompanharam enquanto subia a rua Álvares Cabral, parando para tomar um café na Única e comprar uma garapa na tradição do velho João, o Garapeiro.
Voltarei em breve. Prometo.
Saudações,
Gusmão de Almeida
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