É de conhecimento amplo que o nacionalismo (sobretudo o ufanista) pode gerar consequências nefastas, sendo o nazismo, talvez, o exemplo mais emblemático. Muitas vezes, o conceito de “nação” foi e é usado para menosprezar estrangeiros e excluir minorias étnicas e culturais.
O povo brasileiro, de tempos em tempos, é acusado de pouco nacionalista, excetuando-se os períodos de Copa do Mundo. Acontece que, recentemente, numa tentativa nostálgica de ressuscitar um pretenso nacionalismo do período militar, parcela significativa da população brasileira tem incitado exaltações a símbolos e atitudes que aparecem no slogan presidencial "Brasil acima de tudo" ou em frases virulentas do tipo “minha bandeira jamais será vermelha”. Dois exemplos de amor à pátria?
Provavelmente não para Jürgen Habermas, o filósofo alemão mais influente em atividade. Habermas tem 90 anos, foi contemporâneo dos horrores do Holocausto e, desde a década de 80, contrapondo a ideia de nacionalismo, vem trabalhando a noção de “patriotismo constitucional” que, grosso modo, se fundamenta num sentimento coletivo de adesão aos valores democráticos e de defesa dos Direitos Humanos consagrados na Constituição.
Para o pensador, portanto, o patriotismo genuíno (e que traz resultados, de fato, democráticos) não reside em saber cantar o hino nacional ou se emocionar com frases de efeito, mas em respeitar a Constituição, os Direitos Humanos e compartilhar essa posição com os concidadãos em busca de uma convivência harmoniosa.
Eis que é possível interseccionar “patriotismo constitucional” com outro conceito do filósofo, a “ética do discurso”. Habermas assevera a necessidade de uma moralidade sustentada racionalmente, num contexto de comunicação no qual os cidadãos sejam capazes de se deslocar para a posição do outro, ou seja, de avaliar racionalmente os conteúdos expostos no debate, levando-se em apreço o conjunto da sociedade. Razão e ação comunicativas para o fortalecimento da democracia e do patriotismo.
Por aqui, em termos práticos e urgentes, é preciso que o brasileiro que preza pelos Direitos Humanos e pela Constituição retome seu lugar de fala como cidadão, como ser político e se reaproprie dos símbolos nacionais. O Brasil não cabe em discursos neofascistas ou teocráticos. O Brasil verde e amarelo não é da extrema direita. O Brasil pertence aos brasileiros constitucionalmente patriotas.
*Matheus Arcaro é mestre em Filosofia Contemporânea pela Unicamp. Pós-graduado em História da Arte. Graduado em Filosofia e também em Comunicação Social. É professor, artista plástico, palestrante e escritor, autor do romance O lado imóvel do tempo (Ed. Patuá, 2016), dos livros de contos Violeta velha e outras flores (Ed. Patuá, 2014) e Amortalha (Ed. Patuá, 2017) e do livro de poesia Um clitóris encostado na eternidade (Ed. Patuá, 2019). Também colabora com artigos para vários portais e revistas.
site: www.matheusarcaro.art.br
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