Por Filipe Augusto Peres
Recentemente li os artigos “Manifestos destino e destinos”, publicado no Jornal do Brasil no último dia 19, de Adhemar Bahadian, e “Pá de cal na Ucrânia e lança-chamas na América Latina”, de Marcelo Zero, na página do Brasil 247, publicado ontem, 20 de outubro. Ambos convergem sobre o ressurgimento do imperialismo norte-americano sob a forma do trumpismo. Ambos apontam que o lema “Make America Great Again” não representa apenas um slogan político interno, mas a atualização de uma ideologia expansionista e autoritária que, sob o pretexto da defesa da liberdade e da civilização ocidental, busca reafirmar a hegemonia dos Estados Unidos sobre o mundo e, em particular, sobre a América Latina.
Bahadian resgata o conceito histórico do “Destino Manifesto”, doutrina que, desde o século XIX, legitimou a expansão territorial e moral dos Estados Unidos como missão divina. Para o embaixador aposentado, o trumpismo reativa essa lógica com uma roupagem contemporânea, misturando nacionalismo extremado, supremacia branca e fundamentalismo religioso. A guerra em Gaza, a hostilidade contra o islamismo e o desmonte do multilateralismo, simbolizado pelo desprezo à ONU e às normas do Direito Internacional seriam expressões dessa política de intolerância e poder. No artigo, Bahadian alerta para o risco de o Brasil importar esse modelo, convertendo-se em cópia submissa de um sistema que alimenta desigualdades e destrói o tecido democrático.
Marcelo Zero, por sua vez, analisa a geopolítica dessa reconfiguração imperial. De acordo com Zero, a tentativa de Trump de encerrar a guerra da Ucrânia não acontece por um desejo de paz, mas de um cálculo estratégico: deslocar o foco militar e diplomático dos Estados Unidos para o confronto com a China e para a reafirmação da Doutrina Monroe na América Latina. Essa doutrina, reeditada em versão agressiva, pretende garantir que o “quintal” americano se mantenha sob controle, o que se traduz em sanções, pressões econômicas e ingerência direta sobre governos progressistas, como os de Gustavo Petro, Nicolás Maduro e Lula. A metáfora do “lança-chamas” empregada por Zero ilustra a violência simbólica e política com que Washington tenta sufocar a autonomia regional.
O que me chamou atenção é que tanto Bahadian quanto Zero demonstram que o novo imperialismo estadunidense não se limita ao domínio militar, ele atua também no campo ideológico, midiático e cultural. Neste imperialismo trumpista, as grandes corporações tecnológicas, a manipulação das redes sociais e o uso seletivo do discurso da liberdade de expressão são armas tão eficazes quanto os mísseis. Trata-se de uma guerra difusa, que invade consciências e redefine valores, neutralizando resistências internas. Assim, o perigo não é apenas externo, é também a adesão voluntária de elites locais que veem na submissão a Washington uma forma de ascensão e proteção.
Diante desse quadro, ambos os autores conclamam à vigilância e à resistência. A América Latina, afirmam, não pode aceitar passivamente o retorno de um modelo que transforma soberania em retórica e independência em dependência econômica. O Brasil, em especial, deve compreender que copiar o trumpismo significa renunciar à própria história e ao projeto de uma nação plural, democrática e socialmente justa.
Bahadian e Zero convergem na ideia de que o mundo vive uma restauração imperial disfarçada de patriotismo. O “MAGA” é apenas o novo nome do velho destino manifesto , uma ideologia que, sob o brilho da bandeira estrelada, insiste em definir quem manda e quem obedece. Resistir a essa lógica é, mais do que um ato político, um dever histórico das nações que lutam para continuar sendo donas de seu próprio destino.
Dia Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação
No último dia 17, movimentos populares lembraram o Dia Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação. Este dia representa a oportunidade de repensar o papel da informação como instrumento de poder e de emancipação social. A data nasceu da articulação entre movimentos sociais, pesquisadores e comunicadores que denunciam a concentração oligárquica da mídia brasileira, responsável por restringir o pluralismo e distorcer o debate público.
Segundo o levantamento Media Ownership Monitor Brasil, apenas 26 grupos controlam os 50 veículos de maior alcance no país, e cinco famílias dominam metade deles, o que viola o princípio constitucional que proíbe monopólios e oligopólios da comunicação. Assim, o 17 de outubro reforça que a democratização da mídia não é um capricho ideológico, mas uma exigência democrática, sem a qual a liberdade de expressão permanece privilégio de poucos.
Essa luta também se conecta diretamente à resistência contra o imperialismo comunicacional global denunciado por Bahadian e Marcelo Zero. No mesmo sentido em que o trumpismo e o domínio das big techs servem para impor uma visão única do mundo, os oligopólios midiáticos brasileiros cumprem função semelhante no plano interno: monopolizam as narrativas, criminalizam os movimentos sociais e silenciam as vozes populares.
Por isso, o movimento pela democratização da comunicação, com experiências de comunicação popular como as do MST, de coletivos comunitários, assumem um papel estratégico na construção de uma soberania informacional latino-americana, em que o povo não apenas consome mensagens, informações, mas produz sentido e participa do poder de narrar o próprio país.
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