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sexta-feira, 8 de maio de 2015

MARTELINHO: UM OFÍCIO EM EXTINÇÃO Uma reflexão sobre aspectos históricos da urbanização de Salto



Por Marcelo Botosso*

Apesar de sua localização interiorana, a pequena Salto acompanhou de forma ativa o ritmo de crescimento que se impunha ao tardio Brasil industrial. 

Na virada do século XIX ao XX, a cidade que contava não mais de 5.000 habitantes tornava-se uma espécie de parque industrial com a instalação de grandes indústrias e vilas operárias, sobretudo na área têxtil, servindo-se de rede e estação ferroviária, além de duas hidrelétricas subsequentes. 

Essa configuração atraiu um significativo contingente de trabalhadores, grande parte imigrante da península itálica que daria o “tom” na cultura local. Entretanto, essa configuração peculiar que acabou intitulando Salto como “A Pequena Manchester Paulista”, deve ser compreendida numa confluência de fatores, entre eles o geográfico. 

A sua localização próxima a uma das rotas de expansão ao “oeste”, a grande queda d’água que além de nome à cidade, também ofereceu a possibilidade de energia à indústria, bem como à população que se fixava em busca de oportunidades, foram alguns dos fatores determinantes na construção e no desenvolvimento de Salto. 

Sem dúvida foram nos seus atributos naturais em que a cidade se apoiou. Um bom exemplo disso é o ofício de “martelinho”, que se tornou um cargo oficial do quadro funcional da prefeitura, segundo a Lei Municipal nº 1327/1989.

Rico no afloramento de rochas de granito rosa, o município industrial de outrora cada vez mais se urbanizava e com ela a pavimentação de suas vias tinha no granito o seu material em casa.

Cabe aqui o registro deixado pelo memorialista saltense Ettore Liberalesso que o calçamento da cidade iniciou-se no começo dos anos 30, com a gestão do interventor Major Garrido. O pavimento começou do primeiro quarteirão da Rua 9 de julho desde a Praça Paula Souza chegando a atual Rua Monsenhor Couto, todas na área central.

A extração do granito e sua modelação em bloco em formato de paralelepípedo se dá pelo trabalhador chamado de “canteiro”, ofício hoje que decresce vertiginosamente frente à escassez de matéria-prima e à alternativa de outros materiais e tecnologias, como a pavimentação asfáltica. Porém, é no calçamento das ruas de granito rosa que está uma das principais marcas de Salto e, por conseguinte, o ofício de martelinho. 

Tal como a turística Ouro Preto - MG que tem no seu calçamento de paralelepípedos um atrativo, o chamado centro histórico de Salto e outros tantos bairros foram revestidos com os blocos de granito. O simpático e, por que não, nostálgico calçamento torna as ruas permeáveis às águas das chuvas evitando futuros alagamentos, principalmente onde não existem galerias de águas pluviais. 

Por muitas vezes, a exemplo da octogenária obra do Major Garrido, a pavimentação com paralelepípedos prescinde da construção dessas galerias tornando a obra mais barata além de gerar trabalho aos profissionais dessa área, hoje moribundos.

Entre as junções dos paralelepípedos, normalmente, em áreas e vias pouco movimentadas, nasce uma vegetação que vai tomando forma caso não seja retirada. 

O martelinho nada mais é que o trabalhador designado a retirar essa vegetação com um instrumento que nos primórdios era um pequeno martelo, daí a classificação desse ofício. Hoje, nas remanescentes vias de granito rosa, utiliza-se a aplicação de um herbicida que mata a vegetação até a raiz. O martelinho muda seu instrumento de trabalho, mas sua prática poderá perdurar caso existam ruas e passeios de paralelepípedos. 

Além de garantir o trabalho desses profissionais, martelinho e canteiro, as ruas de paralelepípedos barateiam o calçamento e sua manutenção que por vezes dispensam galerias de águas pluviais, contribui com permeabilidade do solo evitando alagamentos, valorizam a história local e dão o charme necessário à cidade que se propõe turística, ou seja, que fomente o turismo como gerador de renda à sua população. 

Atualmente o cargo de martelinho se encontra no quadro funcional da prefeitura como:
Extinto na Vacância: emprego que figura na “situação atual” cujo termo de extinção ocorrerá quando da demissão, aposentadoria ou falecimento do servidor público que atualmente ocupa (Tabela 2 – Anexo XI) pela Lei Municipal 2814/2007.
Em recente pesquisa, consta no quadro funcional da prefeitura apenas um servidor ativo nesse cargo, pertencente à Secretaria Municipal de Obras e Serviços Públicos. A extinção do martelinho – seja ele com ou sem o martelo – é sintomática, necessitando de nossa profunda reflexão acerca das questões ambientais, turísticas e daquilo que devemos elencar como patrimônio histórico de Salto.

*É historiador da Estância Turística de Salto - Museu da Cidade de Salto "Ettore Liberalesso"

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