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sábado, 28 de novembro de 2020

 Da Villa Fiorito ao “Olimpo”: o homem Dieguito e o gênio Maradona

Diego Armando Maradona nasceu em 30 de outubro de 1960 na pobre Villa Fiorito e nunca escondeu suas origens: no auge, chegou a afirmar que suas posições fora de campo não eram respeitadas por ser um “cabecita negra”. O termo na Argentina é pejorativo e usado para designar o morador de periferia. Nas periferias, sobretudo de Buenos Aires, a maioria da população é composta de imigrantes e de mestiços hispano-indígenas. Lá, como cá, a tez mais escura é um forte preditor da condição social.

Ivan Martins, escreveu a reportagem “Os argentinos não são brancos” para a revista Época, entrevistando vários pesquisadores argentinos. Na reportagem, aparece a informação de que o termo “cabecita negra” tem origem nos anos 1940, quando um forte êxodo rural levou às periferias de Buenos Aires ex-camponeses, sendo muitos descendentes de indígenas, como Diego Maradona.

Dieguito teve 05 filhos em relacionamentos "oficiais" e convivia com outros 04 filhos de relacionamentos “não oficiais”. Jornalistas dizem ser de conhecimento público mais dois. Isto é, falam em 11 filhos. Dieguito tentou reunir todos no seu aniversário de 60 anos. Não foi possível...

Um com Covid-19 não pôde sair da Itália. Uma filha não pôde ir à Argentina pelos compromissos do marido, Kun Agüero, e não levou o neto. Havia desentendimentos entre alguns filhos, onde um estava outro não iria. Uma família com problemas que fogem ao roteiro das novelas. E se aproxima das famílias grandes reais. Nada perfeito. Maradona só buscava a perfeição em campo e morreu triste por não reunir todos os seus nos seus 60 anos, como uniu todo um País diversas vezes.

Maradona deixou uma fortuna estimada em US$ 500 milhões ou R$ 2,6 bilhões. Há quem diga que ele não teria tudo isso. O Maradona, de "maus exemplos" não poderia ser tão rico, logo o cálculo é que a herança seria de ínfimos US$ 100 milhões ou R$ 531 milhões. A vida desregrada de El Pibe d'Oro deixará 11 filhos disputando essa "miséria"... Não há romantismo nisso. Mas, também não deveria haver fatalismo.

Segundo Sílvio Lancellotti, a esposa de Julio Grondona presidente da Associação do Futebol Argentino (AFA) de 1979 até 2014, Nélida Pariani Grondona, foi além, se referindo a Dieguito como “indio hijo de puta!” Um xingamento repulsivo acompanhando a origem jamais negada ao longo dos seus 60 anos.

O "indio hijo de puta" incomodou a madame Grondona, cujo poder do marido advinha das relações com a Ditadura. Grondona se orgulhava: “[...] tive mais denúncias que Al Capone e jamais fui alvo de uma única multa.” O "índio", apesar dos pesares, saiu da miséria para o estrelato por suas habilidades. Apesar do poder e das amizades de Julio Grondona, Nélida sabia que seu marido sempre estaria na sombra de Diego Maradona. Como poderia um “cabecita negra” ofuscar um “Poderoso Chefão”?

Grondona dependeu dos militares para chegar ao poder e foi governista, independente do presidente da República ser da UCR ou do PJ. Grondona foi solícito dos militares aos Kirchnners.  Diego, por sua vez, tinha um lado. A FIFA era corrupta e quem compactuava com isso não era confiável, de Grondona a Pelé. As relações de Dieguito com Grondona e Pelé oscilavam entre “tapas e beijos”. Não os odiava, mas não titubeava em expor os erros de ambos ao se aproximar da FIFA, cujos desmandos eram danosos ao futebol. Em 2015, o FBI deu razão à Maradona ao investigar e determinar a prisão de vários dirigentes do alto escalão da FIFA.

Apesar disto tudo, o que importa para muitos é que Maradona tinha suas fraquezas em relação às substâncias proibidas. Dessas fraquezas, vieram problemas de saúde, infidelidade e 06 filhos fora dos relacionamentos "oficiais". Ele está do longe do "cidadão de bem" dos nossos dias.

O "indio hijo de puta", gênio no campo, condenará, por sua dependência a certas substâncias, 11 pessoas à indigna disputa judicial para de dividir milhões ou bilhões. Se fosse "cidadão de bem", nada disso ocorreria... Se fosse disciplinado, teria jogado mais, conquistado mais, se fosse...

Se fosse o que outros sugerem não seria Maradona. O "indio hijo de puta", segundo Nélida, comove a Argentina porque é gênio no campo, dizem ser solidário na vida pessoal e, acima de tudo, contrariou estatísticas: pobre, descendente de indígena que resgatou o orgulho da Argentina após a humilhação na Guerra das Malvinas. Ironia do destino, o orgulho do país mais “europeu entre os latinos” foi resgatado por um “cabecita negra”.

A dependência, o seu lado humano mais vulnerável, certamente provocou impactos severos sobre o corpo. Mas, deixou intocada a obra. A vulnerabilidade humana não enfraqueceu a genialidade do craque. Tais fraquezas são lições e não objetivos. Lições que reforçam o ensinamento: duvidem da perfeição! Heróis inspiram epopeias, mesmo que sua vida pessoal seja demasiadamente humana. Questionem aqueles que forjam uma santidade na terra!

Hoje, segundo Juca Kfouri, Gardel canta melhor, Evita cuida melhor dos pobres, Maradona joga ainda mais. Amanhã tudo melhora. Quiçá suas falhas pessoais sejam respeitadas como intimidade e sejam menos exploradas como espetáculo do que seu talento excepcional! Há quem lute contra tudo isso, mas não terão qualquer chance contra uma Argentina uníssona.

Será em vão... A obra do gênio permanece, independente da vontade dos censores.

Jefferson Nascimento
Professor IFSP - Campus Sertãozinho.
Doutorando em Ciência Política na UFSCar
Membro do Núcleo de Estudos dos Partidos Políticos Latino-americanos (NEPPLA).

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