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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Onde chegará Francisco?



"Nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terras e nenhum trabalhador sem direitos".

Essa frase poderia ter sido pronunciada facilmente pela boca de Gustavo Gutierrez ou de Leonardo Boff, mas foi dita pelo papa Francisco. Essa frase seria inimaginável na boca de João Paulo II ou do ainda vivo Bento XVI, só para citar os dois mais recentes ex-papas.

Dias atrás, dois arcebispos italianos recém nomeados por Francisco disseram que é preciso combater o capitalismo como se combateu o comunismo e que o modelo atual coloca o dinheiro no centro, enquanto que o ser humano perde seu sentido. "É preciso combater o desemprego, a pobreza e eliminar as injustiças", disse também um deles, numa frase facilmente imaginada na boca de João Pedro Stédile, líder do MST e que aparece acima num encontro (antes improvável) com Francisco, mas nunca na boca de um arcebispo católico.

Desde que o mundo deixou a Idade Média e a Igreja passou a perder paulatinamente seu poder, só o que houve foi uma reação de cunho conservador por parte da Santa Sé, seja por conta própria, como contra os protestantes, na afirmação de dogmas marianos contra os "modernismos" e no dogma da infalibilidade papal, seja em aliança com o sistema capitalista, como na afirmação da Doutrina Social da Igreja, no final do século XIX, onde a Igreja reafirma seu conservadorismo (o que é plenamente natural), sem contestar o capitalismo. Foi uma forma de adequação pastoral à sociedade industrial inexoravelmente em crescimento, fruto da inteligência do papa Leão XIII. Uma adequação ao capitalismo e o início do combate ao socialismo/comunismo.

O encontro com Stédile, com Evo Morales, a busca de Francisco em formar uma imagem junto aos mais pobres, aos mais humildes e a adoção de um discurso muito mais à esquerda do que pode suportar um católico conservador, sinaliza uma mudança de rumo muito mais profunda do que supunham os entendidos. Veja que Francisco desapareceu do noticiário da Globo, por exemplo.

Nem mesmo após o Concílio Vaticano II, onde a Igreja buscou se adequar mais uma vez à "modernidade", houve tamanha mudança de discurso e de postura. Ao contrário, João Paulo II, com todo o seu carisma, e o Cardeal Ratzinger, com todo seu poder e influência, operaram o tempo todo em parceria com sistema capitalista no combate ao socialismo. Que o digam os líderes da Teologia da Libertação, como o citado Gutierrez. Tirando as pastorais de base (de influência "libertadora"), todo o sistema de poder da Igreja nos séculos XIX e XX foi colocado a serviço do sistema capitalista.

O que mudou? Onde quer chegar Francisco?

Nunca foi novidade para ninguém que a escolha de Jorge Mário Bergoglio representaria uma mudança. A Igreja não suportaria mais nem os escândalos morais e financeiros e nem o crescente problema do esvaziamento das igrejas. A renúncia inusitada de Ratzinger foi parte dessa mudança. Mas uma mudança tão radical no discurso e na ação é que está surpreendendo a todos.

A saída de Ratzinger representa uma forte ruptura na hierarquia e na ideologia católica, bases de um sistema montado antes mesmo da eleição de João Paulo II e que posicionou a Igreja na luta contra o comunismo, contra o ambientalismo, contra a camisinha, ou seja, na vanguarda não só do conservadorismo moral da atualidade, mas na manutenção e reprodução de um sistema absolutamente excludente.

A direita católica já não suporta mais Francisco, desde os moderados ligados à Ratzinger até os medievalistas da TFP. Já a esquerda sorri de alegria a cada pronunciamento do Pontífice. Até eu, um ateu devoto de São Jorge, sinto-me surpreendido, num otimismo crítico e cético.

Não tenho a resposta para a segunda pergunta feita acima, mas acho bastante promissor que num mundo onde os 1% mais ricos já detém mais dinheiro do que os 99% mais pobres, um papa encampe um discurso mais voltado às causas populares. O mundo está em intensa disputa de poder desde o final do século XIX e, nas últimas décadas, a disputa é entre o neoliberalismo e o nacionalismo. Os rentistas contra os povos trabalhadores. Pela primeira vez os trabalhadores ouvem um papa falar frases que os agradam. Oxalá essa mudança vá bem mais além do que a necessidade de encher novamente as igrejas.

Ricardo Jimenez

2 comentários:

ANTONIO CARLOS disse...

Ricardo, pode parecer ingenuidade ou outra coisa qualquer de minha parte, mas não acredito que a mudança pregada pelo papa tenha apenas o objetivo de encher novamente as igrejas católicas. Não tenho religião, embora tenha sido batizado e crismado na igreja católica mas acredito na intenção do papa Francisco em fazer parte da luta por um mundo melhor.

O Calçadão disse...

Oxalá, amigo!!

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