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quinta-feira, 4 de novembro de 2021

A luta popular está na resistência, no Brasil e no mundo

 

Mobilizações de massa no Chile pressionaram por uma nova Constituição

Talvez as manifestações ocorridas no Chile em 2019 sejam as mais importantes no campo da luta popular das últimas décadas. Realizadas 30 anos após a queda da ditadura de Pinochet, as mobilizações populares de massa apontavam a destruição social provocada pelo neoliberalismo como já não mais suportável. 

No Chile, ninguém mais se aposenta por conta da privatização da previdência, a educação pública superior inexiste, o custo de vida é elevado, os direitos sociais são diminutos e a desigualdade social é uma das maiores do continente.

Eis o caldeirão que explodiu e "surpreendeu" muita gente acostumada a acompanhar as notícias econômicas do Chile pela mídia empresarial brasileira e ter a falsa ideia de que ali se vivia o paraíso do neoliberalismo.

As manifestações pressionaram por uma nova Constituição a substituir a antiga, feita por Pinochet.

A Assembleia Nacional Constituinte chilena está em andamento desde meados deste ano. Mas caminha com dificuldade. Não no que diz respeito à adoção do um Estado plurinacional, mas no que diz respeito ao desmonte do modelo neoliberal adotado pela ditadura Pinochet em 1973 e vigente até hoje.

Desmontar o sistema neoliberal significa enfrentar um sistema que desregulamentou por completo as relações trabalhistas, retomando relações empregatícias anteriores à adoção da agenda de direitos de 1919, quando foi fundada o Organização Internacional do Trabalho (OIT). Hoje seres humanos trabalham 16 horas sem direitos. Um sistema que destruiu os direitos sociais adotados nos Estados de Bem-Estar Social dos anos 50 e 60, como o sistema de previdência pública, de seguridade social e de saúde pública universal. Um sistema que retirou a economia real do centro e colocou a financeirização no lugar, fazendo todo o sistema ser sustentado pelos orçamentos dos Estados Nacionais, através das dívidas públicas, ou através do desvio de dinheiro aos paraísos fiscais, retirando dos países os recursos necessários para financiar direitos sociais ou programas de desenvolvimento. Um sistema que destruiu o poder dos Estados nacionais em gerir suas próprias riquezas energéticas e minerais ou de operar programas nacionais de desenvolvimento com investimento do Estado.

Ser anti-neoliberal é enfrentar um sistema onde 2153 bilionários no mundo têm mais renda do que 4,6 bilhões de seres humanos, segundo dados da OXFAM. E a desigualdade e a concentração de renda não param de aumentar, atingindo duramente as mulheres (que são 75% dos subempregos), negros e idosos (que cada vez mais não podem contar com um sistema de aposentadoria).

As dificuldades para o avanço da constituinte chilena contra o sistema neoliberal não é só uma dificuldade chilena. O neoliberalismo, pensamento hegemônico dos últimos 40 anos, está entranhado não só na academia e na mídia, mas conseguiu adentrar o senso comum das populações. Palavras como "empreendedorismo" e "meritocracia" estão presentes inclusive em favelas mundo afora e Brasil adentro.

O mundo está em crise, Brasil junto, por conta do fracasso neoliberal. A extrema-direita proto-fascista se reergueu dos escombros do neoliberalismo. Mas as pessoas não conseguem enxergar isso e, então, a luta social, hoje intensa, se torna errática. Tanto é que vemos a extrema-direita, parceira do neoliberalismo, e de suas políticas excludentes, em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, crescer com uma narrativa "anti-sistema".

Enfrentar esse monstro instrumentalizado pelo sistema financeiro mundial e enraizado no seio da população trabalhadora não é simples. A resistência existe e está aí para todo mundo ver (o Chile é um exemplo de muitos no mundo). Mas sair da resistência para o avanço requer unidade política e programática, e isso está longe da realidade atual.

Entender como opera o atual sistema capitalista não é o problema. O Capital de Marx é uma obra viva como instrumento para isso, dentre outras. O problema é organizar o enfrentamento, em nível mundial e local. O que fazer? Essa famosa pergunta está na ordem do dia.

Há uma agenda anti-neoliberal hoje em construção no mundo? E no Brasil? Há um debate programático anti-neoliberal hoje em construção no mundo, envolvendo partidos políticos, sindicatos e movimentos sociais? E no Brasil?

No Brasil, a situação é similar ao resto do planeta. A resistência anti-neoliberal existe, mas é caótica e dispersa. PT e PSOL são dois partidos que se colocam nessa trincheira, mas sem uma clara unidade programática. As centrais sindicais também não têm unidade de programa nesse sentido. Nos movimentos sociais, o MST tem avançado no debate, mas também encontra dificuldades de diálogo com partidos e sindicatos. Outros dois partidos de tradição de centro-esquerda, PDT e PSB, têm mais neoliberalismo em suas fileiras do que resistência anti-neoliberal. A mídia empresarial é totalmente neoliberal e as mídias alternativas ainda não são capazes de fazer o contraponto à altura.

Ou seja, resistência anti-neoliberal há, mas difusa e muitas vezes caótica. O avanço anti-neoliberal ainda não existe de fato. Enquanto isso a extrema direita, proto-fascista, segue forte na Europa (França, Espanha, Alemanha, Itália etc) e na América latina: Brasil, Argentina, Chile, Colômbia.

E as dificuldades não só internacionais e nacionais. A dificuldade é local também. Aqui em Ribeirão Preto a resistência também existe. Temos após muito tempo uma frente de esquerda na Câmara Municipal. Temos uma frente de esquerda entre partidos, sindicatos e movimentos sociais tocando as agendas Fora Bolsonaro e outras. Mas falta um diálogo mais próximo, falta uma construção programática em nível local. Vejamos: a água está sendo privatizada com a extinção do DAERP e isso não conduziu a um movimento articulado, por exemplo. Qual o programa o campo popular irá apresentar em 2024 em Ribeirão? Esse programa será fruto das lutas reais existentes hoje na cidade?

Teremos um programa capaz de se colocar de frente para o debate com o programa Ribeirão 2030, construído pelo empresariado, por exemplo?

O futuro do mundo, e do nosso quintal, nessa quadra do século 21, está indefinido. O fracasso neoliberal é real. Suas consequências são dramáticas. A democracia liberal está em crise. Algo precisa ser colocado no lugar para dar aos povos uma perspectiva de dignidade, esperança e avanço nas condições de vida. Mas o como chegar lá ainda está na prancheta das organizações populares.

Seguimos na resistência.

Ricardo Rodrigues Jimenez - editor do Blog O Calçadão

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